O ambulante da Rafael com a Calama
Quem deu a dica foi o
fotografo Jota Gomes. “Zekatraca, conversa com aquele velhinho da banca de
tucupi. Acho que as histórias dele darão uma boa matéria”. Fui lá na quarta
feira de cinzas e seu João Balbino me recebeu dizendo: “Freguês essa macaxeira
acabou de chegar é da ‘manteiga’ boa de comer cozida com café preto”. E sem que
eu dissesse o motivo da minha visita, foi contando histórias da sua vida. “Sou dono das terras onde mataram aquela
irmã Dorothy
tenho recibo de compra”. Foi então que pedi autorização para gravar e ele
permitiu. O papo durou quase uma hora e só não foi além, porque começou a
chegar freguês querendo comprar molho de pimenta, verdura, e a famosa macaxeira
‘manteiga’. Seu João é pai de um bocado de filhos, tem até oficial reformado da
PM entre outros, tem também a história muito interessante de um filho formado
em Recursos Humanos
Quer saber mais sobre o ambulante da Rafael
com a Calama? Acompanha a entrevista que segue:
ENTREVISTA
Zk – O senhor é de onde?
João Balbino – Nasci em
Canindé no estado do Ceará em 1932, no dia 8 de março. Minha infância foi
trabalhando com meu pai conduzindo 50 burros com algodão. Catuba, Caixão,
Torres, Maranguape, Acarape tudo era lugar que a gente pegava algodão pra levar
pra Fortaleza.
Zk – E quando foi que o
senhor veio para a Amazônia?
João Balbino – Vim em 1943,
como Soldado da Borracha. Do Ceará vim direto pra cá pra Porto Velho. Lembro
dos navios Aquidabã, Eduardo Ribeiro, Almirante Alexandrino, Chata Cuiabá,
Almirante Barroso, Lauro Sodré e Augusto Monte Negro.
Zk – Quem fez a convocação?
João Balbino – Atendemos a
convocação de Joaquim Cardoso de Magalhães Barata. Na realidade quem fez tudo
isso foi o presidente Getúlio Vargas. Meu pai ao chegar aqui, não gostou da
cidade e foi cortar seringa lá em Fordlândia para uma companhia americana, eu
não fui com ele não, fui pra Santarém de onde embarquei para Curuatinga que era
um grande seringal daquele fazendeiro que matou a Irmã Dorothy e
muita gente. Eu trabalhava num trecho por nome Livramento uma colocação que
tinha mais de 400 seringueiros, a colocação que escolhi pra trabalhar, tinha o
nome de Tacimba. Entrei em 1949 pra esse seringal e sai em 1952 O velho José
Estevam Pereira da Silva que era o dono do seringal onde ficava essa localidade
adoeceu, chamou o filho dele e pediu pra gente leva-lo pra Santarém, passamos
19 dias numa canoa de baixada no rumo de Santarém.
Zk – E nesse intervalo entre
43 e 49 o senhor estava aonde?
João Balbino – Estava
explorando as três divisões Para, Amazonas e Mato Grosso. Parati, Juruena e São
Manuel, são três rios. Devo esclarecer que sou Seringueiro cadastrado e dos
bons, minha safra era de 1,5 Tonelada, todos os anos. Lá não tinha esse negócio
do patrão mandar matar o seringueiro que tinha saldo, basta lembrar que em 1952
tirei um saldo 14.780,00 Cruzeiros, esse dinheiro aqui ainda estava valendo
(mostrando cédula de Cruzeiro).
Zk – E quando foi que o
senhor veio de vez pra Porto Velho?
João Balbino – Foi em 1980,
vim fazer um serviço aqui de levantamento de estrada, como mateiro. Nunca
estudei, mas, meu currículo aonde vai é abençoado por Deus. Na prática sei o
que estou fazendo. Na época vim trabalhar na Estrada Brasília/Acre a 364 de
hoje, Quando terminei o trabalho aqui, ganhei um bom dinheiro, fui a Brasília e
comprei uma casa no Gama. Quando terminou o serviço aqui fui pra Itaituba e lá
encontrei um amigo antigo, o Tibiriçá que perguntou pra onde eu ia e respondi
que ia pro garimpo de ouro e ele pediu preu levar uma carga pra ele como piloto
de barco e então levei carga até o Cuiucuiu no rio Tapajós deixei outra carga
no Caneirinho outro garimpo, depois voltei pra Santarém e fui trabalhar de
açougueiro, minha vida sempre foi assim, até hoje você ver eu aqui nessa
banquinha, hoje comprei banana, macaxeira (manteiga), e aqui tem molho de
pimenta, verdura etc. Sei que já não estou tão bem assim, peguei uma doença nas
pernas e outro dia cheguei a cair.
Zk – Para sua idade de quase
90 anos o senhor estar em forma?
João Balbino – Furei muita Copaíba
e o cara que tira óleo de Copaíba tem que beber pra sugar o líquido do seio da
madeira e isso faz muito bem à saúde. Onde trabalhava cortei muita Balata,
Leite de Maçaranduba, Coquirana. Tive três mulheres e todas morreram. Casei de
novo e tive sete filhos, e me divorciei.
Zk – O senhor é aposentado?
João Balbino – Sou
aposentado como soldado da borracha. O documento diz que prestei 52 anos de
serviço. Olha só, o local onde mataram a Irmã Dorothy o
terreno é meu, tenho o recibo de compra, na realidade, foi o pagamento do meu
saldo, naquele tempo era Casa Coimbra que aviava a gente, só sei que tenho
recibo comprovando que aquela terra é minha. O Sindicato sabe desse documento,
inclusive prometeram me dar umas terras aqui em troca das de lá, vamos ver se
sai antes da minha morte. Tava doido que a Usina de Belo Monte passasse pelo
menos um quilometro dentro das minhas terra, pois, aí eu pegava a ficha
(dinheiro) boa.
Zk – E hoje o senhor fica
aqui nessa banquinha. Da pra ganhar algum?
João Balbino – Aqui é só pra
passar o tempo. Pra não ficar em casa sem fazer nada. A vida de aposentado não
é muito boa não, principalmente pra quem é ativo como eu. A gente tem que
procurar fazer alguma coisa pra não cair no tédio. Tem uma história
interessante que aconteceu com um filho meu.
Zk – Vamos contar?
João Balbino – Ele é
formado em Recurso Humano, mais não conseguiu emprego na sua área. Conseguiu
emprego de vigia num hospital, fez curso passou e trabalhou seis meses. Um dia,
sem ter recebido um tostão, foi trabalhar barbudo, cabeludo aí o chefe chamou sua
atenção: “Jone não é assim, pra trabalhar tem que vir todo bonitinho” e meu
filho respondeu, como posso vir bonitinho se até agora não recebi nada, vivo à
custa do meu pai, foi então que o cara falou: “Jone vai fazer uma faculdade pra
tu ser gente!” Aí meu filho tirou o certificado da faculdade de Recursos Humano
e disse, pois não, a minha formação está aqui, mostre a sua? Foi desse jeito.
Essa é a minha história, cheia de altos e baixos, mas, é totalmente feliz.
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