O primeiro desfile do Bloco da Cobra
Vamos continuar contando
a história do carnaval em nossa cidade capital. Hoje vamos falar sobre o
primeiro desfile do Bloco da Cobra assim como acontecia o ritual de introdução
dos neófitos e fatos pitorescos que ajudaram o Bloco da Cobra a despertar
curiosidades em todos os foliões de Porto Velho.
Primeiro desfile
...Durval Gadelha, esquecendo aquela
sua pacatez peculiar, deu um salto por sobre os degraus da escada e lá de baixo
fez um desafio para o resto da turma:
- Agora, cambada, vamos arrastar esta
minhoca até lá em cima e de lá até a cidade, na marra?
Nem mesmo acabou de falar, a turma já
estava lá em baixo, com ele, agarrando a cobra que ainda se mexia, resistindo à
ação dos primeiros COBREIROS que Porto Velho iria conhecer naquela tarde
cinzenta de domingo de carnaval. (Conta Cláudio Feitosa em Gente da Gente no
capítulo O Bloco da Cobra pág. 127 a 143).
Bom! Chegaram ao centro da cidade por
volta das cinco horas da tarde, mais pra lá do que pra cá, estacionaram o Jeep
em frete a casa do Elias e haja luta para desembarcar a Boiúna que nada-mais
nada-menos tinha aproximadamente 7 metros de comprimento. Como se fosse um
troféu e no maior esforço do mundo Elias Juayed, Durval Gadelha, Câmara Lema e
Zé Reis (Papagaio), colocaram a “Bicha” nos ombros e saíram exibindo pela
Avenida Sete de Setembro local onde estava acontecendo os desfiles
carnavalescos naquele ano. Esse foi o primeiro desfile do Bloco da
Cobra.
Ainda recorrendo ao livro “Gente da Gente”
de Cláudio Batista Feitosa no capítulo “O Bloco da Cobra” (pág 127 a 143),
encontramos a seguinte narração: “Aos domingos de carnaval, os cobreiros
costumavam esquecer seus títulos, patentes, cargos ou funções, logo de manhã,
ao ingressarem no “Templo da Boiúna ou da Cobra”: o prédio da usina de
beneficiamento de arroz do cobreiro Abel Marques, ali na Av. Sete de Setembro.
Antes, aos sábados, organizavam-se os preparativos de um ritual especial, ao
qual se submetiam aqueles que ousassem candidatar-se ao ingresso, no séquito da
“SERPENTE
RAINHA E SOBERANA”.
Finalmente, vencidas as provações,
neófitos e veteranos cobreiros se confraternizavam comendo e bebendo do melhor
carneiro e do melhor uísque, até as cinco da tarde, horário em que costumavam
receber a visita, incorporada, do Prefeito da Capital e do Governador do
Território. O primeiro sobraçando a Taça
de Campeão do Carnaval do Ano. Em seguida, pelo segundo, sob os aplausos
acalorados da maioria e de manifestações exageradas de alguns poucos,
felizmente contidos pelos mais sóbrios. A entrega da taça por antecipação era
um direito líquido e certo do Bloco da Cobra, ato considerado justo e perfeito
pela maior parte dos cobreiros. Ali mesmo, para brindar o acontecimento a dita
cuja taça (sempre em forma de cálice) passeava de boca em boca, inclusive das
autoridades, com o melhor uísque escocês.
Despedidos os visitantes, a enorme
cobra (agora uma alegoria empalhada), indócil, uma parte ainda no chão e a
outra já trepada nos ombros de alguns cobreiros mais exaltados, aguardava o
toque do clarim do Moraes e do pipocar dos foguetes, para então, tendo a frente
Raul Almeida ou Benedito Rondon vestido de baiana e portando um estandarte
improvisado, sair orgulhosamente montada nos cobreiros, tisnados, vestidos de
alegria e descontração, pelas ruas de Porto Velho.
As crianças se assombravam, algumas
mulheres menos avisadas desmaiavam de medo, mais de um modo geral, a população
aplaudia a passagem entusiástica do Bloco da Cobra, evoluindo, dançando sem
ritmo, sem música, sem ordem e sem obediência ao rígido esquema de segurança da
polícia e de apresentações das agremiações carnavalescas, planejado
cuidadosamente pela Prefeitura Municipal de Porto Velho que incluía, passagem
obrigatória perante o palanque oficial das autoridades”, escreve Feitosa.
O ritual de introdução dos neófitos
Em virtude das condições sociais dos
cobreiros, muitas pessoas faziam de tudo para entrar para o Bloco, coisa que
não era tão fácil assim não.
Primeiro o candidato a cobreiro teria
que ser apresentado por um membro antigo e conceituado entre os demais, passado
nessa primeira etapa, teria que se submeter ao famoso teste, que geralmente
acontecia no sábado de carnaval.
