Histórias
do Teixeirinha – O seringueiro que produziu mais 30 mil
toneladas
de borracha
O
fotografo Lobo Silva lotado na Setur/RO me apresentou um vídeo, no
qual o senhor Teixeirinha relata um pouco de sua história. O que nos
chamou atenção, foi o fato do seu Teixeirinha estar prestes a
completar 92 anos de idade e apresentar um porte físico que aparenta
muito menos. O vídeo do Lobo foi feito nas proximidades do Memorial
Marechal Rondon na Vila de Santo Antônio local para onde foi levada
a Litorina da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Teixeirinha cujo nome
de batismo é Orismar Garcia Alves faz parte da equipe comandada pelo
seu Bispo presidente da Associação dos Ferroviário da EFMM.
Gostamos da breve história do seu Teixeirinha fizemos conta e
marcamos a entrevista que aconteceu em sua residência sexta feira
passada, localizada nas proximidades da Rua União na Zona Leste. Com
aquela simpatia própria dos que se sentem felizes, Teixeirinha foi
abrindo o baú com suas histórias. O apelido Teixeirinha foi em
virtude de no início da década de 1980, ele ter participado da
Banda Os Cobras do Forró onde tocava sanfona, bateria e guitarra e
porque gostava das músicas do cantor gaúcho Teixeirinha “Aquele
do Coração de Luto”. Isto posto, as histórias foram sendo
lembradas. Orismar Garcia ou Teixeirinha fugiu da casa do seu pai em
Mossoró (RN), quando tinha menos de dez anos de idade e junto com
uma tia irmã de sua mãe, veio se embrenhar nos seringais do Acre e
depois, trabalhou por algum tempo na Estrada de Ferro Madeira Mamoré
e voltou aos seringais. “De 1945 até 2002 produzi quase 34 mil
toneladas de borracha”. Quer saber mais? Acompanha a entrevista que
segue:
ENTREVISTA
Zk
– O senhor é de onde?
Teixeirinha
– Nasci em Mossoró (RN), no dia 7 de setembro de 1927, portanto,
vou completar 92 anos de idade. Meu nome de batismo é Orismar Garcia
e o apelido Teixeirinha.
Zk
– Quando e por que o senhor veio para a Amazônia?
Tinha seringueira com um diâmetro assim |
Teixeirinha
– Vim fugido da casa do meu pai porque ele era muito perverso, se a
gente desobedecesse a peia comia. Quando estava com 8 anos de idade
as punições ficaram mais rígidas e até tiravam sangue do meu
nariz e então resolvi fugir. Tinha minha tia Luzia Alves Torres que
era irmã da minha mãe que sabia dos maltratos que eu sofria e me
convidou para vir com ela para o Acre. Foram 34 dias de viagem de
navio até Porto Velho, quando chegamos ficamos sabendo que não
tinha estrada e nem como chegar no Acre e então voltamos pra Manaus.
Pegamos embarcamos numa Chata (navio). Isso foi em 1938. Lembro que o
navio que saiu daqui pra Manaus levava muita carga; era borracha,
caucho, castanha, balata, sova, estaca, só não levava boi. Saímos
pelo rio Solimões, entramos em furos e igarapés, rio Purus até que
entramos num rio muito estreito, era o Rio Acre a sorte é que foi no
tempo da cheia e dava pra navegar.
Zk
– E no Acre?
Teixeirinha
– Desembarcamos em Rio Branco e ficamos uns 15 dias, lá
encontramos um bocado de seringueiro nativo, eram nordestinos, que já
estavam lá a muito tempo e sabiam sobre a vida do seringueiro por
isso, eram chamados de nativos. Minha tia tinha conseguido em Porto
Velho com o então diretor da Estrada de Ferro Aluízio Ferreira uma
carta de recomendação aos seringueiros do Acre. Em Rio Branco
conhecemos o seu João de Sena para quem mostramos a carta do Aluízio
Ferreira e depois de ler perguntou: “Quem é que corta seringa?”,
minha tia respondeu, ninguém, sou eu, esse menino aqui que é meu
sobrinho e mais esses outros três que são meus filhos, meu marido
morreu la no nordeste. A gente quer conhecer essa tal de seringa e
ele respondeu: Pois então vocês vão conhecer, daqui ha alguns
dias, vai chegar o barco e vocês vão subir pra Xapuri com mais 180
homens. O patrão dele era Guilherme Zaire Ltda.
