segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

ENTREVISTA

A fofoca do Zé que atraca
 Enquanto o músico deliciava-se com o espetáculo da Banda Carijó, e o carnavalesco embebecia-se com a festa cômica e alegre das dançarinas do Galo, o homem caricato ao fio de seus 66 anos de idade deixava correr a lágrima das sensações felizes de quem, reconhecidamente, entrou para a história. Silvio Macedo dos Santos, o popular Zekatraca, recebeu a maior homenagem do bloco Galo da Meia Noite. O personagem fiel da cultura regional fala, nesta entrevista, de sua trajetória no carnaval de Rondônia.
 ENTREVISTA
Diário – Você recebeu a homenagem local mais merecida para um carnavalesco diante de sua história de vida. Qual o significado de tudo isso?
Zekatraca – É uma grande felicidade. Sinceramente, amanheci, após a homenagem prestada pelo bloco do Galo da Meia Noite, muito mais feliz do que já sou. Eu me sinto honrado por tudo isso. Nas pessoas de Edson Caula, Iolanda, Carlinhos da Mocidade e os demais componentes da direção do Galo os meus agradecimentos.

Diário – Essa homenagem chega diante de um momento delicado para o carnaval das escolas de samba da capital que não saem este ano. O que houve para que se chegasse a esse estado de dificuldade?
Zekatraca – O carnaval de Porto Velho tem dois importantes momentos. O primeiro instante é da década de 40, 50 e 60 com os bailes nos clubes. Na verdade a história dos clubes começa mesmo em 1920. Depois de 60 tivemos O Imperial, Danúbio, Bancreve, Ipiranga e Internacional. Esses clubes comandaram o carnaval até o final da década de 60 quando surgiu o Diplomatas. Vale lembrar que a primeira escola de samba apareceu em Porto Velho em 1946, a Deixa Falar, com o carnavalesco Bola Sete. Em 1950 surge “O Triângulo não Morreu”. Diplomatas surge em 1958 e, em 1964 surge a Caiari. Nesse momento o carnaval das escolas de samba começa a crescer.

Diário – Houve disputa de espaços entre o carnaval das escolas e os clubes sociais?
Zekatraca – O carnaval praticado pelas escolas de Samba, principalmente Caiari e Diplomatas, abafou as agitações nos clubes sociais. Essa força se prolongou até 1993 e aí já havia outras escolas como Castanheira e Asfaltão.

Diário – E essa festa carnavalesca, se comparada aos movimentos desenvolvidos em outros estados da região Norte?
Zekatraca – O carnaval das escolas de Samba de Porto Velho, para os padrões da época, era de alto nível. Chegou a ser mais forte, em termos de organização com resultados, que o carnaval do Amazonas e Pará. Tínhamos o melhor carnaval do Norte.

Diário – Essa decadência local aconteceu de fato a partir de quando?
Zekatraca – A princípio, o Amazonas começa a melhorar seu carnaval com a construção de um sambódromo em 1993. E nós continuamos no marasmo, sem ter local definido para as apresentações. Dessa forma, o outros carnavais evoluíram e nós ficamos capengando.

Diário – A responsabilidade para o que ocorreu este ano, sem as escolas na avenida, é de quem mesmo?
Zekatraca – A situação, se bem observarmos, não da administração pública. A culpa é da má administração da Federação das Escolas de Samba. As escolas precisam, urgentemente, de administração responsável que tenha visão de futuro empreendedora.

Diário – A realidade do carnaval praticada pelos blocos tem sido diferente?
Zekatraca – O carnaval dos blocos de trioelétrico cresceu muito por conta de um gerenciamento diferente. Eles são organizados dentro da Unibloco. Isso prova o que definimos, é uma questão de gestão, administração com responsabilidade.

Diário – O carnaval de Porto Velho possui uma identidade de fato?
Zekatraca – Indiscutivelmente, sim. Essa identidade é o samba de Porto Velho que nasce enraizado, oriundo do Rio de Janeiro e Belém através de funcionários do Ex-território do Guaporé que chegavam aqui. São duas cidades que sempre cultivaram o carnaval de escolas de samba. Mais tarde também chegou o carnaval baiano com os trios elétricos.

