OLHO
‘Na subida a gente ia
aviando e descia pegando Borracha, Castanha, Farinha e Tabaco. Depois teve a
era do Couro de Jacaré, de Porco do Mato, de Veado e levava para o curtume de
Manaus. Comecei nessa missão em 1954’
‘Depois de horas na fila,
quando chegou a minha vez consegui um pedaço de carne, coloquei a sesta no chão
para pagar o açougueiro e quando vi um cachorro pegou minha carne eu muito
chateado também não paguei’
Roque
Lobato
Pioneiro
do bairro Nossa Senhora das Graças
Ele está com 84 anos de
idade e como se diz, com uma saúde de ferro. “Não tenho nada, graças a Deus”.
Seu Roque Lobato nasceu na localidade “Lago Uruapíara” no Amazonas e já aos 12
anos, passou a trabalhar como embarcadiço nos regatões que promoviam o escambo
com os “beradeiros” em especial do Rio Madeira. Em Porto Velho atuou como
motorista do Serviço de Navegação do Madeira – SNM, trabalhou na Olaria do
Território e na Garagem do Governo. Hoje aos 84 anos vive no aconchego de sua
casa a rua Getúlio Vargas onde gosta de receber os amigos para contar as
histórias de Porto Velho. “Se você tiver tempo vamos passar uns dias recordando
a Porto Velho dos anos 50, 60 e 70. Então vamos lá seu Roque Lobato.
ENTREVISTA
Zk – Qual seu nome completo,
local e data do nascimento?
Roque Lobato – Sou Roque
Lobato. Nasci no Amazonas num lugar conhecido como Lago Uruapiara no dia 16 de
agosto de 1933. Aos 12 anos deixei a localidade e fui trabalhar embarcado,
viajando por esse Amazonas como motorista de Barco Motor. Esse estilo de
embarcação era conhecido como Regatão. A gente trazia gêneros de primeira
necessidade como açúcar, café, charque e até cachaça. Na subida a gente ia
aviando e descia pegando Borracha, Castanha, Farinha e Tabaco. Depois teve a
era do Couro de Jacaré, de Porco do Mato, de Veado e levava para o curtume de
Manaus. Comecei nessa missão em 1954.
Zk – Quando foi que o senhor
veio para Porto Velho?
Roque Lobato – Foi em 1958.
Foi assim: quando cheguei aqui tinha o Serviço de Navegação do Madeira – SNM na
época, eu viajava numa lancha por nome Cheuã e o dono vendeu outra lancha para
o governo do Território Federal do Guaporé o nome da lancha era 4 de Outubro e
o pessoal da Navegação do Madeira não sabia de nada sobre motor de barco e
perguntaram se eu poderia ficar para ensinar eles a trabalhar! Acontece que
depois que ensinei o funcionamento da lancha, embarcamos de volta, e não foi
que a lancha ficou no prego. Foi então que o Velho Hidelbrando que era o
Superintendente do SNM após eu consertar o motor, perguntou se eu não queria
ficar trabalhando aqui e eu respondi que não. Então o Comandante da dita lancha
o Batoreba me convenceu: “Rapaz fica, tu vai ser funcionário federal ganhando
bem...” Fiquei! Era o dia 25 de abril de 1958.
Zk – Fale mais um pouco
dessa sua permanência no SNM?
Roque Lobato – Daí passei a
viajar pra dentro do Rio Machado levando mercadoria para Vila de Rondônia (hoje
Ji Paraná), conversa vai conversa vem, o SNM me baseou no Seregipa um órgão do
governo que ficava em Tabajara.
Zk – O Senhor casou lá?
Roque Lobato – Casei num
lugar por nome Assunção perto de Calama.Quando foi em 1962 vim pra Porto Velho
de vez. Comprei uma casa na Getúlio Vargas entre a Raimundo Cantuária e a Jacy
Paraná no bairro Mato Grosso a casinha ficava no meio da mata. No primeiro dia morando la, sai de madrugada
para ir compra carne no Mercado Municipal esse que hoje chamam de Mercado
Cultural. Como eu não conhecia a cidade direito, em vez de descer no rumo do
centro estava indo pra cima no rumo do Candeias, foi então que encontrei
algumas pessoas que ao me verem com a sesta perguntaram pra onde eu ia e disse
que era para o Mercado e eles me ensinaram o caminho certo.
Zk – É verdade que era
difícil conseguir comprar um quilo de carne naquele tempo.
Roque Lobato – Era sim, a
gente tinha que ir de madrugada pra fila da carne. A gente do lado de fora do
Mercado via os açougueiros cortando a carne e colocando em sestas, aquilo me
deixou curioso, foi quando me informaram que eram as sestas dos “Categas”. Aconteceu
um fato engraçado comigo.
Zk – Como foi?
Roque Lobato – Depois de horas
na fila, quando chegou a minha vez consegui um pedaço de carne, coloquei a
sesta no chão para pagar o açougueiro e quando vi um cachorro pegou minha carne
eu muito chateado também não paguei, fui embora. Desci até a rua do Coqueiro
(hoje Euclides da Cunha) comprei uns pacus e levei pra casa. Quando contei pra
minha mulher Rita Sales Lobato o ocorrido, ela ria que só.
Zk – O Senhor era Cutuba ou
Pele Curta?
