sábado, 5 de abril de 2014

NÉZIO LINS GUIMARÃES

O maior goleador de Rondônia



Domingo passado 30 de março, fomos até a Vila Ferroviária na avenida Farquar “curiosar” a movimentação das pessoas apreciando o banzeiro das águas da enchente do Rio Madeira. Sentado em frente a sua residência, estava o Nézio Lins Guimarães o maior goleador do futebol de Rondônia de todos os tempos. “Fiz mais de 500 gols”. E como estávamos com o equipamento resolvemos entrevista-lo. Nézio tinha um chute tão potente, que alguns goleiros pediam pra não jogar quando ele estava escalado. “O Simeão Tavernard que eu considero o melhor goleiro de Rondônia até hoje, tinha um medo danado do meu chute”. Acontece que Nézio não foi apenas jogador de futebol, foi funcionário graduado (catega) da Madeira Mamoré. “Eu era o responsável pelo pagamento dos trabalhadores ao longo da linha férrea”. Tem mais, na brincadeira de empinar papagaio era tão respeitado, quanto disputando uma partida de futebol. “Não te mete a trançar com o Nézio que o cerol dele é feito com pó de ferro e calcigenol” recomendavam os demais empinadores de papagaio da cidade. Porém, na entrevista abaixo, ele fala sobre sua carreira como jogador de futebol e como funcionário exemplar da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Vamos lá!

