De
carteiro a inspetor dos Correios
Antes de você começar a
entrevista, quero dar um testemunho sobre enchentes do Rio Madeira: “Em
1962 a água chegou perto do Correio, só que foi pela Vala da Baixa da União que
encheu e transbordou, a gente até pescava ali. Agora, como essa desse ano de
2014, nunca vi não e olha que estou com 78 anos de idade, nasci e me criei aqui
em Porto Velho”. Assim começou nossa conversa com o Eleutério - Totó
nosso conhecido e vizinho da rua Bolívia de longa data. Aliás, na rua e nos
bairros Nossa Senhora das Graças e Santa Barbara assim como nos Correios e do
bar do Antônio Chulé ao bar do Calixto passando pelo mercadinho do KM-1, não
tem quem não conheça o Totó. Conversar com ele é ficar sabendo de muita coisa
sobre nossa cidade. “Bati tambor no batuque de Santa Bárbara e vi o Pai Irineu fazer uns
Marinheiros que estavam debochando da religião, caírem “baiando” no meio do
salão”. Essa e outras histórias, você vai ficar sabendo ao ler a
entrevista que segue.
ENTREVISTA
Eleutério – Nasci no dia 20
de fevereiro de1936, justamente numa casa que ficava na rua Afonso Pena com a
Marechal Deodoro nas proximidades da casa de diversão da Madame Elvira também
conhecida como Tartaruga, hoje é o estacionamento da Bemol. Posso dizer que minha
infância foi boa, conheci muita gente, jogava no time do Madureira entre de
outras coisas que considero importante. Meu pai Manoel Monteiro Feitosa e minha
mãe dona Sebastiana dos Santos Feitosa. Minha mãe foi uma parteira que pegou
mais de 1000 menino aqui em Porto Velho.
Zk – Time do Madureira?
Eleutério – O campo de
treinamento era onde hoje existe, a igreja de Nossa Senhora das Graças e o
Colégio Mojuca.Todo final de tarde a rapaziada se reunia pra bater bola no
Campo do Madureira independente de jogar no time ou não, nosso time não era
ruim não! Depois treinei teatro com o Zé Curica.
Zk – O Zé Curica que o
Bainha fala na letra da Música “Sou da Sete de Setembro”?
Eleutério – É esse mesmo. O
Zé Curica apresentava as peças de teatro no clube Paissandu que ficava na
Joaquim Nabuco entre a Afonso Pena e a Sete. Na esquina da Sete com a Joaquim,
tinha a padaria do Joaquim Português que era o pai do Zé Curica. Além disso, Zé
Curica se apresentava no teatrinho do Padre Miguel que funcionava numa casa na
esquina da Gonçalves Dias com a Carlos Gomes na época, pertencente ao Colégio
Dom Bosco. Era comum a gente dizer: “Vamos lá pro Paissandu” onde aconteciam
festas praticamente todo final de semana. O Zé Curica também era folião de
carnaval, inclusive criou em 1958 o Bloco “Saca Rolha”. esse Bloco teve vida
curta, terminou na Praça Aluízio Ferreiraquando alguns brincantes ninguém soube
explicar porque, aliás, pra mim foi excesso de cachaça, protagonizaram uma
briga generalizada, onde todo mundo batia em todo mundo, então o Bloco do Saca
Rolha nunca mais saiu.
Zk – Vamos voltar a sua
história?
Eleutério – Ao completar 18
anos, fui servir o exército e ao dar baixa, consegui emprego no gabinete do
governador que era oCel. Ribamar de Miranda meu irmão Marinho era o motorista
dele. Fiquei nessa função durante dois anos e dois meses até quando ele foi
embora, então, pedi minha transferência para a Garagem do Território e fui
trabalhar como auxiliar de operador de máquinas pesadas, já em 1960, fui
trabalhar na construção da BR-29 como operador de máquina.
Eleutério – Antes de ir
trabalhar na construção da BR-29, fiz teste para Os Correios e quando foi um
belo dia, eu trabalhando no trecho,chegou a noticia da minha nomeação, fiquei
meio indeciso, porque naquele tempo, o Correio pagava muito pouco, aí minha mãe
insistiu muito e até porque, eu tinha escapado de morrer quando uma árvore caiu
por cima da minha máquina. Peguei o DC-3 Candango e vim embora pra Porto Velho,
o acampamento na BR era no Km 190.
Zk – Qual sua função nos
Correios?
Eleutério – Quando me apresentei
o Diretordisse: “Rapaz você está muito atrasado, mas, como estamos precisando e
você foi selecionado pelo Rio de Janeiro, tem que se apresentar fardado para
assumir como Carteiro”. Eu mesmo comprei o tecido e mandei fazer a farda por
minha conta e comecei a entregar carta, nas residências de Porto Velho.
Zk – Vamos falar mais sobre
o governador Ribamar de Miranda. É verdade que ele era Gay?
Eleutério – O pessoal falava
que era eu não posso garantir, mas, tem coisas que dão a entender que ele
gostava de jovens rapazes, por exemplo: Ele criou um time de futebol o
Juventus, formado só com jovens da chamada elite, os filhos dos categas. Os
meninos como jogador não eram de nada, era só derrota, mas, mesmo assim, após
os jogos e em outras ocasiões, ele promovia a maior festa na residência
oficial, essas festas varavam a madrugada, isso posso dizer, porque como
funcionário do gabinete dele e jovem também, era convidado a participar. Por
essas e outras atitudes, muitos diziam que ele era “viado” eu mesmo não posso
afirmar.
Zk – Voltando a sua história
nos Correios?
