Eterno
presidente do Beron e outras histórias
Domingo dia 9 passado,
cobrindo a XX edição do Festival Folclórico de Guajará Mirim – Duelo na
Fronteira aproveitamos a folga matinal e fomos até o Hotel Pakaas Palafitas
Lodge com o intuito de entrevistar o seu Paulo
Saldanha. De cara o gerente nos informou que ele não se encontrava, mas,
perguntou sobre o assunto e após nos identificarmos e dizer sobre o objetivo da
nossa visita, resolveu chamá-lo. Foi então que fomos recebidos (eu e o
fotografo Roni Carvalho) com um sorriso do tamanho do Vale do Mamoré/Guaporé e
aquele abraço longe de ser de tamanduá. Após alguns minutos de conversa Paulo
pediu licença, foi lá dentro e ao retornar, nos entregou os exemplares dos
livros de sua lavra: “Crônicas Guajaramirenses” e “O Alferes e o Coronel” recém
lançado, mais o livro escrito pelo seu pai Paulo Saldanha Sobrinho, “Fatos,
Histórias e Lendas do Guaporé” alertando: “Quando for a Porto Velho vou
cobrar a leitura desses livros”. Daqui a pouco chega o motivo da preocupação do
gerente do hotel, Euro Tourinho Filho o Eurinho que estava visitando o
empresário historiador, agora a conversa ficou mais interessante, pois
estávamos diante de dois conhecedores das histórias da região do Madeira/Mamoré
e Guaporé.
Bem melhor do que isso, é
acompanhar a entrevista com o eterno presidente do Beron Paulo Cordeiro
Saldanha.
ENTREVISTA
Zk – A família Saldanha
chega a região do Vale do Mamoré/Guaporé quando?
Paulo Saldanha – Meu tio avô
veio a primeira vez aqui, quando nossa Estrada de Ferro de saudosa lembrança,
chega a Bananeiras pelo lado onde estavam construindo a ponte de ferro e ele
veio acompanhando um cidadão que era amigo do Percival Farquar, chamado Geraldo
Rocha engenheiro e dono de um jornal chamado “A Noite” no Rio de Janeiro. esse
cidadão veio fazer uma matéria sobre a construção da ferrovia e outras
informações. Isso aconteceu em 1911. Acontece que meu tio avô depois Coronel
Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha (meu nome é em homenagem a ele), era militar
com a patente de Alferes porém licenciado, e tinha sido deputado estadual pelo
Amazonas. Esse homem - eu queria ter sido 2% do que ele foi. Rondônia comete
algumas injustiças em relação a ele porque se nós nos transformamos em
Território Federal, deve-se a liderança dele. O professor Abnael Machado
conhece essa história, mas, os neos historiadores se negam creditar a liderança
dele à criação do Território Federal do Guaporé. O movimento nasceu em Guajará
Mirim em 1937. É claro que ele foi o líder, porém, muita gente, a população
pequena assinou maciçamente o manifesto.
Zk – O senhor falou em 1911
veio pela primeira vez e definitivamente?
Paulo Saldanha – Acontece
que antes de assumir o parlamento, mas, já eleito, ele se envolveu num duelo
com um cara em Manaus bem na esquina da avenida Eduardo Ribeiro com a Henrique
Martins, onde eu trabalhei como gerente do Banco da Amazônia. Ele atirava muito
bem e matou o cara. Em consequencia acabou não sendo reeleito e ficou a procura
de desafio e o desafio foi dado pelo Percival Farquar que lhe deu a incumbência
de criar, instalar e implantar a Guaporé Rubber Company. Foi então que ele
voltou nos anos 1912/13 para implantar, segundo Matias Mendes, a segunda
empresa de navegação, a primeira teria sido de Balbino Antunes Maciel e eu acho
que o Matias tem razão, porque o Balbino já desde 1905 de Vila Bela até aqui de
motor. Só que Guaporé Rubber transportava mercadoria e transportava gente e o
Balbino só mercadoria e aí ele foi ficando e criou a primeira escola: Coronel
Saldanha, primeira igrejinha que está la até hoje. Quando Dom Rey chegou em
1932, encontrou a igreja pronta, ele fez a torre e pois o sino, até hoje tem a
cruz que foi implantada pelo tio avô Coronel Saldanha. Ele ajudou Dom Rey na
construção do primeiro hospital, eles eram uma dupla muito produtiva para
beneficiar Guajará, ele trouxe pra cá o professor Carlos Costa que foi também
um benfeitor da cidade. Bem! Ele acabou ficando com a Guaporé Rubber por força
da amizade dele com o pessoal do Percival e com Geraldo Rocha e depois ele
vendeu pro governo federal implantando a linha Guajará Vila Bela.
Zk – É verdade que ele
receitava medicamentos para os enfermos?
