sábado, 20 de julho de 2019

Luiz Queiroz de Lima


As histórias do seringueiro de São Carlos do Madeira


No final da tarde de terça feira dia 16, o prefeito de Porto Velho entregou a população, o mini Museu do Seringueiro, que está funcionando no Parque Circuito que passou por reforma e além da Casa do Seringueiro ganhou também um playground  e uma academia ao ar livre. Durante a solenidade uma pessoa passou a concentrar a atenção do público presente, era o seu Luiz Queiroz de Lima que literalmente estava vestindo roupas próprias de um seringueiro com direito a poronga, saco de sarrapilha, facão, faca de seringa, caneca e outros apetrechos utilizados no corte da seringueira. Seu Luiz é realmente seringueiro, exercendo a profissão no Distrito de São Carlos no baixo Madeira onde também fabrica sapato, saco, bornal, bolsa de tabaco etc., tudo de borracha. “Se você quiser adquirir qualquer desses apetrechos, é só falar com o administrador do Parque, senhor Sabiá”. Pra completar, seu Luiz fez uma demonstração de como se corta seringa para tirar o leite e até escalou uma seringueira sendo muito aplaudido. Foi nesse clima que resolvemos bater um papo de beradeiro pra seringueiro, já que ele corta seringa e mantém sua oficina nos dias de hoje, na localidade onde nasci, ou seja, em São Carlos do Madeira, aí a conversa ficou assim:

ENTREVISTA


Zk – Me diga seu nome completo?
Luiz Seringueiro – Meu nome é Luiz Queiroz de Lima, nasci na Ilha da Brasileira que praticamente pertence ao Distrito de São Carlos no baixo Madeira, no dia 20 de fevereiro de 1951. As seringueiras que corto nos dias de hoje, ficam nas terras do Bianor que é seu primo. Quer dizer, somos conterrâneos beradeiros.

Zk – O senhor não foi soldado da borracha! Como foi que começou a cortar seringa?
Luiz Seringueiro – Meu pai Napoleão Mendonça de Lima era seringueiro e sempre os filhos acompanham a profissão do pai né mesmo. Na realidade, meu pai queria que eu estudasse, porém, fiquei com medo do professor.

Zk – Por quê?
Luiz Seringueiro – Naquela época, professor era valente, malvado, dava bolo na mão e puxava a orelha da gente e eu fiquei com medo e por isso, preferir cortar seringa, mesmo contra a vontade do meu pai. Ele disse: “Meu filho, você não quer estudar porque você não sabe o valor que tem o saber”. Até fiz uma malcriação ao meu pai ao responder: Burro também vive! Ele então falou o seguinte: “Hoje eu corto seringa dou ‘murro’ porque não tive a oportunidade de estudar, não tinha como dar conta como gerente de um seringal”. E eu com a idade de 12 anos, deixei de estudar pra cortar seringa e meu pai teve que concordar.

Zk – Em qual seringal o senhor começou a cortar seringa?
Luiz Seringueiro – Seringal São José da Praia do seu Lala - Máximo Dias de Carvalho onde fiquei por sete anos, depois fui para o seringal Liberdade que era do Tobias Tavares que era casado com minha tia Marcelina. Minha mãe era Anaita Queiroz de Lima. Meu pai era de 1910 e começou a cortar seringa em 1920 quando estava com 9 anos de idade, porque havia perdido seu pai. Ajudou a mãe dele a criar nove irmãos.

Zk – Sabemos que os trabalhadores em seringais eram classificados como seringueiro bom e seringueiro ruim. Quantos quilos de borracha o senhor chegava a produzir?
Luiz Seringueiro – Fazia 20, 25 e até pelas de 30 quilos por semana, dependia muito da estrada que a gente pegava, quando ela era boa você fazia muita borracha. Eu era considerado bom seringueiro. Cortei seringa durante 25 anos sem parar.

Zk – Sempre atuou como seringueiro?
Luiz Seringueiro – Por algum tempo me dediquei à pesca profissional e passei 6 anos nessa profissão. Deixei porque fui trabalhar no governo em 1982. Fui contratado para trabalhar na administração do Distrito de São Carlos como auxiliar de serviços gerais.

Zk – Que horas o senhor saia pra cortar seringa?
Luiz Seringueiro – Saía 1 hora da madrugada. Não usava jamaxim, usava sarrapilha. Eu cortava, colocava o leite no encerado, amarrava a boca e colocava no saco de sarrapilha. Saia de madrugada para a estrada e quando dava seis, sete horas da manhã estava de volta. Nunca vi uma onça ou outro tipo de animal no meio da estrada de seringa. Cobra matei muita, mais outras feras nunca me importunaram. Muitas vezes quando dava por mim, tava em cima do monte da Pico de Jaca e eu pulava lá longe, graças a Deus nunca fui picado por cobra venenosa. Certa vez fui picado mais  a cobra não tinha veneno, era uma “Surradeira”.

