A
história da construção do Casarão
A história de Rondônia ainda
tem muito a ser pesquisada, em especial a história de Porto Velho. Quinta feira
santa dia 28, encontrei o historiador Francisco Matias no Centro de
Documentação do Estado de Rondônia que fica no prédio do relógio sede da Secel,
pesquisando sobre a Maçonaria uma vez que foi contratado pelos maçons, para
escrever a história da Maçonaria em Porto Velho. Conversa vai, conversa vem,
perguntei o que ele sabia sobre a construção do prédio que é conhecido como
Casarão dos Ingleses, que fica na Vila de Santo Antônio e vem causando polêmica
porque a empresa responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Santo
Antônio vem relutando em reconhecer a edificação como patrimônio histórico da
Madeira Mamoré. Outro problema sobre o imóvel, é a data de sua construção e
quem o construiu, além dos seus proprietários ao longo desses anos todos. “O
CASARÃO é obra do D. Nicolas Suarez Calhaú ou da empresa chamada Suarez y
Hermanos”.
Para não perder a
oportunidade, questionamos o historiador sobre a verdadeira data do surgimento
da cidade de Porto Velho. “O 4 de julho precisa ser reconhecido como a
data da fundação da cidade de Porto Velho”. A conversa terminou com
Francisco Matias dizendo que no tempo da construção da ferrovia Madeira Mamoré,
Guajará era chamado de “Guajará
Formiga”. Acompanhe essa e outras história da história de Rondônia!
ENTREVISTA
Zk – Quanto tempo faz que o
senhor está em Rondônia?
Francisco Matias – Sempre
que me fazem esta pergunta respondo, meu filho mais velho nascido aqui em
Rondônia completou agora no dia 11 de março, 42 anos.
Zk – Veio fazer o que em
Rondônia?
Francisco Matias – Vim pra
cá como militar e depois que deixei o exército fui estudar, me especializei em
geografia política, geografia econômica e história de um modo geral. Passei a
me preocupar muito com os vazios e com os dilemas que existem na história de
Rondônia, não pra mim e nem para os atuais, mas, para os jovens que vão chegar.
Zk – Entre tantas histórias
que causam polêmica sobre quem foi quem, na construção da Madeira Mamoré, nome
da cidade de Porto Velho e outras. Existe também a do Casarão que chamamos dos
ingleses. O que o senhor sabe a respeito desse Casarão, quem realmente o
construiu?
Francisco Matias – Para
falar sobre o Casarão, primeiro temos que entender a ocupação de Rondônia. Os
bolivianos que chegam aqui avançando pelos seringais, ocupando toda área do
comércio do rio Guaporé até o rio Madeira e do Madeira até o Jamari e do Jamari
passando para o Ji Paraná. Esses bolivianos vão criando uma estrutura de
ocupação, igual como nós criávamos no Acre. Do jeito que no Acre tinha
brasileiro, aqui tinha boliviano.
Zk – E o Casarão?
Francisco Matias – Um
daqueles bolivianos, dono de uma empresa aviadora de uma família chamada Suarez
y Hermanos do grande “Colosso” boliviano Dom Nicolas Suarez Calhaú que era
acionista da Madeira Mamoré e era dona dessa região todinha, da região do baixo
Madeira e do médio Madeira com seringais e casas aviadoras. O CASARÃO é obra do
D. Nicolas Suarez Calhaú ou da empresa chamada Suarez y Hermanos.
Zk – Mais ou menos em que
ano foi construído o Casarão?
Francisco Matias – A partir
da metade do século 19. 1870 eles começaram a aparecer, mas, D. Nicolas Suarez
só vai surgir mesmo em 1890, quando começa o seu poderio aqui, na Bolívia no
Pará e em Londres, nesse período, constrói o Casarão que não é essa estrutura
que está aí hoje. Aos pouco ele foi fazendo, o irmão dele era quem tomava conta
do Casarão de Santo Antônio. No momento não me recordo o nome desse irmão dele
que inclusive morreu aqui em 1912.
Zk – E essa história de
Casarão dos Ingleses?
Francisco Matias – Essa
história dos Ingleses tem sentido. Depois que D. Nicolas Suarez Calhaú o
abandonou com o enfraquecimento do comercio da borracha, quem veio tomar conta
foi um grileiro chamado James Byron Chorte que inclusive foi processado em CPIs
pelo regime Militar. Ele tomou conta porque grilou essa parte e como ele era
inglês a construção ficou conhecida como Casarão dos Ingleses.
