domingo, 26 de junho de 2011

CARLINHO NOÉ o Caifás

Caifás na peça O Homem de Nazaré

Talvez a figura mais solicitada por quem frequenta a cidade cenográfica Jerusalém da Amazônia durante os ensaios e encenação da peça “O Homem de Nazaré” pelo Clube Teatral Êxodo, seja o Carlinho Noé cujo nome de batismo é Carlos Alberto Lima de Souza. “Adotei o Noé em homenagem ao meu pai”. Durante a entrevista comprovamos a popularidade do ator que representa o Sumo Sacerdote Caifás durante a peça. “Atuei como Judas durante 20 anos, como comecei a engordar o diretor da época achou que a corda utilizada no enforcamento poderia quebrar com meu peso”. Carlinho Noé em virtude de sua vasta barba banca, no Natal assume a figura do Papai Noel. Carlinho vive o grupo Êxodo 24h00, pois reside na cidade cenográfica aonde é o administrador da cidade e da escola que funciona na área. “O único defeito do Carinho Noé é ser Flamenguista”, brinca o vascaíno e fundador do Êxodo José Monteiro. Como Caifás, Carlinho comanda 12 atores que fazem parte do Cinéreo. “São os doze que representam as doze tribos de Israel”. Feliz por ver a peça reestreiar após não ser apresentada ano passado. Noé aproveita determinado momento da entrevista para desabafar o que sente sobre alguns políticos do nosso estado e capital. É melhor acompanharmos a entrevista que foi gravada sábado passado, minutos antes da encenação da peça: O Homem de Nazaré pelo Grupo Teatral Êxodo.

ENTREVISTA

Zk – Vamos bater um papo, com quem mesmo?
Carlinho Noé – Meu nome de batismo é Carlos Alberto Lima de Souza, conhecido artisticamente como Carlinho Noé.
Zk – Por que Carinho Noé?
Carlinho Noé – Isso vem do meu pai. Ele tinha uma padaria, na realidade meu pai chegou a Porto Velho em 1947, vindo do Ceará e o nome dele era Noé uma pessoa que ficou bastante conhecida na cidade, pela qualidade do pão que vendia. Com o falecimento dele adotei o Noé até por uma questão de respeito a um cidadão que ajudou Porto Velho a chegar ao que é hoje.

Zk – Qual era a padaria?
Carlinho Noé – Ele começou com meu tio na Padaria da Favela que ficava na Rua Riachuelo (hoje Paulo Leal). Ele veio pra cá como Soldado da Borracha, mas, quando chegou aqui viu que a situação do seringueiro era muito difícil e então com medo das doenças como malária, resolveu ficar trabalhando com meu tio na Padaria da Favela onde aprendeu e se apaixonou pela profissão de padeiro. O pão do Noé era esperado pela população, principalmente o pão da tarde. Com o sucesso alcançado, alugou uma padaria ali perto do cemitério dos Inocentes conhecida como Padaria do Garcia na rua Prudente de Moraes e lá, ele conseguiu ganhar dinheiro e montar sua padaria própria no bairro da Olaria justamente aonde funcionava o Clube Tem.

Zk – E você é cearense?
Carlinho Noé – Não, sou o primeiro filho dele da linha dos homens e nasci em Porto Velho em 1953 no Hospital São José. Por sinal devo registrar que a família Castiel nos ajudou muito.

Zk – E a infância como foi?
Carlinho Noé – Não foi uma infância muito feliz, porque a gente passava muita dificuldade. Padeiro naquela época ganhava pouco, além de que as pessoas faziam deboche da nossa vida porque éramos padeiro. Com oito anos de idade eu carregava dois sacos de pão nas costas seguindo meu pai. Era assim, papai colocava um balaio na cabeça e tinha uma corneta que ele soprava pra dizer que o padeiro estava chegando e eu e meu irmão Francisco Biriu fazíamos uma gangorra com sacos de pão que era para abastecer o balaio sem precisar voltar à padaria. A tarde ia para a aula, primeiro no Grupo Escolar Murilo Braga, depois fui pro Barão do Solimões e terminei meus estudos no colégio Dom Bosco. Pra você fazer idéia das nossas dificuldades, nosso sapato era de seringa e as roupas, parece brincadeira, hoje falo isso com o maior orgulho, nossas roupas eram feitas de saco de farinha de trigo, quando não, de saco de açúcar tingidos com anilina.

