O
soldado da borracha marceneiro
foto de Jota Gomes |
Sexta feira passada (17),
após várias tentativas, consegui conversar com seu Armando Borges que completou
90 anos de idade, no dia 4 de dezembro do ano passado. “Nasci em 1926, em São
José da Praia no baixo rio Madeira”. A conversa fluiu assim como as histórias
vividas principalmente nos seringais de Vila Murtinho e Bolívia. “Sou
aposentado como soldado da borracha”. Seu Armando ficou famoso mesmo, foi como
marceneiro, profissão que exerceu até bem pouco tempo. Morou em Guajará Mirim
onde conheceu a fina flor dos gregos além das histórias do famoso Capitão
Alípio. Comeu muita cigana (ave) como se fosse galinha, encarou uma onça
pintada e venceu a parada. Quem nos colocou frente a frente, foi seu filho
Marciso presidente do Sindicato dos Despachantes.
Demorou mais valeu a pena
esse nosso encontro.
ENTREVISTA
Zk – O senhor nasceu onde e quando?
Armando Borges – Nasci em
São José da Praia no baixo rio Madeira, no dia 4 de dezembro de 1926. Andamos
por muitos cantos, e terminamos por morar no Lago do Cuniã aonde meu pai veio a
falecer quando eu estava com 16 anos. Com a morte dele, fomos para Conceição do
Galera que era de uma irmã do meu pai a tia Raimunda Dias.
Zk – Vocês viviam de que?
Armando Borges – A gente
plantava tabaco e tirava lenha pra navio. Depois fui morar na Boca do Lago do
Antônio, no Amazonas onde me casei quando estava com 18 anos, com a Amazonina
Nogueira uma prima minha, tivemos 11 filhos dos quais criamos nove.
Zk – Quando o senhor veio de
vez para Rondônia?
Armando Borges – Em 1954
passei por Porto Velho no rumo do Ribeirão e lá consegui emprego como cassaco
na Estrada de Ferro Madeira Mamoré onde só fiquei por seis meses. Fui trabalhar
no SPI – Serviço de Proteção ao Índio como encarregado do Posto Indígena nas
Cachoeiras do Rio Lage.
Zk – Fale sobre sua vivencia
nesse posto do SPI?
Armando Borges – Lá eu era
médico, enfermeiro era tudo. Dava uma malária medonha e quem tratava era eu na
base do Aralém injetável ou pílula. Em 1959 pedi demissão do SPI.
Zk – O senhor chegou a
trabalhar em seringal, cortando seringa?
Armando Borges – Se for
falar em seringal rapaz, não paro hoje não! Como seringueiro trabalhei no
Amazonas, aqui no Rio Laje que fica nas terras do hoje município de Nova
Mamoré. Cortei seringa por mais de 20 anos.Trabalhei como seringueiro até na
Bolívia no seringal do Augusto Lopes. Sou aposentado há 18 anos como Soldado da
Borracha.
Zk – É verdade que o os
seringalistas mandavam eliminar o seringueira que tirava saldo?
Armando Borges – Ouvia
falar, mas, nunca aconteceu, pelo menos nos seringais que trabalhei. Também
falavam que quando o seringueiro não produzia o suficiente para sanar suas
contas, o patrão lhe tomava a mulher e dava prum seringueiro considerado bom.
Zk – Como era a rotina do
seringueiro?
Armando Borges – Dependendo
a localização da Colocação a gente saia para a estrada de seringa uma/duas
horas da madrugada. A rotina é a seguinte: sai de madrugada pra cortar volta
pra casa e depois vai colher o leite e quando chega vai defumar pra fazer a
pela. A casca do coco babaçu é a melhor para fazer fumaça para a defumação, o
cavaco de carapanaúba também é bom.
Zk – Como funcionava o
abastecimento de gêneros alimentícios pra vocês seringueiros?
Armando Borges – Nos
seringais do Sebastião Clímaco em Vila Murtinho ele mandava levar na nossa
colocação em costa de animais. A gente recebia manta de charque, farinha,
feijão, goiabada, banha de porco em lata, essas coisas de primeira necessidade,
Zk – É verdade que Vila
Murtinho era a maior estação de embarque de borracha da Estrada de Ferro
Madeira Mamoré?
Armando Borges – Era o maior
porto de embarque de borracha que vinha da Bolívia. O pátio da Estação do trem
ficava abarrotado de borracha que embarcava nos vagões e vinha pra Porto Velho.
Zk – E quando foi que o
senhor fixou residência em Porto Velho?
Armando Borges – Em 1970 vim
morar em Porto Velho, trabalhei dois anos como ajudante de marceneiro aprendi a
profissão e trabalhei até bem pouco tempo como profissional marceneiro. Por
algum tempo trabalhei em Guajará Mirim.
Zk – Quando o senhor veio
morar definitivamente em Porto Velho como era a cidade?