ENTREVISTA


Zk – Vamos começar falando sobre sua origem?
Nézio Guimarães – Nasci em Porto Velho no tempo dos ingleses, no dia 7 de maio de 1925. Minha infância foi das melhores, sempre fui uma pessoa cumpridora dos deveres, nuca me meti em confusão, nunca bebi nem fumei. Muitas vezes era criticado pelos colegas por optar por preservar minha saúde não saindo a noite. Talvez seja esse o segredo de aos 88 anos de idade, conservar a boa forma e o que é melhor, com saúde.
Zk – Quem eram seus pais?
Nézio Guimarães – Alexandre Albert Guimarães um pernambucano que veio trabalhar na administração da Cia. Madeira Mamoré e sempre atuou como Secretário, cargo considerado de confiança inclusive, quando o Diretor da Estrada viajava ele assumia a direção da Empresa e minha mãe Lígia Lins Guimarães. Irmãos Nélio, Armando, Nelze, Ligia e Alexandre Filho desses, apenas eu e as irmãs estão vivos.
Zk – Você começou a jogar futebol com quantos anos?
Nézio Guimarães – Comecei a jogar bola quando tinha 15 anos de idade no Ypiranga Esporte Clube. Depois joguei no Nacional, Ferroviário e principalmente na Seleção do Guaporé. Naquele tempo o governo tinha um contrato com a Bolívia e todo final de ano a seleção do Guaporé ia jogar em Riberalta onde fiz meu cartaz.
Zk – Quais jogadores daquela época você considera como craque?
Nézio Guimarães – Vários, entre eles o Nélio meu irmão que era um ponta esquerda muito bom; tinha o Normando, Mário Teixeira, Pacamão, Simeão Tavernard o grande goleiro e muitos outros.
Zk - É verdade que existia uma rivalidade muito grande entre o Acre e o Guaporé que quando as seleções se encontravam os torcedores chegavam as vias de fato?
Nézio Guimarães – É verdade! Os torcedores não perdiam a oportunidade para xingar uns aos outros. Quando a gente ia jogar em Rio Branco era hostilizado ao extremo, inclusive passavam a noite fazendo zuada em frente ao hotel pra gente não dormir. Quando eles vinham jogar em Porto Velho os nossos torcedores também não davam trégua. Não posso dizer que era uma rivalidade sadia, muito pelo contrário, era muito violenta, mesmo assim, em campo, os jogadores das duas seleções davam show de bola.
Zk – E as preocupações do seu Albertino presidente do Ypiranga?
Nézio Guimarães – Toda vez que a gente ia ter um jogo importante, não sei por que, o seu Albertino ia lá em casa perguntar se eu iria jogar, se eu queria dinheiro e eu respondia: Não é preciso me pagar não seu Albertino vou jogar sim. O Simeão é que dizia: “Toma o dinheiro desse velho Nézio”.
Zk – Como é a história do jogo contra o Vasco da Gama em Porto Velho?
Nézio Guimarães – O Augusto grande zagueiro do Vasco da Gama pediu para ser substituído aos dez minutos do primeiro tempo, dizendo: “Eu não posso marcar esse garoto, ele é muito ligeiro”. Acontece que naquele tempo eu vivia para o futebol, meu negócio era fazer exercício para não sofrer contusão, me precavia mesmo.
Zk – É verdade que a diretoria do Vasco tentou sua contratação?
Nézio Guimarães – O Vasco ganhou do nosso time de 4 X 3 e eu fiz dois gols. A noite o presidente do Vasco com o Augusto aquele que pediu pra sair dizendo que eu era muito ligeiro e mais alguns dirigentes e jogadores chegaram lá em casa com a intensão de me contratar para jogar no Vasco.
Zk – Por que você recusou o convite?
Nézio Guimarães – Pra ser sincero, inventei uma história pra não ir com eles, agradeci o convite mas, não aceitei, eu queria mesmo era ficar aqui. Eles então disseram que se eu mudasse de ideia era só avisar que eles mandariam a passagem.
Zk – Você é Vascaíno?
Nézio Guimarães – Não! Sou tricolor (Fluminense) de nascimento, porém, hoje pra mim, o Vasco é o melhor time do campeonato carioca.
Zk – Você tinha um chute temido pelos goleiros da época. Qual a técnica para se ter um chute potente?
Nézio Guimarães – Quem me ensinou a técnica do chute forte, foi o grande jogador do Clube do Remo de Belém do Pará conhecido como Zizão, ele tinha uns dois metros de altura. Ele chegou comigo e disse: ”Rapaz você só tem um defeito, tá adiantando muito a bola”. Ele me tirou esse costume. E ensinou: chega com a tua mãe pede pra ela costurar um saco com areia branca até a metade, depois pendura num galho de goiabeira, senta numa cadeira e fica chutando. Rapaz, aquilo me fez ficar com as coxas muito grossas e com o chute muito forte. O Simeão tinha um medo danado do meu chute.
Zk – Você foi campeão por quais times?
Nézio Guimarães – Fui campeão pelo Ypiranga, Ferroviário e Flamengo. Fui artilheiros praticamente de todos os campeonatos que participei, fiz mais de 500 gols. Recebi do jornal O Guaporé no dia 3 de março de 1956 o Diploma “Melhor Craque da Cidade”
