As
histórias do seringueiro de São Carlos do Madeira
No
final da tarde de terça feira dia 16, o prefeito de Porto Velho entregou a
população, o mini Museu do Seringueiro, que está funcionando no Parque Circuito
que passou por reforma e além da Casa do Seringueiro ganhou também um playground e
uma academia ao ar livre. Durante a solenidade uma pessoa passou a concentrar a
atenção do público presente, era o seu Luiz Queiroz de Lima que literalmente
estava vestindo roupas próprias de um seringueiro com direito a poronga, saco
de sarrapilha, facão, faca de seringa, caneca e outros apetrechos utilizados no
corte da seringueira. Seu Luiz é realmente seringueiro, exercendo a profissão
no Distrito de São Carlos no baixo Madeira onde também fabrica sapato, saco,
bornal, bolsa de tabaco etc., tudo de borracha. “Se você quiser adquirir qualquer
desses apetrechos, é só falar com o administrador do Parque, senhor Sabiá”.
Pra completar, seu Luiz fez uma demonstração de como se corta seringa para
tirar o leite e até escalou uma seringueira sendo muito aplaudido. Foi nesse
clima que resolvemos bater um papo de beradeiro pra seringueiro, já que ele
corta seringa e mantém sua oficina nos dias de hoje, na localidade onde nasci,
ou seja, em São Carlos do Madeira, aí a conversa ficou assim:
ENTREVISTA
Zk –
Me diga seu nome completo?
Luiz
Seringueiro – Meu nome é Luiz Queiroz de Lima, nasci na Ilha da Brasileira que
praticamente pertence ao Distrito de São Carlos no baixo Madeira, no dia 20 de
fevereiro de 1951. As seringueiras que corto nos dias de hoje, ficam nas terras
do Bianor que é seu primo. Quer dizer, somos conterrâneos beradeiros.
Zk –
O senhor não foi soldado da borracha! Como foi que começou a cortar seringa?
Luiz
Seringueiro – Meu pai Napoleão Mendonça de Lima era seringueiro e sempre os
filhos acompanham a profissão do pai né mesmo. Na realidade, meu pai queria que
eu estudasse, porém, fiquei com medo do professor.
Zk –
Por quê?
Luiz
Seringueiro – Naquela época, professor era valente, malvado, dava bolo na mão e
puxava a orelha da gente e eu fiquei com medo e por isso, preferir cortar
seringa, mesmo contra a vontade do meu pai. Ele disse: “Meu filho, você não quer
estudar porque você não sabe o valor que tem o saber”. Até fiz uma malcriação ao
meu pai ao responder: Burro também vive! Ele então falou o seguinte: “Hoje eu
corto seringa dou ‘murro’ porque não tive a oportunidade de estudar, não tinha
como dar conta como gerente de um seringal”. E eu com a idade de 12 anos,
deixei de estudar pra cortar seringa e meu pai teve que concordar.
Zk –
Em qual seringal o senhor começou a cortar seringa?
Luiz
Seringueiro – Seringal São José da Praia do seu Lala - Máximo Dias de Carvalho
onde fiquei por sete anos, depois fui para o seringal Liberdade que era do
Tobias Tavares que era casado com minha tia Marcelina. Minha mãe era Anaita Queiroz
de Lima. Meu pai era de 1910 e começou a cortar seringa em 1920 quando estava
com 9 anos de idade, porque havia perdido seu pai. Ajudou a mãe dele a criar
nove irmãos.
Zk –
Sabemos que os trabalhadores em seringais eram classificados como seringueiro
bom e seringueiro ruim. Quantos quilos de borracha o senhor chegava a produzir?
Luiz
Seringueiro – Fazia 20, 25 e até pelas de 30 quilos por semana, dependia muito
da estrada que a gente pegava, quando ela era boa você fazia muita borracha. Eu
era considerado bom seringueiro. Cortei seringa durante 25 anos sem parar.
Zk –
Sempre atuou como seringueiro?
Luiz
Seringueiro – Por algum tempo me dediquei à pesca profissional e passei 6 anos
nessa profissão. Deixei porque fui trabalhar no governo em 1982. Fui contratado
para trabalhar na administração do Distrito de São Carlos como auxiliar de serviços
gerais.
Zk –
Que horas o senhor saia pra cortar seringa?
Luiz
Seringueiro – Saía 1 hora da madrugada. Não usava jamaxim, usava sarrapilha. Eu
cortava, colocava o leite no encerado, amarrava a boca e colocava no saco de
sarrapilha. Saia de madrugada para a estrada e quando dava seis, sete horas da
manhã estava de volta. Nunca vi uma onça ou outro tipo de animal no meio da
estrada de seringa. Cobra matei muita, mais outras feras nunca me importunaram.
Muitas vezes quando dava por mim, tava em cima do monte da Pico de Jaca e eu
pulava lá longe, graças a Deus nunca fui picado por cobra venenosa. Certa vez
fui picado mais a cobra não tinha
veneno, era uma “Surradeira”.