Armando Borges – A vida em
Porto Velho era um pouco difícil, a cidade era só até a Jorge Teixeira que a
época era chamada de Avenida Kennedy. Ao tempo que a vida aqui era difícil, era
mais fácil, porque pelo menos não tinha a ladroagem que tem hoje.
Zk – E a política?
Armando Borges – Conheci o Aluízio
Ferreira ele foi chefe da Estrada de Ferro, foi governador, deputado federal
foi o manda chuva daqui. Também conheci o Vicente Rondon que foi governador e
ganhou à eleição em cima do candidato do Aluízio. Fiz campanha pro Rondon.
Naquele tempo a política era mais bacana tinha os comícios que eram muito bem
frequentados pelos correligionários dos candidatos. A apuração é que era
estressante, porque durava muitos dias, a gente ficava ali na Praça Rondon em
frente ao Fórum que ainda tinha o nome de Rui Barbosa (hoje é Fuad Darwiche) e
tinha um alto falante por onde a gente ficava ouvindo a contagem dos votos. Lembro
que na eleição que o Renato Medeiros foi candidato a deputado federal e tinha
como suplente o Miguel Chaquiam e o Aluízio Ferreira tinha como suplente o
Paulo Leal o locutor anunciava voto a voto dizendo o nome dos candidatos:
Aluízio e Paulo; Renato e Chaquiam. Só que naquela eleição o Aluízio deu uma
pisa no Renato e o negócio se transformou em gozação: Depois que anunciava mais
de dez votos para Aluízio e Paulo o locutor citava um para Renato e Chaquiam e
o povo na Praça Rondon passou a falar: “Alisa o Pau”, Renato Chateando. Na
eleição seguinte o Renato ganhou do candidato Ênio Pinheiro ai veio a revolução
e cassou o mandato dele.
Zk – O que se comia nas
estações onde o trem fazia parada?
Armando Borges – Naquele
tempo o que mais se comia ao longo da linha de ferro era carne de caça paca,
tatu, veado, porco do mato, e de ave mutum, inambu e cigana. Comi muita Cigana
como se fosse galinha, principalmente na estação de Jacy Paraná. As banqueiras
serviam carne de cigana por sinal muito boa e diziam que era galinha. Outra
comida que serviam muito era tartaruga e tracajá, pense numa comida gostosa.
Zk – O senhor foi boêmio.
Frequentou bailes, festas?
Armando Borges – Gostava
mesmo era das festas do interior aquelas de “pau e corda.
Zk – O senhor teve alguma
namorada boliviana já que trabalhou nos seringais bolivianos e morou em
Guajará?
Armando Borges – Não, não
tive namorada boliviana. Diziam que as bolivianas tinham um negócio de dizer
aos homens com quem saiam para namorar: “Se me queres, que me tombe”.
Zk – O senhor além de mulher
teve algum outro vicio?
Armando Borges – O cigarro.
Fumei muito, beber bebia pouco, jamais fiquei bêbado. Parei de beber em 1957 e
de fumar só em 1980. Fumei desde os 12 anos, no inicio era tabacão para
espantar os mosquitos, depois passei a fumar esse cigarro cheio de química e me
viciei.
Zk – Hoje o senhor é casado
com quem?
Armando Borges – Minha
mulher é 51 anos mais nova que eu é minha querida Raimunda Reis. Como é bom ter
uma pessoa como ela. Amo minha mulher.
Zk – Foi muito bom ouvir sua
história.
Armando Borges – Me criei na
beira do Madeira comendo jatuarana, tambaqui, sardinha, pacu, tudo é peixe de
primeira classe. Peixe de couro, só filhote de piraíba.
Zk – O senhor foi caçador?
Armando Borges – Gostava de
caçar sim, fazia espera para matar paca e outros bichos do mato. Dessa idade
que estou, nunca matei uma anta, matei uma onça e três gato maracajá.
Zk – Como foi o encontro com
a onça pintada?
Armando Borges – Eu ia
andando numa estrada ali onde hoje é Nova Mamoré, tinha uma colocação de
seringa do Sebastião Clímaco e eu estava sozinho lá, minha família ficou em
Vila Murtinho por causa da escola dos meninos. Ia cortando seringa, faltava
três madeira para acabar. E tinha um igarapézinho que tinha que atravessar,
quando olho pro lado, vejo uma onça pintada em cima de um tamanduá colete, bem
pertinho, peguei a espingarda e atirei. Peguei a espingarda pelo lado que não
sabia atirar, o medo foi tão grande que atirei e acertei dentro do olho dela.
Tirei o couro e fui vender na Bolívia.
Zk – E a saúde aos 90 anos?
Armando Borges – Agora mesmo
fiz uma bateria de exames, não deu nada, graças a Deus. Para a juventude digo
que tenham cuidado, evite usar droga, perder muito sono, evite beber demais, o
vicio do cigarro e o mais importante, estudar e estudar.
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