Zk – Esse cidadão James
Byron ficou por aqui até quando?
Francisco Matias – Minhas
pesquisas dizem que quando João Goulart assumiu o governo, mandou pra cá um
governador Major do exército que vai investir contra o grileiro e James Bayron
Chorte vai ser preso. Quando os militares assumiram o governo brasileiro, ele
Bayron Chorte voltou a ter prestigio e retomou as terras de Santo Antônio. Não
sei como ficou após sua morte, mas, oficialmente pertence a James Byron Chorte.
Zk – Pelo que estou vendo o
Casarão não tinha e não tem nada a ver com a Estrada de Ferro Madeira Mamoré?
Francisco Matias – Tem a ver
com a Madeira Mamoré só num sentido. Depois que Santo Antônio foi transformada
em segunda estação a estação era ali no Casarão. Eram duas estações. A estação
do Marechal Rondon e a estação da Madeira Mamoré também, porque o trem passava
ao lado, mas não é e nunca foi patrimônio da Madeira Mamoré.
Zk – Tem outra dúvida sobre
a data da construção do Casarão. Se ele já existia em 1910 porque o fotografo
Dana Merril não o fotografou?
Francisco Matias – Por um
motivo muito simples. Primeiro porque quando Dana Merril chegou aqui, o Casarão
não estava do jeito que estar hoje, era um prédio comum. Depois não era da
Madeira Mamoré. Outra, Dana Merril veio pra cá contratado pela empresa Madeira
Mamoré para fotografar o aparelhamento da Madeira Mamoré e como aquele prédio
não era da Madeira Mamoré não foi fotografado por ele.
Zk – Vamos voltar ao tempo
que a empresa Suarez y Hermanos comandava a região. Até quanto eles eram
importantes para a região?
Francisco Matias – Eles eram
os intermediários entre Santo Antônio e a cidade de Manaus, todo mundo dessa
região vendia borracha e todos os produtos aqui extraídos para eles. Eram donos
de dois seringais importantes: O Seringal Candelária-1 e o Seringal
Candelária-2. O nome Candelária é boliviano quer dizer Candeias, que ilumina!
Zk – Isso quer dizer que a
linha férrea passava por dentro das terras pertencentes a Suarez y Hermanos?
Francisco Matias – A empresa
Madeira Mamoré teve que comprar o Seringal Candelária-2 para poder construir a
Estrada de Ferro.
Zk – Existe uma corrente de
estudiosos da Madeira Mamoré que diz, que Percival Farquar desistiu da Estrada
de Ferro Madeira Mamoré não porque ela era inviável, mas, em virtude de ele ser
dono ou arrendatário de todos os seringais da região e por isso a Estrada de
Ferro foi construída para transportar a borracha produzida em seus seringais e
como o preço da borracha caiu, ele desistiu do empreendimento. Qual a sua
opinião a respeito disso?
Francisco Matias – A Madeira
Mamoré do Farquar não era só para transportar não, essa Praça Marechal Rondon
foi feita pela Madeira Mamoré, o Mercado Municipal (hoje Cultural) vendia
coisas da Madeira Mamoré. Era o monopólio da carne de gado, monopólio do leite.
A Madeira Mamoré era um grande comércio dentro do sistema ferroviário. A
Madeira Mamoré era um empreendimento que envolvia ferrovia, rodovia hidrovia e
oceano via, Farquar era dono de milhares de cabeça de gado no descalvado
mato-grossense, ele tinha na época 200 mil cabeças de gado, tudo para vender
para a região da Madeira Mamoré.
Zk – E esse homem acabou
pedindo “esmola”?
Francisco Matias – Acontece
que quando ele perdeu o poder da Madeira Mamoré em 1912, na Bolsa de Valores de
Nova Iorque ele não perdeu só a ferrovia e sim toda a estrutura de transporte e
de comércio que formava o conglomerado Madeira Mamoré. Na Bolívia, no Brasil e
nos Estados Unidos.
Zk – Por que a gente costuma
dizer quando nos referimos a Madeira Mamoré: No tempo dos ingleses?
Francisco Matias – Porque em
1912, Farquar vendeu a Madeira Mamoré para um grupo de ingleses chefiado por
Willian Cameron Forbes. Então de 1912 até sua nacionalização em 1931 ela era do
ingleses mesmo. Quer ver uma coisa, você ouve falar muito no João Barril cujo
nome de batismo é João Pedro da Rocha, esse apelido de João Barril...
