sábado, 18 de novembro de 2017

Maria Luiza Silva – Lu Silva

Maria da Chave – Patrimônio Cultural de Porto Velho

A artista plástica, atriz, bonequeira, estilista, arquiteta e boemia Lu Silva solicita ao prefeito, vereadores, secretários municipais e a quem de direito, que oficializem a personagem por ela criada MARIA DA CHAVE como Patrimônio Cultural Imaterial do Município de Porto Velho. “Não quero que após minha morte, meus familiares cobrem Direito Autoral sobre minha obra”. Lu Silva está bastante debilitada em virtude de um câncer e por isso, está preocupada com o destino da “Maria da Chave”. “Ela foi criada para ser a guardiã da chave da cidade que o Rei Momo carrega durante o carnaval”. A Maria da Chave é baseada na história de uma prostituta dona de Bordel na cidade de Porto Velho, no tempo do auge do garimpo de ouro do Madeira, que foi a falência com o fracasso da atividade garimpeira. Sexta feira passada durante a realização da Fina Flor do Samba no Mercado Cultural a Lu nos contou a história da Maria da Chave.

CONVERSA


Zk – De uns tempos pra cá você tem se preocupado muito com a personagem Maria da Chave. Por que?
Lu Silva – Porque a Maria da Chave é um personagem que criei para o carnaval de Porto Velho. Ela é baseada na história que conheci, de uma dona de Bordel no auge do garimpo de ouro no rio Madeira, que foi a falência quando o garimpo fracassou. Vi que ela não tinha pra onde ir e então se disfarçava de dama da sociedade, para freqüentar o nosso meio e se divertir. Não tinha como objetivo, conquistar nossos homens, nossos maridos, ela queria apenas se divertir.

Zk - E como a Maria da Chave foi parar na Corte do Rei Momo?
Lu Silva – Começou quando o Ariel então presidente da Fundação Iaripuna me convidou para criar o figurino da Corte, então passei a acompanhar a Corte durante o carnaval e notei que a “Chave da Cidade” que o Rei carregava, após os eventos, ficava jogada num canto, então resolvi criar a personagem que atuaria como guardiã da Chave do Rei Momo. Acontece que o Ariel deixou a Fundação e o Tatá assumiu e voltou a me convidar pra criar o figurino novamente e então criei a Maria da Chave.

Zk – Qual a característica que você implantou no figurino da Corte do Rei Momo?
Lu Silva - Todas minhas Cortes contam um pedaço da história de Porto Velho. A primeira foi a história da floresta Amazônica que foi a coisa mais linda. A segunda contou a história da Estrada de Ferro Madeira Mamoré; a terceira foi sobre a história do Patrimônio Histórico de Porto Velho e a quarta foi sobre a história dos personagens carnavalescos da cidade. Apesar de ser a criadora do figurino da Corte tinha um negócio que me incomodava.

Zk – Que negócio era esse?
Lu Silva –Sempre achei que a Chave era o objeto mais importante da Corte e por isso, não deveria ficar jogada em qualquer lugar, foi então que resolvi criar a Maria da Chave para ela tomar conta da Chave do Rei Momo. Como carnaval é uma festa profana, desenvolvi a Maria da Chave baseada na história da dona do Bordel que foi a Valência. A Maria da Chave é linda maravilhosa, bem vestida, não tem bunda e nem peito de fora, ela é bem elegante. Ela não larga a chave nem pra ir ao banheiro, é puxa saco do Rei.

Zk – Fala mais um pouca sobre a Maria da Chave?
Lu Silva – Ela não é confiável, é trambiqueira, espera o Rei ir embora. É o seguinte: o Rei passava pela avenida e depois entrega a chave para a pessoa mais velha da Corte que é justamente a Maria da Chave, só que o Rei pensa que se trata de uma senhora descente. De posse da chave e já depois que a Corte foi embora, ela vira para o povo se sai fazendo gestos como se estivesse abrindo tudo quanto é porta. Os jornalistas ficaram curiosos com essa atitude e começam a escrever sobre aquela senhora que na realidade, não tem nada a ver com a Corte. Ela entende que, se a festa é profana, é de todo mundo. Então ela abre as portas dos bordéis, moradores de rua, pretos, gays, chama todo mundo pra festa.

Zk – Agora você está preocupada em preservar essa personagem?
Lu Silva – Minha preocupação, é deixar essa personagem pra Porto Velho pra que os carnavalescos, quando precisarem ou qualquer pessoa que for usar ou se caracterizar de Maria da Chave não seja obrigada a pagar após minha morte, Direitos Autorais pra minha família. Não quero que ninguém tenha problema para usar a Maria da Chave ela é livre para todos. Não sei como fazer para transformar a personagem em Patrimônio Cultural do Município de Porto Velho. Em suma, estou doando a personagem Maria da Chave ao município, só que gostaria que essa doação fosse celebrada com um Decreto, Lei ou qualquer documento que oficialize a Maria da Chave como personagem permanente da Corte do Rei Momo.

