sábado, 14 de dezembro de 2013

ENTREVISTA - CHICÃO SANTOS

Mitos e lendas a caminho do sertão



A partir desta e nas próximas edições até o final do ano, vamos publicar entrevistas com os responsáveis pelas entidades culturais que se destacaram na temporada. Os artistas solos também merecerão nossa atenção. Para começar a série convidamos o principal responsável pelo grupo O Imaginário Chicão Santos, que discorreu sobre as atividades desenvolvidas durante o ano de 2013 em especial sobre a circulação da caravana “Mitos e Lendas - A Caminho do Sertão” vencedora do Prêmio Petrobras cuja principal atração, é o espetáculo “Varadouro”. Chicão fala das dificuldades enfrentadas para a realização do Festival de Teatro Amazônia Encena na Rua. “Em 2014 o Sesc assume a integralidade da realização do Festival Amazônia Encena na Rua”. Porém chamamos a atenção do leitor para a parte sobre a pesquisa realizada pela equipe do O Imaginário que contou com pessoas residentes no Rio de Janeiro e em Rondônia. Com a Caravana Mitos e Lendas a Caminho do Sertão O Imaginário levou o nome de Rondônia ao nordeste onde passou dois meses (outubro e novembro) apresentando a peça Varadouro.
Vamos às histórias do grupo de teatro considerado pela coluna do Zekatraca como destaque de 2013, segmento do teatro.

ENTREVISTA


Zk – Que tal aproveitar para fazer um balanço das ações do O Imaginário em 2013?
Chicão Santos – Na verdade o ano de 2013 foi muito importante pra gente, porque começas fazendo uma Caravana que foi a primeira, saiu pelas Trilhas de Rondon e chegamos até a Chapada dos Guimarães, visitamos 17 cidades. Acontece que em 2007 a gente tinha assumido compromisso com as prefeituras de que se elas recuperassem os Postos Telegráficos retornaríamos para ver o que foi feito.
Zk – As prefeituras cumpriram o acordado?
Chicão Santos – Para nossa satisfação, todo Posto Telegráficos foram recuperados, uns funcionando com alguma atividade, outros fechados, mas, recuperado. Aí fizemos um trabalho durante todo o ano e agora fechando o ano com essa nova Caravana patrocinada pela Petrobras chamada “Mitos e Lendas a Caminho do Sertão”.
Zk – A caminho de qual sertão?
Chicão Santos – Fomos para São Luiz no Maranhão e João Pessoa na Paraíba. Já realizamos várias caravanas, mas, essa teve um diferencial que foi justamente, trabalhar formação de plateia. Passamos mais tempo nas cidadesfazendo esse papel juntamente com os nossos parceiros. Em São Luiz tivemos uma realidade super bacana, quando chegamos estava acontecendo a Feira do Livro um evento que domina a cidade inteira e ali encontramos todo mundo que trabalha com teatro e passamos todo o mês de outubro,indo a escolas, em locais onde acontece sistematização do ensino do teatro. No final da nossa caravana no Maranhão, tivemos o privilégio de terminar com a Mostra Guajajara de Teatro do Sesc. São Luiz é uma cidade que tem uma produção teatral muito grande.