Eleutério –Trabalhei como
carteiro durante dois anos e então fiz uma readaptação para Postalista. Se não
estou enganado, em 1975 o Correio passou à empresa estatal, nessa época a gente
tinha o direito de optar em ficar ou não na empresa, eu fiquei. Logo a empresa
passou a oferecer cursos fora daqui, criou Centro de Treinamento em Brasília,
São Paulo, Bauru, Minas e Rio Grande do Sul. Me inscrevi para fazer o curso de
Técnico Postal, passei nove meses estudando em Bauru e no final fui aprovado,
assim que retornei a Porto Velho aconteceu o concurso pra Inspetoria, eu já era
inspetor nomeado por Brasília, fui nomeado, mas tive que pagar pra fazer o
curso, então fui pra Belo Horizonte (MG), onde fiquei por seis meses e voltei,
agora formado Inspetor da Empresa e me aposentei em 1991 nessa função.
Zk – Como era a vida boêmia
na Porto Velho da sua juventude
Eleutério – Era muito boa
mesmo no nosso bairro KM-1 tinha os clubes Madureira, Paissandu e o mais famoso,
Clube dos Carroceiros que era na hoje rua Paulo Leal considerado bairro Favela.
Tinha o Internacional onde hoje é o Ferroviário, Danúbio Azul, Ypiranga,
Imperial e depois veio o Bancrévea. Ainda peguei o Danúbio Azul que funcionava
num casarão que ficava na beira do Rio Madeira mais pro lado do Triângulo e
quem mandava era a dona Maroca.
Eleutério – Gostava, dançava
bem um bolero e em consequência, sempre estava em evidencia com as meninas e
tal (sorrindo). Além desses clubes que a gente chamava de clube social, tinha
os puteiros da Maria Eunice, Anita, Mãe Preta, Tambaqui de Ouro, Deusa,
Bofetada e muitos outros que ofereciam diversão aos seus frequentadores. Depois
o Trevo do Roque dominou essa parte. Porto Velho naquele tempo em minha opinião,
tinha uma noite muito mais movimentada que agora.
Zk – Frequentou o Batuque de
Santa Bárbara?
Eleutério – Eu era batuqueiro,
batia tambor e cheque-cheque a troco da “Cana” que corria lá dentro. A Mãe de
Santo era dona Esperança Rita e o Pai de Santo o Irineu, depois quem tomou
conta foi o Pai Albertino. O festejo começava no dia de Santa Bárbara 4 de
dezembro com o levantamento do mastro e ia até o dia de São Sebastião 20 de
janeiro, em frente ao Batuque acontecia uma espécie de arraial onde as
banqueiras vendiam comidas típicas como galinha ao molho pardo, peixe frio,
bebida de todojeito e as mulheres solteiras faziam praça. Dentro do Terreiro os
adeptos da religião cantavam e baiavam (dançavam).
Zk – É verdade que de vez em
quando caia uma pessoa da plateia no meio da sala atuado, com algum “caboco”?
Eleutério – Certa noite
assisti uma parada que me deixou invocado. Acontece que ia pra lá bater tambor
só para beber de graça, não acreditava muito naquilo não. Porém, chegou em
Porto Velho um navio da Marinha e três marinheiros, vestidos naquela farda
branquinha, apareceram no terreiro e começaram a debochar. O Mestre Irineu falou
pra gente: Vou fazer eles caírem baiando no salão. Não deu outra, os três
caiaram e foi um show, dançavam e até rolaram pelo chão que era de terra
batida. Quando o santo subiu, eles ficaram com a cara toda desenxabida e com
certeza nunca mais debocharam da religião de ninguém. Essa parada eu vi com
esses olhos que a terra há de comer.
Zk – E a Porto Velho da sua
juventude?
Eleutério – Quando me
entendi Porto Velho terminava na rua Getúlio Vargas, o centro tinha os grandes
comercio como Casa Saudade, Pernambucana, Padaria do Resck, Padaria do Raposo,
Tufic Matny, Miguel Arcanjo e outros poucos, Bar Central, Clipe do João barril
depois Arara Bar, Café Santos. Mercado Municipal (hoje Cultural) os casarões da
EFMM, a Vila Confusão com o violonista Capote e o Mocambo o berço da Boemia com
o Antônio do Violão. Era assim.
Zk – Começando a encerrar.
Você casou com quantos anos e teve quantos filhos?
Eleutério – Rapaz, me
amarrei logo depois que entrei nos Correios se não me engano em 1967, com a
Maria da Conceição Barros que era filha do seu Antônio, motorista do carro do
lixo da prefeitura. Tivemos seis filhos, pela ordem: Ronaldo, Rogério, Agildo,
Mauro, Allan e Lane que é esposa do Mávilo Melo esse grande compositor. Aliás, há
muito tempo moramos na rua Bolívia no bairro Santa Bárbara.
Zk – Você falou que foi brincante
de Boi Bumbá. Em qual grupo.
Eleutério – Na época
existiam dois Bois o Nova Letra que era do Januário e o Sete Estrelas do seu
Caetano. Eu gostava da brincadeira tem até uma Toada: Se despede Nova Letra/Que tu hoje
vai morrer/Tantos olhos te olhando/Mas, ninguém vai te valer... Era
muito bacana a brincadeira, os categas convidavam o boi pra dançar em frente
suas casas quando era o mês de junho, porém, a melhor festa era a da matança
que durava dois dias. A toada que eu cantei aí era do ritual da matança final.
Eleutério – Quando eu era
criança, minha mãe me chamava de totinha. Totinha pra cá, totinha pra lá e
pegou, quando cresci, passaram a me chamar de Totó. Há dois anos o Alipinho e o
Allan criaram um bloco em minha homenagem, “Bloco do Totó” que só saiu dois
carnavais e parou. O bloco parou, mas, o Totó continua em atividade.
2 comentários:
Meu heroi!
Meu heroi, valeu silvio pela entrevistada feito com o meu papai!
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