Zk – Como foi que você passou a fazer parte do Êxodo?
Carlinho Noé – Com 22 anos de idade, quando sai do quartel, conheci o Laio amigo que perdemos recentemente. Aos domingos após a missa na catedral, a juventude ia participar do programa de auditório da Rádio Caiari que ficava bem atrás da catedral e tinha dança, música, teatro, era um momento de interagir. Vendo aquilo comecei a me interessar e fui participar do grupo de jovens da paróquia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro no bairro Arigolândia. Durante as reuniões de grupos de jovens que aconteciam no colégio Dom Bosco (hoje Universidade Católica) na Gonçalves Dias conheci o Monteiro que juntamente com outros já participavam do Mojuca e também ele tinha o Bar do Porto em sociedade com o Zoghbi e o Nazareno e a gente passou a se encontrar ali. Quando saí da igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro fui me engajar no Mojuca que era da igreja Nossa Senhora das Graças, que tinha como pároco o padre Ludovico, até então, ninguém trabalhava com teatro, era só o trabalho social com a comunidade.

Zk – E o grupo de teatro?
Carlinho Noé – Certa vez durante o Natal o padre Ludovico sugeriu que a gente encenasse o Nascimento de Jesus que era para entreter os fies até o início da missa do “Galo”. A primeira encenação foi sucesso a segunda super lotou a igreja, no terceiro ano tivemos que encenar a peça do lado de fora da igreja. Foi então que resolvemos fazer ou encenar a peça “O Filho do Homem” na Semana Santa. Só que fazíamos sem pesquisar nada, era tudo no improviso. Acontece que os grupos de jovens eram discriminados dentro das igrejas. Não tínhamos liberdade para realizar um trabalho mais elaborado, sempre colocavam dificuldades, pois, quem comandava as atividades eram as beatas. Foi através da peça que conseguimos nos destacar dentro da igreja.

Zk – Qual o seu papel na peça?
Carlinho Noé – Fiz vários, mas, o principal era o Judas. Fiz Judas por mais de 20 anos. Depois fiz Pilatos e agora sou o Caifaz.

Zk – E a Jerusalém da Amazônia?
Carlinho Noé – Na realidade o Clube Teatral Êxodo surgiu a partir da dissolução do Mojuca. Foi assim, o Mojuca foi convidado pelo prefeito de Guajará Mirim para encenar a peça lá. Acontece que a peça cresceu tanto que passamos a encenar em outros ambientes como Colégio Maria Auxiliadora, quadra o Ferroviário, Catedral e então as responsabilidades começaram a aumentar e a igreja tinha limites, não tinha verba e também não aceitava patrocínio de político, foi quando chegou aquele convite do prefeito de Guajará Mirim. Acontece que a encenação em Guajará estava programada para ser em uma semana e voltaríamos ainda na mesma semana, mas, como era período de chuva e a estrada alagava, uma equipe foi de avião e a outra pela estrada. A equipe que foi de avião era formada pelos técnicos da montagem dos cenários etc., esperaram mais de uma semana e nada dos atores que foram pela estrada chegarem, quando chegou tinha gente com malária passando mal. Em resumo, levaram quase três semanas para chegar a Guajará Mirim e tinha inclusive crianças. Para completar alguns jovens atravessaram para a Bolívia e por lá causaram problemas, isso tudo chegou ao conhecimento da igreja e do padre Ludovico em Porto Velho.

Zk – Resultado?
Carlinho Noé – Quando voltamos ele nos reuniu e disse: “Olha, a peça pára aqui, se vocês quiserem continuar o trabalho tem que ser fora da igreja”. Como a gente já estava numa grande caminhada montamos outro grupo. Aliás, a peça teve dois momentos diferentes.

Zk – Quais foram esses momentos?
Carlinho Noé – Conseguimos nos dividir em dois grupos. Um grupo com Omedino Pantoja, Nazareno, Almira e outros que encenaram a peça na Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Enquanto eu o Welligton, João Zoghbi, Monteiro, Rita Queiroz, Geraldo Cruz e outros, criamos o Grupo Êxodo. Êxodo porque seria uma nova caminhada, uma nova terra prometida. A primeira investida do nosso grupo foi encenar a peça no Estádio Aluizio Ferreira. Os colegas daquele outro grupo ao verem o sucesso do Êxodo vieram somar conosco e a amizade do tempo do Mojuca voltou e então, todos são considerados fundadores do Clube Teatral Êxodo. É uma caminhada muito bonita nesse sentido.

