sábado, 13 de julho de 2013

A RAIMUNDINHA DA CASA SAUDADE





No tempo que Porto Velho não passava da rua Joaquim Nabuco, chegou por aqui, a família de Raimunda da Silva Oliveira conhecida como Raimundinha desde os tempo que trabalhou na Casa Saudade. “Comeceina Casa Saudade com 13 anos de idade, o Teodorino era meu primo legítimo”, fixando residência (desde 1943), na hoje Rua Bolívia onde mora até hoje. “Naquele tempo era só um caminho no meio do mato”. Raimundinha conheceu a Mãe Esperança do Batuque de Santa Bárbara pois sua casa era em frente ao “Terreiro”. “Quando era época de Batuque isso virava um burburinho, era gente de todo jeito, as prostitutas faziam ponto nas bancas de venda de tacaca e outras iguarias regionais e tinha até gente que caia possuído pelos espíritos no meio do salão”. Nossa conversa na realidade, foi com a intensão de saber a história da Casa Saudade pertencente ao Grupo T.T. Dias e Cia onde trabalhou entre outras pessoas o senhor José Vieira Caula. Raimundinha se lembra da convivência com seus colegas e até de como conheceu seu marido com o qual vive há 48 anos, na rua Bolívia esquina com a Joaquim Nabuco para ser preciso, no Bar “Antônio Chulé” cujo prédio é de sua propriedade.