Paulo Saldanha – Nas horas
vagas, quando ele ia ao Rio de Janeiro, se “internava” num hospital, pra
recolher as últimas informações sobre medicina, de lá trazia remédios. Lembro
que minha família falava na Tebrina e Paludam. Ele procurava curar as pessoas
sem cobrar nada, aprendeu a fazer pequenas incisões e também era dentista.
Naquele época não tinha, só depois chegou Mendonça Lima, Rocha Leal que tinham
formação acadêmica.
Zk – A Guaporé Rubber era
especializada no transporte de que?
Paulo Saldanha – Ela foi
criada para transportar borracha, mas embarcava também Ipecacuanha, Castanha,
Poaia e Couro. Na época esses produtos davam o lucro que ela precisava para se
auto-sustentar.
Zk – Como foi o
relacionamento dele com o Cândido Mariano da Silva Rondon?
Paulo Saldanha – Nesse meio
tempo, ele que já conhecia Rondon e o recebeu em Guajará. Ele usava o poder
político que tinha, por exemplo, para unir os dois países Brasil/Bolívia, pois,
sempre tinha conflito por conta da alfândega. Ele cunhava a seguinte frase: “Por
que vamos brigar por migalha, estamos aqui no último lado da geografia, então
vamos nos unir para que nossa pobreza seja menor”. Ganhou em função do apoio
que dava a saúde do outro lado, a maior comenda do governo da Bolívia a Medalha
“Condor dos Andes”, eu soube que ele se emocionou muito com o discurso do
presidente boliviano que veio a La Banda entregar a medalha.
Zk – Qual o envolvimento da
família com esporte, já que existem dois estádios de futebol com o nome
Saldanha. Em Guajará o João Saldanha e em Porto Velho o Paulo Saldanha?
Paulo Saldanha – Você vai
para a história do Clube Ypiranga e ver que meu tio avô Paulo Saldanha foi
presidente não lembro se em 1916 ou 17 e mandou construir o muro e as
arquibancadas do estádio de futebol que depois recebeu o seu nome. Ele tinha influencia em Guajará Mirim, na
Bolívia, no Amazonas, no Mato Grosso e em Porto Velho.
Zk – Como foi a história da
primeira eleição para deputado federal do Território Federal do Guaporé. É
verdade que ele ganhou mais não levou?
Paulo Saldanha – Se você se
dar com o Luiz Tourinho ou com o Euro Tourinho que estão aí vivos, eles vão lhe
dizer que houve fraude naquela eleição em cima da ingenuidade do meu tio avô,
que acreditava que não haveria fraude na eleição. Um personagem muito
respeitável participou da troca de cédula (votos).
Zk – Tem alguma coisa de
antes dessa eleição que o senhor quer acrescentar?
Paulo Saldanha – Em 1932 meu
tio João Saldanha veio pra Guajará e ficou ajudando Paulo Saldanha na
navegação, 1934 ele foi servir o exército em Manaus em 1935 meu pai Paulo
Saldanha Sobrinho e aí chegou a Núzia Saldanha minha tia que foi secretária por
muitos anos da prefeitura, minha tia Corina que está viva aos 96 anos em Porto
Velho e a família foi se consolidando, meu pai casou com minha mãe Eremita
Cordeiro Saldanha, João Saldanha casou com uma moça do Pará se separou e casou
com a Dalila que era prima da minha mãe que era professora. O Lúcio Albuquerque
escreveu sobre isso e você também “As quatro professorinhas do Guaporé”: Tia
Estela, Tia Antônia Quintão, Eremita Cordeiro e Paula Gomes as quatro primeiras
professoras preparadas por Dom Xavier Rey. Desceram de Pedras Negras de Rolim
de Moura e outros lugares do Guaporé, aprenderam a lecionar, se tornaram
mestres educadoras, catequistas e enfermeiras. Depois outras professoras como minha
querida Izabel e a turma dela foram saindo e outras escolas sendo implantadas
por Dom Rey. Guajará teve a sorte de ter benfeitores como Manoel Alípio da
silva o Capitão Alípio depois já mais recente o padre Alexandre Bendoraite pra
mim, um injustiçado. Ele e Dom Rey implantaram a Rádio Educadora de Guajará, o
Hospital Bom Pastor, o Barco pra levar saúde aos indígenas e ribeirinhos.
Zk – Em fim?
Paulo Saldanha – Minha
família chegou por aqui em 1912/13 a cidade ainda nem existia e ajudou junto
com outras pessoas no desenvolvimento do que hoje é o município de Guajará
Mirim.
Zk – Agora vamos falar do
Paulo Cordeiro Saldanha o bancário e empresário?
Paulo Saldanha – Sou ex-aluno
do colégio Nossa Senhora do Calvário, das irmãs calvarianas, depois fui pro
colégio Dom Bosco em Porto Velho em 1956. Foi quando vi o Bacu, o Ney Simões,
Chafon, Mário Teixeira jogar bola, isso na primeira vez que fui a Porto Velho.