Zk – Pera aí! Vamos explicar
essa história do João Barril com mais detalhes?
Francisco Matias – O Barril
agregado ao seu nome não é porque ele tinha em seu Bar um Barril de cerveja. É
porque ele era motorista de um inglês chamado, se a memória não me falha, Willian
Bar Hill e como ele andava muito com Mister Bar Hill ganhou o apelido de João
Barril. Quando o Mister Bar Hill foi embora deu o automóvel pra ele.
Zk – Se era dos ingleses
quando o Brasil assumiu sua administração o que Farquar tinha a ver com isso,
para exigir indenização do governo brasileiro?
Francisco Matias – Acontece
que apesar da empresa já pertencer aos ingleses, o Brasil ainda devia ao
Farquar, pois foi sua empresa que construiu a ferrovia e apesar dos ingleses
dominarem a empresa em 1931, Farquar ainda tinha ações da Company que era a
Madeira Mamoré. Na realidade o governo Vargas ferrou Farquar completamente ao
não pagar dívidas da Madeira Mamoré.
Zk – Vamos para outra
polêmica. Quatro de Julho é o dia da fundação de Porto Velho ou não é?
Francisco Matias – 4 de
julho é o dia do lançamento da pedra fundamental da Construção da Estrada de
Ferro Madeira Mamoré. É o dia que a povoação Porto Velho of de Madeira River
foi fundada. A prova disso está nos jornais da época.
Zk – Onde encontramos esses
registros?
Francisco Matias – No centro
de Documentação do Estado de Rondônia que fica no prédio do relógio sede da
Secel. Encontrei registro de torneio de futebol em 1926 para homenagear o 4 de
julho. Em 1916 aconteceu um jantar dos maçons também para festejar o 4 de julho.
Isso está comprovado. O 4 de julho precisa ser reconhecido como a data da
fundação da cidade de Porto Velho (naquele tempo era povoação). Porto Velha era
uma cidade americana, o nomes das ruas eram americanos. Vou publicar um artigo
e depois um livro com os nomes americanos das ruas de Porto Velho. O Bulevar
(hoje avenida) Farquar é de 1912. É preciso o povo saber que temos uma data: 4
de julho de 1907, data do lançamento da pedra fundamental do inicio da
construção da Estrada de Ferro e em conseqüência, da fundação da cidade de
Porto Velho.
Zk – E por que há quem
afirme que a construção da Madeira Mamoré só começou em 1908 e não em 1907?
Francisco Matias – Acontece
que a ordem de serviço autorizando sua construção, só foi expedida pelo governo
brasileiro em 1908, mas os trabalhos já estavam em andamento. Vale lembrar que
o mundo não era globalizado como hoje. Um telegrama para chegar aqui era um
problema seríssimo, apesar da Madeira Mamoré. Vamos dar um exemplo dos dias de
hoje: As Usinas do Madeira só receberam autorização seis meses depois de
iniciadas sua construção, imagina naquela época!
Zk - Em suma?
Francisco Matias – Quem é
contra a data de 4 de julho de 1907, é porque não pesquisa, é porque não tem
interesse em esclarecer a verdade histórica para nossa gente.
Zk – Para encerrar essa
conversa. O que o historiador Francisco Matias está produzindo?
Francisco Matias – Estou
lançando agora neste mês de abril, dois (2) livros. A quarta edição da Formação
Histórica Econômica de Rondônia e o Tratado de Petrópolis que é um lançamento
de interesse nacional. Foram 20 anos de pesquisa dos quais 10 anos só de
revisão. Fala inclusive sobre a influência do Barão do Rio Branco na construção
da Madeira Mamoré. Pra quem não sabe, ele foi o patrono da Madeira Mamoré. Ele
deu tanto azar que a Madeira Mamoré inaugurou no dia 1º de agosto de 1912 e ele
morreu no dia 1º de julho, justamente um mês antes. Ele era o convidado
especial para a inauguração da ferrovia. Daí o porquê Farquar também não veio a
Porto Velho. Na realidade a inauguração foi em Guajará Formiga.
Zk – Guajará Formiga?
Francisco Matias – Na
realidade Guajará Mirim (o nome) não existia, o nome era Estação Terminal
Mamoré que também era conhecida como “Guajará Formiga”, porque tinha muita
formiga no local do acampamento. Essa é outra história que vou contar depois!