Zk – A pergunta foi sobre a cidade cenográfica Jerusalém da Amazônia?
Carlinho Noé – Com o crescimento da peça, passamos a trabalhar a possibilidade de se construir uma cidade cenográfica. Nosso trabalho utilizava como cenário as escadarias do palácio do governo, as escadarias da Unir centro, a sacada do clube Ypiranga (hoje uma academia) enfim, era muito difícil. Foi então que levamos a idéia ao então deputado estadual Amizael Silva que elaborou um projeto e através desse projeto aprovado pela Assembléia Legislativa, conseguimos no INCRA essa área que a época era totalmente isolada. era mata virgem
Zk – Hoje qual sua personagem na peça?
Carlinho Noé – Com a idade, com a barba e o comprometimento do cabelo os personagens vão mudando, deixei de ser Judas porque comecei a engordar e havia o perigo da corda do enforcamento quebrar, aí fui ser o Mercador, fui Centurião e Pilatos. Foi então que após a morte do Ubiraci um artista maravilhoso, assumi como Caifás.

Zk – Quem é Caifás?
Carlinho Noé – É o Sumo Sacerdote que tem o domínio das igrejas, é como se fosse o Papa nos dias de hoje. Ele era muitas vezes considerado profeta. Ele carregava no peito, doze pedras que representavam o domínio das doze tribos de Israel. Ele era o Presidente do Conselho dos Doutores da Lei por isso, a prisão de Jesus passou pela sua decisão que autorizou Zerar a negociar com Judas o preço da traição.

Zk - E agora em 2011 depois de não ser apresentada ano passado, como você está vendo a reação do público?
Carlinho Noé – Olha só, pela caminhada e pela responsabilidade, que mexe com toda uma cidade a peça não pode mais parar. Em 2010 não fizemos a peça por uma questão política, pois era ano político e não podíamos receber subsídio do governo e sem esse patrocínio fica difícil. Deixa eu fazer um desabafo.

Zk – Qual?
Carlinho Noé – Para a gente que faz teatro no estado de Rondônia é humilhante ser tratado pelos políticos como se fôssemos débil mental. Gostaria que alguns desses políticos que não facilitam o trabalho do artista, que viesse aqui no decorrer dos ensaios, no decorrer da confecção e montagem dos cenários e figurinos para ver como é difícil trabalhar com poucos recursos financeiros. Pra ele ver a dificuldade, o que é trazer uma madeira do mato, alimentar mais de 500 pessoas com café, almoço e janta mais o transporte para os ensaios. Quando a gente apresenta um projeto de R$ 100; 120 e até R$ 200 Mil, esses políticos pensam que a gente está jogando dinheiro pelo ralo. Não é assim não, precisamos ser mais considerados e respeitados. O Grupo Êxodo através dessa peça já levou o nome de Rondônia para diversos países através da parceria com o Amazon Sat. Hoje o grupo Êxodo não é apenas a peça, temos aqui uma escola, o projeto arte de todos funciona aqui, temos um trabalho social que envolve várias comunidades.

Zk – E este ano quem colaborou com o grupo na montagem da peça?
Carlinho Noé – Hoje o governo de Rondônia conta com um secretário de cultura que realmente tem uma visão voltada para os movimentos culturais e com isso o apoiamento aos eventos culturais vem fluindo com mais respeito. O secretário Chicão e toda a equipe da Secel realmente se transformou num parceiro de primeira hora e conseguiu junto ao governador Confúcio Moura muita coisa, por exemplo, asfaltaram a estrada que dar acesso a Jerusalém da Amazônia, limparam toda a área e ainda colocaram a sonorização e a iluminação artística. Gostaria que todos os secretários tivessem a cabeça e a consciência cultural que tem o secretário Chicão.
Zk - Para encerrar vamos aos números dos patrocínios?
Carlinho Noé – A prefeitura entrou com R$ 50 Mil enquanto o governo do estado além de tudo aquilo que falei acima, ainda firmou convenio no valor de R$ 257 Mil.

Zk – Quantos quilos de alimentos foram arrecadados durante os três dias da peça?
Carlinho Noé – Segundo o Bari que foi o responsável pelo controle da arrecadação, mais de 5 mil quilos de alimento foram arrecadados.

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