sábado, 9 de junho de 2018

Roque Lobato Pioneiro do bairro Nossa Senhora das Graças


OLHO

‘Na subida a gente ia aviando e descia pegando Borracha, Castanha, Farinha e Tabaco. Depois teve a era do Couro de Jacaré, de Porco do Mato, de Veado e levava para o curtume de Manaus. Comecei nessa missão em 1954’

‘Depois de horas na fila, quando chegou a minha vez consegui um pedaço de carne, coloquei a sesta no chão para pagar o açougueiro e quando vi um cachorro pegou minha carne eu muito chateado também não paguei’



Roque Lobato

Pioneiro do bairro Nossa Senhora das Graças


Ele está com 84 anos de idade e como se diz, com uma saúde de ferro. “Não tenho nada, graças a Deus”. Seu Roque Lobato nasceu na localidade “Lago Uruapíara” no Amazonas e já aos 12 anos, passou a trabalhar como embarcadiço nos regatões que promoviam o escambo com os “beradeiros” em especial do Rio Madeira. Em Porto Velho atuou como motorista do Serviço de Navegação do Madeira – SNM, trabalhou na Olaria do Território e na Garagem do Governo. Hoje aos 84 anos vive no aconchego de sua casa a rua Getúlio Vargas onde gosta de receber os amigos para contar as histórias de Porto Velho. “Se você tiver tempo vamos passar uns dias recordando a Porto Velho dos anos 50, 60 e 70. Então vamos lá seu Roque Lobato.


ENTREVISTA


Zk – Qual seu nome completo, local e data do nascimento?
Roque Lobato – Sou Roque Lobato. Nasci no Amazonas num lugar conhecido como Lago Uruapiara no dia 16 de agosto de 1933. Aos 12 anos deixei a localidade e fui trabalhar embarcado, viajando por esse Amazonas como motorista de Barco Motor. Esse estilo de embarcação era conhecido como Regatão. A gente trazia gêneros de primeira necessidade como açúcar, café, charque e até cachaça. Na subida a gente ia aviando e descia pegando Borracha, Castanha, Farinha e Tabaco. Depois teve a era do Couro de Jacaré, de Porco do Mato, de Veado e levava para o curtume de Manaus. Comecei nessa missão em 1954.

Zk – Quando foi que o senhor veio para Porto Velho?
Roque Lobato – Foi em 1958. Foi assim: quando cheguei aqui tinha o Serviço de Navegação do Madeira – SNM na época, eu viajava numa lancha por nome Cheuã e o dono vendeu outra lancha para o governo do Território Federal do Guaporé o nome da lancha era 4 de Outubro e o pessoal da Navegação do Madeira não sabia de nada sobre motor de barco e perguntaram se eu poderia ficar para ensinar eles a trabalhar! Acontece que depois que ensinei o funcionamento da lancha, embarcamos de volta, e não foi que a lancha ficou no prego. Foi então que o Velho Hidelbrando que era o Superintendente do SNM após eu consertar o motor, perguntou se eu não queria ficar trabalhando aqui e eu respondi que não. Então o Comandante da dita lancha o Batoreba me convenceu: “Rapaz fica, tu vai ser funcionário federal ganhando bem...” Fiquei! Era o dia 25 de abril de 1958.


Zk – Fale mais um pouco dessa sua permanência no SNM?
Roque Lobato – Daí passei a viajar pra dentro do Rio Machado levando mercadoria para Vila de Rondônia (hoje Ji Paraná), conversa vai conversa vem, o SNM me baseou no Seregipa um órgão do governo que ficava em Tabajara.

Zk – O Senhor casou lá?
Roque Lobato – Casei num lugar por nome Assunção perto de Calama.Quando foi em 1962 vim pra Porto Velho de vez. Comprei uma casa na Getúlio Vargas entre a Raimundo Cantuária e a Jacy Paraná no bairro Mato Grosso a casinha ficava no meio da mata.  No primeiro dia morando la, sai de madrugada para ir compra carne no Mercado Municipal esse que hoje chamam de Mercado Cultural. Como eu não conhecia a cidade direito, em vez de descer no rumo do centro estava indo pra cima no rumo do Candeias, foi então que encontrei algumas pessoas que ao me verem com a sesta perguntaram pra onde eu ia e disse que era para o Mercado e eles me ensinaram o caminho certo.

Zk – É verdade que era difícil conseguir comprar um quilo de carne naquele tempo.
Roque Lobato – Era sim, a gente tinha que ir de madrugada pra fila da carne. A gente do lado de fora do Mercado via os açougueiros cortando a carne e colocando em sestas, aquilo me deixou curioso, foi quando me informaram que eram as sestas dos “Categas”. Aconteceu um fato engraçado comigo.

Zk – Como foi?
Roque Lobato – Depois de horas na fila, quando chegou a minha vez consegui um pedaço de carne, coloquei a sesta no chão para pagar o açougueiro e quando vi um cachorro pegou minha carne eu muito chateado também não paguei, fui embora. Desci até a rua do Coqueiro (hoje Euclides da Cunha) comprei uns pacus e levei pra casa. Quando contei pra minha mulher Rita Sales Lobato o ocorrido, ela ria que só.

