Em pouco menos de um mês do seu lançamento, o
EP “Nos Passos de Noel”, do grupo carioca Salvadores Dali, já
vem bifurcando opiniões: de um lado, os admiradores da estética livre e da obra
aberta – ou seja, a arte em constante mudança – e, de outro, os adeptos mais
puritanos, que rejeitam releituras que “maculem” a obra do autor. Mesmo que
passeatas contra a guitarra elétrica estejam fora de moda nos dias de hoje, de
fato correntes mais tradicionalistas sempre existirão, e os Salvadores Dali
aceitaram o desafio, festejando os 110 anos do nascimento do seu guru com seu
segundo álbum, e quatro videoclipes. O EP “Nos Passos de Noel” e dois
videoclipes já estão disponíveis nas plataformas digitais, com a previsão de
lançamento dos demais vídeos neste primeiro semestre.
O EP
redesenha as linhas melódicas originais a partir de grooves de
baixo e bateria, do som marcante dos metais e dos acordes agora distorcidos
pela guitarra. Formado por Guilherme Logullo (vocais), Jorge Moraes
(contrabaixo), Robson Batista (sax), Jorge Casagrande (bateria) e Márcio
Meirelles (guitarra), o grupo traz Noel, portanto, para um universo pulsante,
atualizando musicalmente a narrativa alegre que o compositor faz de sua época,
apostando na perenidade da música popular brasileira, resgatando para as novas
gerações o autor e sua importância na história musical do país.
Sobre a polêmica, o baixista e co-produtor Jorge
Moraes discorre de forma enfática: “nós sabemos que cada obra é produzida segundo as limitações materiais de
uma época e é percebida de acordo com um modo de apreciação daquela época. Por
exemplo, as primeiras gravações em fonógrafos no século XIX eram limitadas a
áreas de ópera, porque era necessária uma potência vocal
tremenda
para realizar cada registro gravado.. não havia microfones e se não fossem
inventados talvez nunca tivéssemos um João Gilberto cantando. Não podemos
ignorar essa base material histórica a partir da qual as artes são produzidas.
Isso quer dizer que se Noel vivesse hoje, ele usaria os recursos do século XXI para
fazer sua música. E isso não diminui em nada a música que ele produziu há 90
anos atrás”. E prossegue: “ao
contrário, estamos traduzindo Noel para um jovem que nasceu no século XXI,
porque o modo de percepção hoje inclui uma gravação absolutamente limpa, com
uma orquestração que inclui todos os instrumentos que podem estar
disponíveis(....)a produção das artes está sempre em movimento, exportando e
importando influências o tempo todo. Pixinguinha, por exemplo, um dos maiores
arranjadores de sua época foi influenciado pelo jazz de Louis Armstrong e
trocou a flauta pelo sax depois de uma turnê na França, país de origem do
saxofone, que, diga-se de passagem, não era considerado um instrumento sério na
época e demorou a ser integrado às orquestras sinfônicas. O sax de Pixinguinha
era a nossa guitarra de hoje”.
Elaborado durante a pandemia, o novo EP foi
produzido totalmente em isolamento social, através de aplicativos de
comunicação, armazenamentos virtuais e todos os recursos digitais disponíveis,
inclusive a partir de várias reuniões e gravações feitas pelo celular. Abrindo
o EP, “3 Apitos”, recebe interpretação teatral do vocalista
Guilherme Logullo, além do frescor do sax de Robson Baptista, intensificando o
conhecido humor do compositor e resultando em um rock que lembra as sonoridades
da década de 80.
Seu primeiro sucesso, composto em 1929, “Com
que Roupa” recebe vibrantes tinturas de jazz e blues rock, com direito
a solos de sax e do baterista Jorge Casagrande. Composição de
1934, “Tipo Zero” reaparece com groove sofisticado
e frases rítmicas inteligentes, subvertendo o samba de Noel e resultando num
rock leve, animado e vigoroso. O balanço do funk e do soul brasileiro viram do
avesso a outra pérola de Noel, “Palpite Infeliz”, uma de suas
composições mais regravadas na MPB, e que aqui ressurge com frescor e
singularidade.
Salvadores Dali
O grupo carioca é fruto de uma amizade que nasceu
há mais de 30 anos, quando o baixista Jorge Moraes e o compositor Nelson
Ricardo montaram uma banda de rock para tocar na escola em meados dos anos 80.
Não imaginavam que retomariam o plano original do grupo em 2015. Inicialmente,
deveria ser apenas um registro de uma época, porém se tornou um promissor
projeto musical devido à qualidade das gravações iniciais. Retomaram canções
perdidas da adolescência, com uma atualização nos arranjos elaborados pelo
grupo que ganhou o reforço nos vocais de um dos atores-cantores mais
requisitados do Teatro Musical, Guilherme Logullo, protagonista de espetáculos
como “Nelson Gonçalves – O Amor e O Tempo” e “Bibi – Uma Vida em Musical”; do
baterista Jorge Casagrande, diretor de uma das escolas de bateria mais
conhecidas do Rio de Janeiro; do produtor e arranjador Marcio MM Meirelles nas
guitarras; e do saxofonista Robson Batista.
Com a formação consolidada, os Salvadores Dali resolveram lançar um álbum em 2019. Dentre as oito canções do disco de estreia, “3 Apitos” já indicava o início do namoro com a obra de Noel que agora ganha vida com o EP “Nos Passos de Noel”.
Fábio Cezanne - Cezanne Comunicação - Assessoria de Imprensa em Cultura e Arte)
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