Zk – Por que essa preocupação?
Lu Silva – Acontece que estou a dois anos batalhando na tentativa de vencer um câncer que é considerado muito raro. Já me submeti a tudo quanto foi tratamento. Tenho uma deficiência muito grande que é não gostar de me alimentar, isso é desde sempre e agora piorou e estou começando a perder peso. O médico falou, que não posso perder peso, e num mês, perdi dez quilos. To indo de ladeira abaixo e uma pessoa que não sei quem é, que meu sobrinho aquele cachorro, levou na minha casa e mesmo sabendo que estou com Alzheimer e em conseqüência não me lembro de certas coisas e pessoas e ele (sobrinho) insistia que eu me lembrasse daquela pessoa e mesmo olhando na cara dela não lembrava e essa pessoa olhava pra mim e dizia: “Cadê aquela mulher, linda, elegante, charmosa e que está toda destruída, acabada” o cara acabou comigo, aí fiquei mais pra baixo. Não quero que me achem bonita e nem elegante, quero apenas que me deixem em paz! Isso me deixou mais preocupada e falei: Preciso liberar minhas obras pra Rondônia porque não quero minhas obras limitadas e é isso que estou querendo oficializar. Tenho muitos cenários, peças de teatro montadas, muito figurinos, vários palhaços esse acervo, é que quero deixar sem problema de Direito Autoral para quem for utilizá-los. Quando fui fazer teatro de rua estudei muito sobre Van Gogh. 


Zk – Fala um pouco sobre a Lu Silva estilista?
Lu Silva – Quando cheguei a São Paulo não sabia nada e ainda por cima, era analfabeta com 19 anos. Acontece que me criei no interior no meio da floresta amazônica (Uruapiara). Em São Paulo fui trabalhar como faxineira numa loja, limpava privada e os vidros da loja. Sem ter horário pra trabalhar a dona da loja se interessou e me mandou estudar fiz o Mobral. Depois Fui fazer moda e transformei em estilista. Cheguei com a dona da loja e falei, você não vende mais porque suas roupas são iguais as das outras lojas.Me comprometi a criar roupas exclusivas e terminei por ser considerada como estilista de alta costura...Trabalhei com Ronaldo Ésper, Ana Frida, Nei Galvão, Selma Resende a mais famosa da rua São Caetano. Cheguei a ser lançada na Revista “Noiva Moda” só que não podia assinar porque ainda não tinha DRT e a produção saia com o nome da loja MARY STUART.

Zk – E como foi que você se transformou em bonequeira?
Lu Silva – Um dia o Giba San chegou ao meu ateliê dizendo que havia lido a entrevista que dei para a Eunice Bueno e falou assim: “Li na sua entrevista que você não gosta de ninguém na sua casa; disse também que se a gente não pagar o valor que você cobra, não se interessa pelo trabalho...” Então ele balançou um cheque em branco assinado pelo prefeito e disse que tinha ordem para preencher com o valor que eu cobrasse pelo serviço que ele levou pra eu fazer. “Trouxe aqui essas pessoinhas pra você vestir”, era um bocado de boneco. Ele pegou um e o boneco conversou comigo, fiquei encantada com aquilo e quando ele voltou pra pegar os figurinos e perguntou o valor, para preencher o cheque eu disse: O pagamento vai ser você me ensinar a manipular BONECO e ele perguntou “Tem uma calça jeans? – Tenho – “Então veste e vamos pra praça Marechal Rondon que nós vamos arrasar. Nunca mais sai da rua. Ele me mandou estudar sobre a vida de Van Gogh. O Vrena também fazia parte do grupo e me ensinou muito. Cláudio Vrena meu amigo.

Zk – Sobre Van Gogh?
Lu Silva – Era um artista maluco que durante sua vida vendeu apenas uma tela. O Giba disse, “Eu e o Vrena vamos perguntar ao público sobre a história de Van Gogh e é claro que ninguém vai saber responder” eles me mandarameu ficar de mendiga acompanhando o espetáculo e eu fiquei arrastando lata, contando os dedos, essas coisas de doido... Eles perguntaram sobre o artista e ninguém respondeu e eu toda cabisbaixa disse Van Gogh? Pintou 200 telas em um mês. Daí eles passaram a fazer perguntas e eu respondendo e o povo admirado. Modéstia à parte, a vida de Van Gogh eu estraçalho legal.

Zk – Para encerrar?
Lu Silva – Volto a lembrar, que quero deixar a Maria da Chave de herança para a cidade de Porto Velho. Prefeito, vereadores, ou seja, lá quem for, me ajudem a transformar a Maria da Chave em Patrimônio Cultural Imaterial de Porto Velho!

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