O teste consistia no seguinte: O
carrasco (Manelão) ordenava que o candidato se posicionasse sentado em um
tijolo no “Rabo da Cobra” enquanto o presidente ficava na “Cabeça da Boiúna”.
Era servido ao candidato, primeiramente uma dose cavalar de uísque, uma de
cachaça e uma jarra de cerveja, isso sem dar tempo ao cidadão de respirar.
Engolida a última golada, o Carrasco entregava ao candidato a famosa “914”, que
era a mistura de todas as bebidas disponíveis no recinto inclusive vinho.
Manelão que foi o Carrasco por muitos anos, conta que muitos não conseguiam se
levantar para receber o abraço de aprovado do presidente que estava postado na
cabeça da Cobra. “Acontece que depois de beber toda aquela mistura, o candidato
tinha que seguir caminhando com as pernas entre a Cobra e sem poder tocar no
couro até o presidente. Se ele conseguisse fazer esse percurso, era recebido
como cobreiro no domingo de carnaval” conta Manelão.
Historias pitorescas dos cobreiros
O Dr. Abílio Nascimento, contava
Manelão, sempre conseguia ludibriar a diretoria da Cobra para não passar pelo
teste etílico, ele sempre apresentava um atestado médico dizendo que não podia
beber bebida alcoólica porque era cardíaco. Isso durou uns três anos, até que o
presidente Hortência Simplício reuniu a turma e decretou: “Este ano o nego Abílio não
escapa do teste”. Dizendo isso, virou-se para o Carrasco Manelão e deu
a ordem: “Você é o responsável pela execução - executeis”. Por via das dúvidas
o capitão Maravalha ou Carne Seca, nascido Francisco Braga de Paiva,
seringalista conceituado, providenciou 20 litros de leite de vaca in natura e
entregou ao Manelão. Dr. Abílio teria que beber no mínimo 5 litros daquele
leite. Na hora marcada lá estava o carrasco com o balde e uma jarra de um
litro. “O Abílio tinha que beber de uma golada só”, foi a primeira,
tudo bem, serviu a segunda, na terceira ele começou a ‘enguiar’, mas conseguiu
chegar até o fim. Na quarta jarra, ou seja, quarto litro de leite, quase não
termina, só terminou porque o carrasco usou de suas prerrogativas “terçadais”.
O resultado disso tudo, foi que o Dr.
Abílio não conseguiu desfilar pelo bloco naquele ano, em virtude de uma
“caganeira” que o deixou sem poder levantar do vaso sanitário durante todo o
domingo de carnaval.
Outra história contada pelo Manelão –
O Dr Luiz Gonzaga além de membro do Bloco da Cobra era prefeito de Porto Velho
quando o Coronel Guedes era o governador. No domingo de carnaval, Dr. João de
Deus ficou na espreita da chegada do governador que iria entregar o troféu de
campeão do carnaval daquele ano. “Era para o João nos avisar da chegada do
governador para pararmos com a “putaria”. Acontece que João de Deus por
três vezes gritou que o homem estava chegando e era mentira. Quando o
governador chegou de verdade, João de Deus gritou avisando e então o Luiz
Gonzaga pensando que era mais uma brincadeira começou a “esculhambar” o
governador, de costas para a entrada, quando ele viu, Humberto da Silva Guedes
bateu em seu ombro dizendo: “Vamos proceder a solenidade de entrega do
troféu prefeito”
Curiosidades do Bloco da Cobra
Após o couro daquela cobra morta no
Tokilândia se acabar, o Capitão Maravalha passou a trazer todos os anos do
seringal São Sebastião de sua propriedade, o couro de uma cobra que medisse
pelo menos cinco metros.
Depois o Claudio Feitosa mandou fazer
uma Cobra de Lona medindo 8 metros de comprimento por 1.5 metros de espessura,
mais tarde teve que aumentar para 12 metros, em virtude da quantidade de
cobreiros que aumentava todo ano.
Uma das curiosidades do povo era
querer saber qual a tinta que os cobreiros utilizavam para pintar seus corpos.
Acontece que Abel Marques, Claudio
Feitosa, Hortêncio Simplício, Francisco Paiva e muitos outros cobreiros de
ponta, faziam publicar no jornal Alto Madeira, que “A tinta dos cobreiros era
importada da Groelândia e era feita com óleo de baleia, misturado com areia
monazítica tirada das terras onde ficava o alambique da cachaça “Mula Manca”,
na estrada que vai pra Guajará Mirim”.
Na realidade a tinta era uma mistura
de óleo de cozinha com óxido de ferro – pó de ferro (que era conseguido nas
oficinas da Madeira Mamoré). Depois de misturada com óleo de cozinha normal,
rendia muito e era fácil de passar. “Tirar aquela tinta é que era difícil.
Muitas vezes a gente passava de 15 dias ainda com a orelha preta”, lembra
Claudio Feitosa.
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