Diário – Você fala das influências baianas para o carnaval dos blocos. Mas o perfil tradicional se manteve de alguma forma.
Zekatraca – O que aconteceu com a Banda do Vai Quem Quer, Galo da Meia Noite, O Canto da Coruja e Até que a Noite vire Dia foi diferente. Esses blocos optaram por fazer o carnaval de machinhas, o tradicional carioca junto com o samba enrede. Nasceu com a característica de resgate. Com isso, também ocorre, um resgate do carnaval de clubes que tocava apenas marchinhas.

Diário – Zé, e sobre a homenagem oferecida pelo Galo da Meia Noite ao carnavalesco?
Zekatraca – O Silvio Santos, o Zekatraca que o Galo está homenageando este ano, é um menino nascido em 1946, dia 8 de dezembro, oriundo de uma família de músicos. Pela parte do meu pai, que tocava piano no cinema mudo, recebo a maior influência. Minha mãe conta que quando eu nasci, já fui brincando com a luz do candieiro. Do lado de casa tinha uma festa, o festejo de Nossa Senhora da Conceição.

Diário – Seus amigos contam que a primeira criação sua surgiu bem cedo. Como foi isso?
Zekatraca – No carnaval de 1960, eu morava na avenida Farqhuar, onde hoje é o mercado central. Fomos para o desfile das escolas de samba que acontecia na avenida Presidente Dutra. Na ocasião ouve uma chuva torrencial e, corremos para casa. Ao chegar comecei a compor. Eu tinha uns 13 anos de idade. A melodia ficou boa: “a chuva quando cai molha a fantasia, deixa manchar que eu estou na folia. O momo primeiro e único já está na alegria…”

Diário – E quando surgem as próximas composições carnavalescas?
Zekatraca – O meu primeiro samba enredo surge em 1966. Em 1970 a Dona Marise Castiel assume a Pobres do Caiari e cria pela primeira vez um enredo na Capital. O tema de inspiração foi a obra de Benedito Ruy Barbosa, Sinhá moça, que Marise Castiel me entregou e pediu para fazer o samba. Aquilo foi interessante por motivar as demais escolas a também construir seus enredos. É que antes elas cantavam sambas do Rio de Janeiro. Isso significa que a partir de 1970 passamos a ter músicas próprias no carnaval de Porto Velho.

Diário – Essa trajetória do carnaval mostra que ele já foi melhor em Porto Velho?
Zekatraca – Quando defendemos que ele já foi melhor nos referimos ao carnaval de escolas de samba. Pois, o praticado pelos blocos está entre os melhores do País. Exemplo disso é o que acontece com a Banda do Vai Quem Quer que somente concorre com ela, quantitativamente, o Galo da Madrugada, de Pernambuco, e a Banda de Ipanema. E a queda das escolas está diretamente ligada à falta de um espaço adequado para o desfile. Um sambódromo.

Diário – E o surgimento do codinome Zekatraca, como ele acontece?
Zekatraca – Em 1986 existia em Porto Velho o jornal A Tribuna, onde o diretor Roquilme era o presidente. E o jornal O Estadao tinha uma coluna denominada Pierrô editada pelo saudoso Vinícios Danin. Foi então que o Roquilme me chamou para fazer algo com aquelas características. A ideia era fazer uma coluna que concorresse com o Pierrô. Eu já trabalhava na imprensa, um programa de rádio, e também atuava no bloco Zé Atraca, onde também participava o Manelão. Ele sugeriu o mesmo nome para a coluna e ficou. Depois a Tribuna parou, eu foi para o Estadão e, algum tempo depois, para o Diário. E durante muito tempo ninguém sabia sobre o autor. Quando o seu Emir Sfair fez uma entrevista comigo e revelou. E eu estou aqui há 19 anos.

Diário – E a homenagem prestada pelo Galo, você acha merecida em que sentido?
Zekatraca – Eu não digo que ela seja merecida, simplesmente pela minha pessoa. Mas, por todos nós carnavalescos que atuamos e valorizamos a cultural regional. O trabalho que o Galo da Meia Noite vem fazendo, que começou com o Bainha, em seguida Manelão e Ernesto Melo. E, agora eu. É uma homenagem em vida. Bem diferente. Geralmente se homenageia após a morte. O Galo está homenageando pessoas que estão vivas e elas podem usufruir disso, certamente. Um trabalho muito positivo que direciona para todos os que estão envolvidos com a cultura de forma geral. Parabéns ao Galo.

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