Zk – Quantos anos você tinha quando foi contratado para trabalhar da Madeira Mamoré?
Nézio Guimarães – Assim que dei baixa da 3ª Cia de Fronteira, papai conseguiu emprego pra mim, aí fiz um curso e fui trabalhar na Madeira Mamoré depois de alguns meses, o chefe chegou comigo e disse: Você vai ser promovido e então, assumi o cargo de Oficial de Administração referencia 16, foi a maior alegria que tive porque poderia ajudar o papai no sustento da família. Trabalhei durante 37 anos da Estrada de Ferro Madeira Mamoré fui aposentado como Agente Administrativo referencia 32.
Zk – Fala pra gente sobre a seleção do Guaporé que fez sucesso inclusive disputando o campeonato brasileiros de seleções?
Nézio Guimarães – O técnico era o seu Dudu e o nosso time era dos melhores, respeitado mesmo. Empatamos com a seleção amazonense em Manaus e na prorrogação, por um vacilo do Alfredo Maia que entregou de bandeja a bola para o Paulo Lira que chutou no canto da trave e nosso goleiro não conseguiu pegar, perdemos o título.
Zk – Além do Ypiranga, Ferroviário e Flamengo você jogou em outro time. Qual?
Nézio Guimarães – O Nacional pra mim foi o melhor time de Porto Velho naquela época, era Raimundinho, Vinicius, Deraldo, Nézio e Nélio, ou linha desgraçada. O Nacional era o time da 3ª Cia de Fronteira onde a disciplina era muito rígida.
Zk – Como funcionário da Madeira Mamoré você fazia o que?
Nézio Guimarães – Eu era o responsável pela folha de pagamento da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Divisão. A primeira divisão era a nossa, ou seja quem trabalhava na administração, a segunda era o tráfego cujo responsável era o seu Ferreira, a terceira tinha como responsável o seu Castanheira e a quarta era a do Dr. Ananias que era gago.
Zk – Você chegou a viajar muito no trem da Madeira Mamoré?
Nézio Guimarães – No trem não! Viajava muito de Litorina fazendo pagamento dos ferroviários ao longo da ferrovia, de Porto Velho a Guajará Mirim, era eu um guarda armado e o Afonso Johnson que era o motorista. Parava em todo acampamento, o pernoite era na Vila de Abunã, de manhã cedinho, a viagem prosseguia até chegar no ponto final que era Guajará.
Zk – Vocês não temiam ser assaltado ao levar tanto dinheiro na litorina?
Nézio Guimarães – Se fosse hoje, só iria se fosse acompanhado de pelo menos cinco policiais armados com metralhadora, naquele tempo não tinha perigo nenhum.
Zk – E os índios não atacavam?
Nézio Guimarães – Um cara falou pra mim: Nézio quando um índio se aproximar com arco e flecha, dando a impressão que vai atacar, pede pro guarda pegar o revolver e fingir que está limpando que tudo vai ficar bem. Isso aconteceu de verdade, um índio baixinho mal encarado, chegou ameaçando e o guarda usou a tática ensinada por aquele cara que não lembro o nome e deu certo, o índio baixou a flecha e ficou nosso camarada.
Zk – Vamos aos dias atuais. Você já tinha visto uma cheia como esta que está acontecendo agora no Rio Madeira?
Nézio Guimarães – Nunca! Essa foi a primeira enchente que chegou na oficina da Madeira Mamoré, outro dia discuti com um senhor que queria que eu acreditasse que em outros tempos o rio já tinha chegado nessa marca de hoje. Eu disse pra ele, olha rapaz, eu nasci e me criei aqui e nunca vi nada disso, posso lhe fazer uma pergunta? Pode! O senhor sabe onde ficava a Fábrica de Gelo da Madeira Mamoré?
Zk – E ele?
Nézio Guimarães – Olhou pra mim e respondeu: A Estrada nunca teve fábrica de gelo! Respondi, teve fábrica de gelo e ficava ali na beira do Rio entre a garagem das litorinas e esse armazém que a Marinha tomou conta. Bem ao lado tinha um pé de Fruta Pão.
Zk – Quais eram os meios de transportes utilizados pela Madeira Mamoré além do trem?
Nézio Guimarães – Tinha litorina que funcionava com motor idêntico ao de carro comum, tinha a Calamazu que era um carro menor, também como motor de automóvel e tinha uma composição que a gente chamava de “automóvel” que era maior que a litorina e corria mais, tinha até caixa de marcha, além de ser confortável. Além desses que eram motorizados, tinha a cegonha, o carrinho e o trole que eram acionados manualmente.
Zk – Quem foi a sua esposa?:
Nézio Guimarães – Amazonita Cândida Souza Guimarães. Tivemos três filhos Humberto, Homero e Heleno que é o caçula.
Zk – O jogo que você não esquece?
Nézio Guimarães – Numa das excussões a Bolívia pelo time do Nacional, na volta o seu Arantes me procurou para saber se a gente aceitava fazer um jogo com o time dele que era o Fronteira de Guajará Mirim, falamos com o tenente Armando que era o chefe da delegação e ele autorizou.  Resultado, ganhamos de Doze a Zero eu fiz Oito Gols.

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