Roque Lobato – Eu era do
lado dos Cutubas Aluizio Ferreira. A política naquele tempo era de perseguição.
Quando os Cutubas ganhavam corria tudo bem, o pagamento era em dia. Quando os
Pele Curta venciam a gente recebia dois meses e ficava um dentro. A Marise
Castiel era Pele Curta depois que foi ser Cutuba. Depois veio o Jerônimo
Santana e os correligionários dele cantavam: “Bengala neles Jerônimo”, ali na
rua Brasília tinha o seu Chico que era da prefeitura e também era cutuba.
Quando os Pele Curta venceram a Marise jogou ele pra Machadinho e eu pra
Tabajara era assim a política naquele tempo. Foi quando entrou o finado Antero
e chegou e disse: Roque tu vem embora pra Porto Velho, o governador já era o
Cunha Menezes e tinha o Zé Roberto como secretário que era ruim, ele dizia que
não sabia escrever 20 dias, era só 30 dias de punição.
Zk – De volta a Porto Velho
foi trabalhar aonde?
Roque Lobato – Fui trabalhar
na Olaria do Território como foguista, o chefe era o Cabo Lira, depois veio o
Israel e por fim o Tomar que dizia que era Ateu. A máquina de fazer tijolo e
telha era uma locomotiva a vapor que eu mexia. Um dia o Tomar chegou e tava
dando um temporal danado e eu tinha medo de raio, quando o chefe chegou
querendo que todo mundo trabalhasse um funcionário que era gago alertou
doooutooor ninnnggguém vai trabalhar, o senhor não ta vendo que ta caindo raio,
o senhor não tem fé em Deus não! E o Tomar respondeu: “Que Deus nada” e passou
a desfazer de Deus e disse que ia trabalhar, quando ele pegou na alavanca da máquina
de fazer telha caiu um raio que o jogou la longe e ele sentado gritava
“Valha-me Deus”. E nós perguntamos: Já se lembrou de Deus Ateu atôa!
Zk – É verdade que quando o
senhor veio morar aqui perto da Sete de Setembro no bairro Nossa Senhora das
Graças era tudo mata?
Roque Lobato – Era mata
bruta, isso foi aberto no governo do Trajano prefeito. Aqui na quadra da
Getulio Vargas era um goiabal e o mato era tanto, que a gente caçava Tatu. Me
mudei pra cá no dia 6 de janeiro de 1964. Cheguei a ter uma Estância com 17
quartos que eu alugava e era coberta de palha e assoalhada, era o tempo do
garimpo de cassiterita e tinha muito garimpeiro aqui em Porto Velho. A
Rodoviária era do outro lado da Sete de Setembro entre a Getulio e a Salgado
Filho aqui perto de casa.
Zk – E o mercadinho do KM-1?
Roque Lobato – Aquilo lá é
antigo. Naquela época não era que nem hoje que o boi tem um bocado de qualidade
de carne. Você chegava tinha um Cepo grande no meio do açougue e uma
machadinha. Só tinha duas qualidades de carne a de primeira que era do quarto
trazeiro e a de segunda que era do dianteiro não tinha esse negócio de carne
sem osso. Dentro do Mercado tinha um boxe onde funcionava o Correio e tinha a delegacia
e a cadeia e o delegado mais famoso foi o BRAZ pense num cabra respeitado. Em
frente ao Mercado existia uma Lavanderia popular, era um chafariz e as mulheres
ia lavar roupa e pegar água pra cozinhar tomar banho etc.
Zk – E depois?
Roque Lobato – Depois o
Nossa Senhora das Graças virou bairro nobre, aqui agora tem de tudo. Lembro que
na Afonso Pena funcionou o famoso “Caiari Cobra Show”, ali também funcionava o
Bloco da Cobra. Hoje tem a sede da OAB, tem agencia de tudo quanto é Banco
enfim, o Nossa Senhora é referencia na nossa cidade. Lembro que uma das
primeiras moradoras daqui foi a professora Alda que faleceu recentemente.
Zk – Para encerrar. E a
história que vocês tinham um boi bumbá?
Roque Lobato – Era o meu
filho Luiz que hoje é jornalista. Na realidade existia por aqui o boi Flor do
Campo do Luiz Amaral com o Augusto Queixada e o Carlinhos Aleijado que ensaiava
lá no Januário; Aí o Luiz inventou um boizinho aqui na rua e pra cá vinha o
Zequinha e o Jair esse que é cantor da escola de samba Diplomatas. A gente
fazia o boi de cipó e cobria com pano as vezes de saco de trigo tingido era uma
brincadeira animada.
Zk – Lembrando mais daquele
tempo?
Roque Lobato – Tudo que a
gente consumia em Porto Velho de produtos agrícola vinha da Colônia do Iata,
era gostoso viajar de trem da Madeira Mamoré e nos vagões vinha muita
tartaruga. As mercadorias eram transportadas pelos “Carroceiros” em carro de
boi ou cavalo. Quem comia o peixe Dourado era pobre.
Zk – Filhos?
Roque Lobato – São quatro:
Luiz Gonzaga Sales Lobato que é jornalista, Lucinês Sales Lobato; Luzia Sales
Lobato e Lucenir Sales Lobato. Minha mulher Rita Sales Lobato morreu em 1973.
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