Zk
– Quanto tempo o senhor ficou trabalhando nos seringais do Acre?
Teixeirinha
– Quando comecei com o seu João de Sena eu já estava com 12 anos.
Com um ano trabalhando já sabia fazer tudo, na realidade, ele me
ensinou a cortar seringa, fiz fornalha, fiz defumaceira, fiz o bujão,
coloquei a caneca, coloquei os tornos, coloquei os varões, tábua de
imprensar e enrolar a borracha, mais o tambor. Esse trabalho
chamava-se ‘Princípio’ e utilizava 22 assessórios cada uma com
seu número.
Zk
– Como se consegue aquela fumaça que defuma a borracha?
Teixeirinha
– Naquele tempo a gente utilizava a Jarina e o Tucumã se não
tivesse o Breu a gente colocava Ouriço de Castanha dentro, isso
quando não dava tempo de tirar cavaco. Quando a seringueira é
acostumada a ser cortada, ela dar aquele tanto de leite todo dia, que
nem vaca boa. Eu cortava duas estradas de 150 madeiras cada uma todos
os dias.
Zk
– Ganhou dinheiro?
Teixeirinha
– Ganhei muito dinheiro. Contavam muitas histórias de que quando o
seringueiro tinha saldo o patrão mandava matar na curva do rio. Isso
não existia, o que existia era quando o cara roubava a mulher do
outro aí terminava em tragédia. Em alguns seringais quando o
seringueiro não produzia bem, o patrão tomava a mulher dele e dava
pra outro seringueiro. Minha tia achou de cortar seringa de madrugada
e o João Sena alertou que era perigoso por causa das onças, mesmo
assim ela passou a cortar de madrugada e eu ia junto. Chegamos a
cortar mais seringa que os quatro meeiro que ele tinha.
Zk
– E o soldado da borracha?
Teixeirinha
– Quando começou a guerra eu já estava com 16 anos e a família
que tinha três filhos, dois tinham que ir pra guerra, como era eu e
minha tinha eu não fui convocado, disseram que a gente ia participar
cortando seringa que era para abastecer os aliados com borracha pra
fazer pneus e outros artefatos utilizados na Itália. “Você serão
os Soldados da Borracha” disse seu João Sena. Quando terminou a
guerra em 1945, seu João falou que não era mais necessário tanto
esforço, já que já não iam utilizar muita borracha, então ele
perguntou se a gente gostaria de ficar com ele ou com o patrão geral
que era a firma Guilherme Zaire Ltda. Ele me disse, sua tia já
arranjou um casamento e vai pra outro lugar e você? Respondi que
queria ficar na mesma colocação trabalhando para o Zaire Ltda. O
terreiro da nossa choupana vivia cheio de pelas de 70/80 quilos, fora
os bolões de sernambi. A gente também tirava castanha, caucho,
balata e tudo quanto era produto. O interessante, foi que o João de
Sena chegou e disse prevendo o futuro: “Vai chegar uma época que a
seringa não vai ter o valor que tem hoje, o que vai restar pra vocês
é a honra de ter sido Soldado da Borracha”. A colocação que eu
cortava se chamava Taboca.
Zk
– E quando foi que veio trabalhar na Madeira Mamoré.
Teixeirinha
– Em 1963 vim pra Porto Velho e me empreguei na Estrada de Ferro
onde fiquei por cinco anos, depois voltei pro seringal, só que em
Rondônia nos seringais do Machadinho, Jacy Paraná, no Rio Formoso
trabalhei para o Antônio de Souza e depois seu Gumercindo que era
delegado de polícia lá em Jacy.
Zk
– E os índios?
Teixeirinha
– Tinha muito índio, tanto nos seringais do Acre como aqui em
Rondônia só que eles não atacavam, as vezes a gente encontrava o
sinal que eles deixavam, eram duas cruzetas, se tivesse com alguma
coisa branca não tinha problema a gente podia passar, agora, se
tivesse com algum adorno vermelho era melhor não arriscar,
particularmente comigo nunca aconteceu nada e nem eu vi acontecer com
outros seringueiros.