Zk – O Senhor era Cutuba ou Pele Curta?
Roque Lobato – Eu era do lado dos Cutubas Aluizio Ferreira. A política naquele tempo era de perseguição. Quando os Cutubas ganhavam corria tudo bem, o pagamento era em dia. Quando os Pele Curta venciam a gente recebia dois meses e ficava um dentro. A Marise Castiel era Pele Curta depois que foi ser Cutuba. Depois veio o Jerônimo Santana e os correligionários dele cantavam: “Bengala neles Jerônimo”, ali na rua Brasília tinha o seu Chico que era da prefeitura e também era cutuba. Quando os Pele Curta venceram a Marise jogou ele pra Machadinho e eu pra Tabajara era assim a política naquele tempo. Foi quando entrou o finado Antero e chegou e disse: Roque tu vem embora pra Porto Velho, o governador já era o Cunha Menezes e tinha o Zé Roberto como secretário que era ruim, ele dizia que não sabia escrever 20 dias, era só 30 dias de punição.

Zk – De volta a Porto Velho foi trabalhar aonde?
Roque Lobato – Fui trabalhar na Olaria do Território como foguista, o chefe era o Cabo Lira, depois veio o Israel e por fim o Tomar que dizia que era Ateu. A máquina de fazer tijolo e telha era uma locomotiva a vapor que eu mexia. Um dia o Tomar chegou e tava dando um temporal danado e eu tinha medo de raio, quando o chefe chegou querendo que todo mundo trabalhasse um funcionário que era gago alertou doooutooor ninnnggguém vai trabalhar, o senhor não ta vendo que ta caindo raio, o senhor não tem fé em Deus não! E o Tomar respondeu: “Que Deus nada” e passou a desfazer de Deus e disse que ia trabalhar, quando ele pegou na alavanca da máquina de fazer telha caiu um raio que o jogou la longe e ele sentado gritava “Valha-me Deus”. E nós perguntamos: Já se lembrou de Deus Ateu atôa!

Zk – É verdade que quando o senhor veio morar aqui perto da Sete de Setembro no bairro Nossa Senhora das Graças era tudo mata?
Roque Lobato – Era mata bruta, isso foi aberto no governo do Trajano prefeito. Aqui na quadra da Getulio Vargas era um goiabal e o mato era tanto, que a gente caçava Tatu. Me mudei pra cá no dia 6 de janeiro de 1964. Cheguei a ter uma Estância com 17 quartos que eu alugava e era coberta de palha e assoalhada, era o tempo do garimpo de cassiterita e tinha muito garimpeiro aqui em Porto Velho. A Rodoviária era do outro lado da Sete de Setembro entre a Getulio e a Salgado Filho aqui perto de casa.

Zk – E o mercadinho do KM-1?
Roque Lobato – Aquilo lá é antigo. Naquela época não era que nem hoje que o boi tem um bocado de qualidade de carne. Você chegava tinha um Cepo grande no meio do açougue e uma machadinha. Só tinha duas qualidades de carne a de primeira que era do quarto trazeiro e a de segunda que era do dianteiro não tinha esse negócio de carne sem osso. Dentro do Mercado tinha um boxe onde funcionava o Correio e tinha a delegacia e a cadeia e o delegado mais famoso foi o BRAZ pense num cabra respeitado. Em frente ao Mercado existia uma Lavanderia popular, era um chafariz e as mulheres ia lavar roupa e pegar água pra cozinhar tomar banho etc.

Zk – E depois?
Roque Lobato – Depois o Nossa Senhora das Graças virou bairro nobre, aqui agora tem de tudo. Lembro que na Afonso Pena funcionou o famoso “Caiari Cobra Show”, ali também funcionava o Bloco da Cobra. Hoje tem a sede da OAB, tem agencia de tudo quanto é Banco enfim, o Nossa Senhora é referencia na nossa cidade. Lembro que uma das primeiras moradoras daqui foi a professora Alda que faleceu recentemente.

Zk – Para encerrar. E a história que vocês tinham um boi bumbá?
Roque Lobato – Era o meu filho Luiz que hoje é jornalista. Na realidade existia por aqui o boi Flor do Campo do Luiz Amaral com o Augusto Queixada e o Carlinhos Aleijado que ensaiava lá no Januário; Aí o Luiz inventou um boizinho aqui na rua e pra cá vinha o Zequinha e o Jair esse que é cantor da escola de samba Diplomatas. A gente fazia o boi de cipó e cobria com pano as vezes de saco de trigo tingido era uma brincadeira animada.

Zk – Lembrando mais daquele tempo?

Roque Lobato – Tudo que a gente consumia em Porto Velho de produtos agrícola vinha da Colônia do Iata, era gostoso viajar de trem da Madeira Mamoré e nos vagões vinha muita tartaruga. As mercadorias eram transportadas pelos “Carroceiros” em carro de boi ou cavalo. Quem comia o peixe Dourado era pobre.

Zk – Filhos?
Roque Lobato – São quatro: Luiz Gonzaga Sales Lobato que é jornalista, Lucinês Sales Lobato; Luzia Sales Lobato e Lucenir Sales Lobato. Minha mulher Rita Sales Lobato morreu em 1973.

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