Zk – Como era ou como é o processo até o leite se transformar em pela de borracha?

Luiz Seringueiro – Como já falei, saía 1 hora da madrugada pra estrada e quando dava 6, 7 horas da manhã estava de volta com o leite, então fazia o fogo utilizando na maioria das vezes, casca do Babaçu que é melhor pra fazer fumaça e começava a defumar, formando a Pela de Borracha. No final de semana levava aquela produção até o barracão do patrão, que pesava e pagava, descontava o que havíamos comprado ou retirado no armazém e nos dava o saldo em dinheiro, essa era a rotina.

Zk – Quantos quilos pesava uma pela de borracha?
Luiz Seringueiro – Dependia muito, quando a estrada era boa a gente fazia borracha de até trinta quilos. Uma borracha de 30 quilos dava pra você comprar os mantimentos de toda a semana e ainda sobrava dinheiro. Hoje se você fizer 30 quilos de borracha, vai receber apenas R$ 30 o que não dar pra nada.

Zk – Muito se fala, que quando o seringueiro tinha muito saldo, o seringalista mandava mata-lo na curva do rio. O senhor sabe alguma coisa sobre essas histórias?
Luiz Seringueiro – O povo contava isso aí. Quando o seringueiro tirava saldo. Ia acertar as contas no final do ano com o patrão, recebia o dinheiro direitinho e sai satisfeito fazendo planos, geralmente o seringueiro quando recebia o saldo, já tinha uma viagem programada para rever seus familiares. Quando o seringueiro deixava o barracão, segundo ouvia dizer, o seringalista chamava seus capangas e mandava tomar o dinheiro do seringueiro e esses capangas matavam o pobre coitado e jogavam o corpo no rio. Quando comecei a cortar seringa, já nos anos de 1960, essa prática já não existia. Ainda bem!

Zk – Outra, os mais antigos contam que quando o seringueiro era ruim, não produzia o suficiente, o patrão lhe tomava a mulher e dava para um seringueiro considerado bom. É verdade?
Luiz Seringueiro – Essa é outra história que ouvi falar, mas, nunca vi isso acontecer, é como você disse, os mais antigos é que contam. Acho que essa pratica acontecia mais no seringais que ficavam no centro da mata, pois poucas mulheres aceitavam ir morar lá e isso provocava essa prática utilizada pelos seringalista, de tomar a mulher do seringueiro preguiçoso para dar para aquele que produzia bem. Acho que acontecia mesmo, pela falta de mulher. Até passou na televisão uma ‘novela’, que mostrava homem dançando com homem nas festas dos seringais no Acre porque não tinha mulher pra todo mundo.

Zk – Outra pratica, era que o seringueiro nunca acabava de pagar as contas ao patrão?
Luiz Seringueiro – Essa é outra história que ouvi falar muito. No meu tempo, todas essas práticas já não eram praticadas pelos seringalistas. Eu mesmo jamais deixei de receber meu saldo e nunca teve esse negócio de ficar sempre devendo no barracão. Eu só via dinheiro de ano em ano, porém minha conta corrente sempre tinha saldo.

Zk – Qual a alimentação na casa do seringueiro?
Luiz Seringueiro – O seringueiro se alimentava de carne de caça, era uma anta, paca, veado, nambu, mutum, macaco. Geralmente a gente preparava esses pratos no leite da castanha, não existe tempero melhor que o leite de castanha. No nosso caso, cujos seringais ficavam perto do rio Madeira e seus afluentes como Jamari, Machado, Candeias, etc. a gente tinha o peixe que naquele tempo era de fartura (to falando de peixe nativo).

Zk – Mais historias?

Luiz Seringueiro – Era muito bom nossa vida como seringueiro no baixo Madeira, de madruga a gente ouvia aquele som estrondoso, era o companheiro seringueiro, batendo na Sapopemba avisando que já estava na estrada, uns utilizavam buzina. Aonde eu trabalhei não tinha índio, porém no Alto Jamari, no Alto Candeias, Alto Machado muitos seringueiros foram vítimas de flechadas de índios.

Zk – Hoje o senhor ainda trabalha com seringa?
Luiz Seringueiro – Sim, corto seringa lá em São Carlos e faço sapato, bolsa pra colocar tabaco, cartucheira, bainha de facão etc., tudo de seringa.
Zk - Pra encerrar essa conversa. O senhor é casado com quem e tem quanto filhos?
Luiz Seringueiro – Sou casado há 45 anos, com Maria Aparecida de Souza tivemos sete filhos, cinco mulheres e dois homens. Se alguém se interessar pelos produtos que fabrico utilizando seringa, é só entrar em contato com o SABIÁ que é o administrado do Parque Circuito em Porto Velho e ele sabe como entrar em contato comigo. As encomendas entrego em uma semana.

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