ENTREVISTA



Zk – Vamos falar sobre sua origem?
Raimundinha – Nasci no dia 24 de abril de 1939 em Manaus, vim pra Porto Velho quando tinha apenas 4 anos de idade, isso em 1943, meu pai Maximino Ferreira da Silva e minha mãe Luiza Dantas da Silva.
Zk – Quando sua família chegou aqui foi morar aonde?
Raimundinha – Desde quando me entendo, que moro neste local onde hoje é a rua Bolívia entre a Joaquim Nabuco e a Brasília. Meu pai quando chegou aqui ocupou essas terras todas.
Zk – Qual é a dimensão dessa terra toda?
Raimundinha – Em metragem não sei te dizer, mas era do meio da rua Joaquim Nabuco no trecho entre a Almirante Barroso e a rua Amazonas indo até nas proximidades da rua Brasília. Era muita terra. Naquela época ninguém tinha Carta de Aforamento, a pessoa chegava cercava o terreno levantava uma casa e já era o dono, meu pai cercou esse quarteirão imenso de terra.
Zk – Como era o local, já tinha a rua Bolívia?
Raimundinha – Não tinha nem rua, era um caminho pequeninho por onde a gente passava para ir pro igarapé que até hoje a gente chama de Bica. A água da Bica era bem limpinha e servia inclusive para beber. Ali as lavadeiras e todo mundo do bairro lavava roupa, os meninos pegavam água no balde derramava na cabeceira do barranco e vinha escorregando até cair no poço que a gente chamava de igarapé.
Zk – Voltando as terras do seu pai. O que aconteceu?
Raimundinha – Com o tempo a prefeitura resolveu abrir essa que hoje é a rua Bolívia e a Amazonas que tinha outro nome, como meu pai não tinha Carta de Aforamento, perdeu um bocado de terra ficando apenas com o terreno onde moramos até hoje, ou seja, na rua Bolívia esquina com a Joaquim Nabuco o famoso Bar do Antônio Chulé.
Zk – Como foi sua infância morando praticamente ao lado do Batuque de Santa Bárbara?
Raimundinha – Pois é, vivenciamos tudo isso, meu pai morreu quando eu tinha apenas 11 anos de idade e continuamos na luta ajudando nossa mãe. Enquanto criança, brincávamos no terreiro do Batuque que naquele tempo era comandado pela Mãe Esperança, veja bem, eu não fazia parte da irmandade do Santa Bárbara a gente muitas vezes juntamente com outras meninas, íamos brincar num quartinho onde era guardado as coisas utilizadas durante a sessão, como cuia, santos, etc. Ali a gente ficava imitando o “baiar” (dança) das filhas e mães de santo. As vezes a gente ficava tonta de tanto rodar, mas, frequentar mesmo o Batuque eu não frequentava não!
Zk – Vamos falar sobre a Casa Saudade. Com quantos anos a senhora começou a trabalhar lá?
Raimundinha – Comecei com 13 anos de idade. O dono era o Teodorino Torquato Dias e seu Irmão Pedro Pacheco Dias o Pedrinho que depois montou o Bar do Canto. Acontece que minha mãe era tia legítima deles e por esse motivo foi fácil consegui o emprego. No primeiro dia de trabalho o Teodorino me colocou para trabalhar como caixa e eu morria de medo de passar troco errado. O Teodorino foi um primo pai pra mim porque juntamente com a dona Carmem sua esposa, acabaram de me criar e me educar.
Zk – Quem trabalhava na Casa Saudade?
Raimundinha – O gerente era o seu Caula, José Vieira Caula, uma pessoa muito compreensiva, só tinha um detalhe, como gerente ele não deixava os empregados parado, se não tinha freguês ele colocava a gente para arrumar as peças de tecidos, espanar, ninguém podia ficar parado, mas, era uma pessoa muito comunicativa e ninguém ficava com raiva dele.
Zk – Para informar a população de hoje. A Casa Saudade ficava aonde?
Raimundinha – Ficava na 7 de Setembro esquina com a José de Alencar justamente onde hoje é o Ponto 7. Na Casa Saudade se vendia tecido que naquele tempo era chamado de “fazenda”, a freguesa chegava escolhia e dizia, me dá um metro, dois metros dessa “fazenda”. Numa outra parte era apenas armarinho. O grupo TT Dia e Cia tinha também o Mundo Elegante que ficava do outro lado da rua José de Alencar onde se comercializava apenas tecidos finos, subindo um pouco, mais perto do Mercado Municipal (hoje Cultural), tinha “A Doméstica” uma loja especializada em material para cozinha.
Zk – Quem comprava na Casa Saudade?
Raimundinha – A Casa Saudade era popular, mas recebia também as madames mulheres dos categas, eu me dava muito bem com a maioria delas e elas gostavam muito de mim, tanto que na época de Natal eu recebia muitos presentes. Olha aqui Raimundinha ou Neguinha (como elas me chamavam) é pra você!
Zk – Quem trabalhava na Casa Saudade?
Raimundinha – Como já disse, o gerente era o seu Caula, tinha o Camucinha, Pedrinho, Clemilson, Coaraci, Chiquinho, depois veio o Zé Nóbeo que ficou famoso como violonista, mas, nunca deixou o grupo, inclusive foi ser gerente da filial de Ji Paraná e depois Cacoal; Albanito, as moças era a Síria Carvajal, Terezinha, as duas Cleonice a de Humaitá e a Cleonice Meireles. No final de semana a gente se juntava e ia pras festas, principalmente no Danúbio Azul e as vezes no Bancrévea.
Zk – Festa de meio de ano ou de carnaval?
Raimundinha – Era as festas do ano todo. Por falar em carnaval, certo ano fui eleita Rainha do Carnaval do Danúbio Azul era chic, era a turma da Casa Saudade mandando no pedaço, o pessoal na realidade era muito animado e unido. Outro evento que marcou minha passagem pelo grupo TT Dias e Cia foi minha participação como modelo.
Zk – Conta essa história pra gente?:
Raimundinha – A Fábrica de tecido Bangu, resolveu promover um desfile aqui em Porto Velho e eu fui uma das moças escolhida para desfilar apresentando a coleção de inverno/verão da fábrica.
Zk – Qual o motivo do fechamento da Casa Saudade?
Raimundinha – Acontece que o Teodorino estava com problema de saúde e foi morar em São Paulo e ficava na ponte aérea SP/PVH, aquilo foi agravando até que ele resolveu fechar as lojas de Porto Velho. Se não me engano, o prédio até hoje é da família dele.
Zk – Estudou em qual colégio?
Raimundinha – De inicio fui estudar no Colégio Maria Auxiliadora, naquele tempo a saia da farda era muito grande, batia no calcanhar, por baixo da saia a gente usava uma combinação e as vezes a anágua, a camisa era de manga comprida e ainda tinha gravata, não podia pintar e nem deixar a unha crescer, o cabelo tinha que ser amarrado tipo rabo de cavalo. Era bom quando chegava o desfile de 7 de Setembro porque a gente desfilava de farda de gala com aquela boina. Era uma farda bonita e charmosa. Depois fui estudar a noite.
Zk – No Maria Auxiliadora?
Raimundinha – Não! Quando comecei a trabalhar para ajudar minha mãe, sai do Auxiliadora porque não funcionava a noite e fui estudar no Grupo Escolar Barão do Solimões.
Zk – É verdade que naquele tempo o rapaz quando se excedia no namoro se dizia que ela havia feito mal pra moça?
Raimundinha – E tinha mais! Quando o rapaz abusava sexualmente da moça era obrigado a casar e o casamento era na polícia na frente do delegado. Ainda tinha um problema, a moça que perdia a virgindade e não casava, ficava mal falada, as mães não deixavam que suas filhas saíssem acompanhadas daquela moça mal falada. Já pensou!
Zk – Como foi que a senhora conheceu o Antônio seu marido?
Raimundinha – Eu tinha outro namorado que era muito bom comigo, a gente saia pra dançar e ia pra todo canto. Acontece que tem aquele negócio de amor a primeira vista e foi assim que aconteceu com o Antônio. Fui assistir um filme no Cine Lacerda que era ali onde hoje está o Banco Santander. Na saída fomos tomar um lanche no Bar do Célio na esquina da Sete com a Gonçalves Dias e lá vi aquele rapaz numa mesa, fiquei olhando pra ele dei um sorriso e ele correspondeu, minha amiga olhou pra mim e disse, “tu vai botar chifre no teu namorado, o pobre tá viajando...” e eu respondi, não sou casada com ele. Estava com 19 anos, quando saímos do lanche o Antônio foi pra porta e ficou olhando a gente subindo a rua, olhei pra trás e ele me deu adeus. No outro dia cheguei no trabalho e disse pras meninas, vou casar com um neguinho que vi lá na lanchonete do seu Célio. Pra encurtar a conversa, estamos casado há 48 anos.
Zk – Para encerrar. Vamos voltar ao Batuque de Santa Bárbara?
Raimundinha – Quando era o tempo de Batuque essa área se transformava num burburinho de gente e tinha banca de venda de tudo quanto era guloseimas, as prostitutas vinham também na iminência de arranjar fregueses, o negócio “pegava fogo” quando tinha Batuque no Santa Bárbara!

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