Zk
– Qual era seu trabalho na Madeira Mamoré?
Teixeirinha
– Era estivador. Carregava os vagões com borracha, castanha,
colocava lenha. Viajava muito fazendo esse trabalho daqui a Guajará
Mirim, não tinha hora pra gente carregar o trem. Levei muita ‘pisa’
de formiga de fogo de tanto carregar castanha nas costas.
ZK
– Por que deixou de trabalhar na EFMM?
Teixeirinha
– Porque eu ganhava pouquinho, então voltei pro seringal que o
dinheiro era bem melhor. Na realidade eu não era funcionário da
Estrada de Ferro, ganhava por produção “Estivador”,dai voltei
pro seringal depois de cinco anos.
Zk
– Por quanto tempo o senhor ficou trabalhando em seringal?
Teixeirinha
– Nessa nova fase como seringueiro, fiquei até 2002. Voltei pra
cidade e fui trabalhar no governo federal no IBAMA, Sedam, Florestal,
COE. Eu fazia parte do 1º Conselho Fiscal do Meio Ambiente Federal.
Quem me apresentou foi a Associação dos Seringueiros de Jacy
Paraná. Foram me buscar e olha que eu morava muito longe da cidade,
dava três dias de viagem de Jacy a colocação que eu estava, ficava
lá no alto, era o derradeiro seringueiro.
Zk
– Pelo visto a maior parte da sua vida foi dentro do mato. Não tem
história de bicho feroz, lenda do mapinguari, curupira, matinta
pereira essas coisas?
Teixeirinha
– Matinta Pereira tem muita, Gogó de Sola a gente matava no
terreiro de casa o bicho era atrevido. A gente comia qualquer tipo de
caça que aparecia. Era o jacu, mutum, nambu (nos vários tipos),
anta, paca, etc.
Zk
– O Senhor se casou no seringal?
Teixeirinha
– Casei em 1982 com uma mulher chamada Eugênia da Silva Alves aqui
em Porto Velho e quando foi em 1991 ela faleceu, a gente já vivia
antes mesmo de casar. Foram 27 anos de convivência amorosa. Depois
disso não casei mais porque não existe mulher pra homem sério.
Zk
– O senhor me disse que ainda namora com 92 anos de idade?
Teixeirinha
– Fico com alguma mulher mais de passagem, responsabilidade de
viver junto não quero não. Lhe digo uma coisa, se aparecer na minha
frente eu não dispenso. Se for mulher pode vir quente que eu ainda
estou fervendo. Me sinto como um menino de 45 anos, agora esses dias
consegui uma.
Zk
– Qual é o segredo?
Teixeirinha
– É não comer as coisas que não fazem bem pra saúde. Se
alimentar com, fruta e verdura. É um macarrão bem escorrido cozido
com batata e banana frita e quiabo.
Zk
– O senhor disse que prepara umas garrafadas. Pra que?
Teixeirinha
– Pra pessoa ficar com os nervos duros. Serve prum bocado de coisa.
Eu mesmo preparo, tem um ingrediente (planta), que só tem em Jacy. A
bicha levanta até defunto. É por isso que a mulherada gosta de mim.
Zk
– E sua amizade com o Seu Bispo da Associação dos Ferroviários
da Madeira Mamoré?
Teixeirinha
– O Bispo eu conheço de muitos anos. Vi o Bispo trabalhando ainda
na década de 50/60 no Alto Rio Candeias acima das cachoeiras. Eles
traziam a borracha tudo na corda, que era pra não perder quando
descesse a cachoeira. De uns três anos pra cá, voltei a trabalhar
na Estrada de Ferro já com o Bispo presidente da Associação.
Voltei porque gosto da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Quem está
lá nos dias de hoje, é porque têm amor pela Ferrovia. Hoje são
poucos os ferroviários natos, hoje são os filhos. Existe ainda o
Bispo, eu e uns poucos que viveram no tempo do trem até Guajará.
Saudades!
Nenhum comentário:
Postar um comentário