Zk –
Como era ou como é o processo até o leite se transformar em pela de borracha?
Luiz
Seringueiro – Como já falei, saía 1 hora da madrugada pra estrada e quando dava
6, 7 horas da manhã estava de volta com o leite, então fazia o fogo utilizando
na maioria das vezes, casca do Babaçu que é melhor pra fazer fumaça e começava
a defumar, formando a Pela de Borracha. No final de semana levava aquela
produção até o barracão do patrão, que pesava e pagava, descontava o que
havíamos comprado ou retirado no armazém e nos dava o saldo em dinheiro, essa
era a rotina.
Zk –
Quantos quilos pesava uma pela de borracha?
Luiz
Seringueiro – Dependia muito, quando a estrada era boa a gente fazia borracha
de até trinta quilos. Uma borracha de 30 quilos dava pra você comprar os
mantimentos de toda a semana e ainda sobrava dinheiro. Hoje se você fizer 30
quilos de borracha, vai receber apenas R$ 30 o que não dar pra nada.
Zk –
Muito se fala, que quando o seringueiro tinha muito saldo, o seringalista
mandava mata-lo na curva do rio. O senhor sabe alguma coisa sobre essas
histórias?
Luiz
Seringueiro – O povo contava isso aí. Quando o seringueiro tirava saldo. Ia
acertar as contas no final do ano com o patrão, recebia o dinheiro direitinho e
sai satisfeito fazendo planos, geralmente o seringueiro quando recebia o saldo,
já tinha uma viagem programada para rever seus familiares. Quando o seringueiro
deixava o barracão, segundo ouvia dizer, o seringalista chamava seus capangas e
mandava tomar o dinheiro do seringueiro e esses capangas matavam o pobre
coitado e jogavam o corpo no rio. Quando comecei a cortar seringa, já nos anos
de 1960, essa prática já não existia. Ainda bem!
Zk –
Outra, os mais antigos contam que quando o seringueiro era ruim, não produzia o
suficiente, o patrão lhe tomava a mulher e dava para um seringueiro considerado
bom. É verdade?
Luiz
Seringueiro – Essa é outra história que ouvi falar, mas, nunca vi isso
acontecer, é como você disse, os mais antigos é que contam. Acho que essa
pratica acontecia mais no seringais que ficavam no centro da mata, pois poucas
mulheres aceitavam ir morar lá e isso provocava essa prática utilizada pelos
seringalista, de tomar a mulher do seringueiro preguiçoso para dar para aquele
que produzia bem. Acho que acontecia mesmo, pela falta de mulher. Até passou na
televisão uma ‘novela’, que mostrava homem dançando com homem nas festas dos
seringais no Acre porque não tinha mulher pra todo mundo.
Zk –
Outra pratica, era que o seringueiro nunca acabava de pagar as contas ao
patrão?
Luiz
Seringueiro – Essa é outra história que ouvi falar muito. No meu tempo, todas
essas práticas já não eram praticadas pelos seringalistas. Eu mesmo jamais
deixei de receber meu saldo e nunca teve esse negócio de ficar sempre devendo
no barracão. Eu só via dinheiro de ano em ano, porém minha conta corrente
sempre tinha saldo.
Zk –
Qual a alimentação na casa do seringueiro?
Luiz
Seringueiro – O seringueiro se alimentava de carne de caça, era uma anta, paca,
veado, nambu, mutum, macaco. Geralmente a gente preparava esses pratos no leite
da castanha, não existe tempero melhor que o leite de castanha. No nosso caso,
cujos seringais ficavam perto do rio Madeira e seus afluentes como Jamari,
Machado, Candeias, etc. a gente tinha o peixe que naquele tempo era de fartura
(to falando de peixe nativo).
Zk –
Mais historias?
Luiz
Seringueiro – Era muito bom nossa vida como seringueiro no baixo Madeira, de
madruga a gente ouvia aquele som estrondoso, era o companheiro seringueiro,
batendo na Sapopemba avisando que já estava na estrada, uns utilizavam buzina.
Aonde eu trabalhei não tinha índio, porém no Alto Jamari, no Alto Candeias,
Alto Machado muitos seringueiros foram vítimas de flechadas de índios.
Zk –
Hoje o senhor ainda trabalha com seringa?
Luiz
Seringueiro – Sim, corto seringa lá em São Carlos e faço sapato, bolsa pra
colocar tabaco, cartucheira, bainha de facão etc., tudo de seringa.
Zk -
Pra encerrar essa conversa. O senhor é casado com quem e tem quanto filhos?
Luiz
Seringueiro – Sou casado há 45 anos, com Maria Aparecida de Souza tivemos sete
filhos, cinco mulheres e dois homens. Se alguém se interessar pelos produtos
que fabrico utilizando seringa, é só entrar em contato com o SABIÁ que é o
administrado do Parque Circuito em Porto Velho e ele sabe como entrar em
contato comigo. As encomendas entrego em uma semana.
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