Zk – Em João Pessoa?
Chicão Santos – Por trinta dias ocupamos o Galpão Usina do Teatro que é de um grupo parceiro nosso “Quem tem boca é pra gritar”. Foi a primeira vez que eles usaram o Galpão para apresentações, foram seis apresentações do espetáculo “Varadouro”, além disso, fizemos o trabalho de formação de plateia dentro das escolas e dentro das sedes de outros grupos. Um fato muito interessante foi que em todas as seis apresentações, lotamos o Galpão, além disso, encontramos outros parceiros como o Grupo “Maria Cutia” que estava por lá fazendo circulação e juntos nos apresentamos na praça da Paz, foi muito bacana porque eles já vieram em Porto Velho duas vezes.
Zk – Como surgiu a idéia para montar o Varadouro?
Chicão Santos – Na verdade quando começamos a fazer o projeto de pesquisa, uma investigação cênica sobre tudo aquilo que estava relacionado à construção da EFMM, estabelecemos uma trilogia que finalizou com o Varadouro. Primeiro foi “Filha da Mata” que fez o caminho do universo feminino, falando dessas mulheres que vieram pra cá, que também teve uma circulação nacional e chegou até a Mostra Latino-americana. Depois trabalhamos a “Ferrovia dos Invisíveis – Narrativa do Outro Lado” que foi um trabalho experimental com nossos alunos do Tapíri, onde falamos da saga que foi a Construção da Estrada de Ferro, com as diferentes nacionalidades que vieram pra cá, abordando justamente a questão dos homens, a questão masculina dentro da obra. Varadouro é o viés do aventureiro.
Zk -Como foi desenvolvida a pesquisa que originou o espetáculo Varadouro?
Chicão Santos – A gente tinha essa vontade de contar essa história e para nossa felicidade, ganhamos o Prêmio Itaú pra fazer a pesquisa investigativa desses acontecimentos eVaradouro traz justamente a história desses aventureiros, dos coronéis de barranco, dos seringalistas, desses homens que vieram para cá explorar. A gente coloca de forma bem fragmentada dentro do Varadouro rodas essas intenções dos aventureiros, tanto dos portugueses que vieram pra e até acabaram reforçando a lenda do Boto, inclusive no seringal da Rita Queiroz “Santa Catarina” a gente identificou o “Barão Abelha”.
Zk – Fala sobre a história desse Barão?:
Chicão Santos – Segundo nossa pesquisa, possivelmente ele era português que deve ter desvirtuado a sua rota e ali se instalou e virou seringalista e “Coronel de Barranco”. Imagina isso a cento e poucos anos atrás, um europeu no meio da floresta vestido de branco. Essa pesquisa do Varadouro começamos em Porto Velho, fomo pro Rio de Janeiro em Petrópolis fizemos toda uma investigação da assinatura do Tratado de Petrópolis, percorremos também o Rio Madeira até Manaus, fazendo todo o processo inverso da caminhada dos trabalhadores que vieram trabalhar na Madeira Mamoré. Para nossa surpresa identificamos alguns fatos importantes que diz respeito a tanta religiosidade e também com a presença estrangeira aqui. Dona Preta (benzedeira) deu sentido àquilo que a gente estava a creditando, da religiosidade das mulheres negras que vieram pra cá. Possivelmente Dona Preta é descendente dessas mulheres que ficavam perambulando por esse rio, depois que não eram aceitas nem junto aos negros barbadianos ou na própria Ferrovia. Isso leva a crê, é uma hipótese minha, que ali onde Dona Preta está situada (Conceição do Galera no baixo Madeira) pode ser um foco fragmentado da presença dessas mulheres. A gente até usa no espetáculo algumas frases que ela cedeu pra gente. Ela fala assim: “Quando eu nasci, eu morri”.

Zk – Outra fonte?
Chicão Santos – Foi justamente os cemitérios, onde descobrimos registros maravilhosos tanto da presença árabe como de outras nacionalidades. Encontramos lápides escrita em espanhol e até em hebraico. Chegamos a Nova Olinda e o secretário de cultura todo empolgado, mostrou uma loja de artesanato dizendo, “isso é a coisa mais preciosa que nós temos” e em cima de uma cadeira de plástico estava uma lápide escrita em árabe. Aí dissemos pra ele: não secretário a coisa mais importante que o senhor tem aqui é essa lápide. Eles tinham destruído todo o cemitério árabe. Esses locais foram fundamentais na pesquisa. O interessante na pesquisa foi que descobrimos o grande tesouro que existe ao longo desse rio, que é a farinha.

Zk – A farinha?
Chicão Santos – Inclusive quando chegamos num lugarejo depois de Caiçara encontramos um grupo de árabes e eles sentados com a gente, pegavam um galho e desenhavam um círculo que tinha todo um significado. Na cena do Varadouro a gente reproduz isso, fazendo o círculo com a farinha. Engraçado como isso criou um fato importante, nos debates tanto em São Luiz como em João Pessoa o pessoal pensava que era ouro e agente explicava que, a farinha para o amazônida é o grande tesouro. O Varadouro foi concebido a partir dessas condições estabelecidas e das pesquisas realizadas nos museus em Manaus e no Rio de Janeiro e tem também a questão da camelotogia.
Zk – O que é isso?

Chicão Santos – Descobrimos que nos batelões, quando vinham de Belém pra cá, vinha fazendo o comércio de troca e ali se estabelecia a camelotogia que nada-mais é do que querer ganhar o outro no “grito”. Isso se estabeleceu nos barrancos, era batelões com casco de ferro, o que dava sentido a vinda pra cá quando sabemos que o casco de ferro aguenta maior impacto provocado pelos troncos que até hoje descem o Rio Madeira.
Zk – Quantos trabalharam nessa pesquisa?
Chicão Santos – Fizemos um processo de investigação com várias frentes. Tinha um grupo no Rio de Janeiro e outro grupo aqui em Rondônia eram em torno de 12a 15 pessoas. Depois fizemos uma demonstração no Itaú Cultural com o resultado da pesquisa, inclusive foi editado recentemente um livro e um DVD com todo esse relato. Pra gente foi muito importante, porque foi a primeira vez que recebemos recurso pra fazer pesquisa e com toda a liberdade, não tinha aquela coisa dura, grossa de estar prestando conta. A prestação de conta era apresentar o resultado da pesquisa e acabou.
Zk – Quem entra em cena?
Chicão Santos – Na verdade a peça é um monólogo só que com a intervenção de uma dramaturgia sonora que é a pesquisa que o Bira Lourenço vem fazendo com a gente também que a questão do Barro da Corda. Em Filha da mata ele também fez um trabalho em cima de elementos que compõem essa temática e no Varadouro ele coloca em cena também. Então é o Léo Carnevalle do Rio de Janeiro como ator nós fizemos questão de trazê-lo do Rio de Janeiro em função do Percival Farquar. Inclusive fomos muito questionado: “Por que não colocam uma ator da Amazônia”, porque queríamos realmente reproduzir a história.

Zk – Em 2014 o que o Imaginário vai apresentar. O Encena na Rua esta confirmado?
Chicão Santos – 2014 pra tem uma coisa muito importante, já conseguimos o prêmio para manter o nosso Tapiri funcionando com trabalho de formação, montagem de outros espetáculos, a gente tem uma pesquisa em andamento que está com dois anos que é sobre as Mulheres do Aluá.

Zk – E o Amazônia Encena?
Chicão Santos – Passamos o Amazônia Encena pro Sesc em função da demanda que cresceu muito e das linhas de financiamento que a gente não encontra mais lugar pra financiar o Festival. No Festival deste ano sofremos muito e assumimos um compromisso com o Sesc que ajudou a gente e em 2014 assume a integralidade da realização do Festival Amazônia Encena na Rua. Também tivemos dificuldade com a prefeitura.
Zk – Que dificuldade?
Chicão Santos – A prefeitura de Porto Velho não quis conversa no que diz respeito a parceria e também tivemos problemas no inicio deste ano , quando a Funcultural botou a polícia em cima da gente, assim sendo a gente não vai estabelecer nenhuma relação de trabalho com essa administração, enquanto eles não se retratarem publicamente, No governo do estado temos dificuldade me conseguir recursos, não é só o teatro mas, todos os segmentos. Esperávamos que em 2013 nosso sistema de cultura já estivesse funcionando, o que possibilitaria que todos os segmentos participassem dos Editais. Nosso Fundo de Cultura não funcionou.

Zk – A respeito do Fundo de Cultura recentemente os deputados estaduais aprovaram o Projeto que diz que o governo do estado de Rondônia poderá destinar ATÉ cinco centésimos por cento do orçamento para o Fundo de Cultura. O que você acha da inclusão do termo Até?
Chicão Santos – Nosso Fundo estava dentro do que estabelece o Ministério da Cultura, agora, na calada da noite a pessoa alterar uma Lei que nem entrou em funcionamento, acho meio estranho. Eles preferem construir presídios a investir em cultura. Nós estamos chegando a um ponto, pelo não investimento na área social e na áreas cultural de ficarmos cercados. Daqui um tempo vamos pegar as pessoas de bem, colocar dentro dos presídios e soltar os que estão lá dentro. Esse negócio de colocarem na Lei a palavra ATÉ foi uma falta de consideração muito grande e falta de responsabilidade.

Zk – Par encerrar. Quem é que faz parte do Grupo O Imaginário?
Chicão Santos – Temos o pessoal que trabalha na Gestão que está em final de mandato, ano que vem tem eleição, tem a Jessica, Sidney, Janderson; Na equipe de produção tem Eu, Zaine Diniz, aí vem o pessoal das redes sociais, Bruna, Bethânia e os colaboradores e os alunos aí vem os colaboradores na parte de formação que é o Marmude, Cláudio Guedes, Bruno e o Alex. Na parte de formação vocal tem o Marquinho Grutzmacher; William Bezerra que é professor nosso. Quando realizamos grandes eventos vem todo mundo Braguinha que hoje está no Sesc mas começou aqui, a Cris, Andresa e ainda temos os técnicos, seu Ozias na iluminação o Davi na sonoplastia e o grande Ismael Barreto que é um monstro na cenografia.

Zk – Quem é o Chicão Santos?
Chicão Santos – é o Francisco dos Santos Lima que nasceu em São Mateus (ES) e morou durante 25 anos em Cacoal onde começou a fazer teatro em 1978 e está há 15 anos em Porto Velho. Tem uma coisa muito importante>
Zk – Pode falar?

Chicão Santos – É essa coisa do Santo! Eu não jogo a cachaça fora dou pro Santo. Porto Velho é uma grande escola para todos nós. Aqui todo mundo tem espaço!

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