Quando fui estudar no Dom Bosco viajei de Litorina. O Fio Maravilha tinha uma
arcada dentária mais bonita que a minha e eu tive que fazer um tratamento
ortodôntico no Rio de Janeiro e lá estudei no colégio salesiano chamado Santo
Agostinho foi quando minha mãe morreu e as coisas ficaram difíceis e tive que
voltar e fui trabalhar na Pernambucana e depois fiz concurso em Porto Velho
para o BASA passamos dois de Guajará Mirim eu e o Luiz Rodrigues da Cruz e ai
comecei minha carreira de bancário. Quando entrei no Basa o nome era Banco de
Crédito da Amazônia, na realidade ele começou como Banco da Borracha e hoje é
Banco da Amazônia S/A – BASA.
Zk – E a presidência do
Beron chegou como?
Paulo Saldanha – Quando
estava como gerente do Basa em Manaus, fui convidado pelo Coronel Jorge
Teixeira para ser diretor do Beron, aceitei na hora, pois viria trabalhar na
minha terra e sob as ordens do Texeirão. No dia da implantação do banco o
Teixeira me chamou em seu gabinete e disse com aquele vozeirão: Paulo Saldanha
decidi que o Presidente do Banco vai ser você e eu falei: e o Janes? E ele, eu
não o convidei pra ser presidente, convidei pra ele organizar a empresa. Então
respondi: Coronel estou surpreso, só quero que o senhor saiba, que tenho
orgulho muito grande em trabalhar sob suas ordens.
Zk – Depois do Beron?
Paulo Saldanha – Saí quando
ele saiu, voltei para o Basa, nesse meio tempo fui chefe de departamento em
Belém, depois recebi uma missão difícil, que foi liquidar o banco de Roraima e
nossa equipe conseguiu fazer o banco dar lucro e ele foi ressuscitado com o
nome de Banco do Estado de Roraima e eu fui seu primeiro presidente.
Zk – Qual sua opinião sobre
o fechamento do Beron?
Paulo Saldanha – Deveria ser
federalizado ou então privatizado nunca liquidade. A tônica da política do presidente
FHC era acabar com os bancos estaduais, sob argumentação de que nos Bancos
estaduais tinha corrupção. Eu acabaria com a corrupção. O Beron financiava a
Micro empresa, agricultura, pecuária, comercio, habitação. Quando há desvios,
tem que se punir os desvios e não punir a sociedade encerrando as atividades
das empresas que foram criadas para gerar as oportunidades que são
socioeconômicas.
Zk – No governo Piana?
Paulo Saldanha – Quando o
Oswaldo Piana assumiu o governo me convidou e eu aceitei retornar a presidência
do Beron o banco já estava com muita dificuldade, mas, nós administramos quatro
anos pra salva-lo. Nós tínhamos um programa que ganhei de presente do Unibanco
através do vice-presidente Israel Cablin, só o Unibanco e talvez o Itaú tivesse
esse programa através do qual, eu sabia quanto custava um cliente para o Banco.
Criamos um centro de micro filmagem no Ulisses Guimarães onde instalamos uma
micro agencia. Eu partia da idéia de que, valorizar o parceleiro de Extrema a
Cabixi era valorizar nossa economia emergente. Tínhamos que chegar à frente
porque se não, os bancos aventureiros podiam tomar o nosso espaço. Chegamos aos
cinquenta e poucos pontos. Lamentei que o banco não tivesse sido privatizado ou
federalizado.
Zk – E a dívida que até hoje
o governo estadual paga ao Banco Central?
Paulo Saldanha – Você fez
uma pergunta oportuna. Tenho gravado na Assembléia Legislativa de Rondônia uma
entrevista com o Hercules Góes perguntando de uma forma até meio esquisita: Qual
é o rombo do Beron? O Beron na minha gestão não teve rombo, teve déficit. Um
dos diretores disse que o banco precisava de R$ 11 milhões. Eu tinha pedido e o
governo Piana orçamentou 15 Milhões de Dólares. Eu trabalhava com planejamento
prospectivo, se a inflação fosse X precisaríamos do capital Y, se a inflação
fosse Z precisaríamos de um DX a mais. Concluímos em maio ainda de 1994 que
precisaríamos de 12 a 15 milhões em janeiro, porque estava havendo perda sobre
o Plano Real. Todo banco perdeu dinheiro. O governo que sucedeu o Piana não
cobriu o orçamento que era capitalizar o banco em 15 milhões de dólares ou 15
milhões de reais na época era um por um. O Banco Central estava tomando conta
do Beron aceitou candidamente e deixou o Banco morrer a míngua. Se eu não dou
água, oxigênio para o corpo, ele morre.
Zk – Uma das histórias
transformadas em crônicas?
Paulo Saldanha – Outro dia
estava sozinho, não tinha hospede no hotel e vieram dois sanhaçus (passarinhos)
que estavam construindo o ninho, publiquei a crônica “O ninho do sanhaçu”. Aí
transitei pela bíblia, pela teologia porque vi que eles eram organizados
inclusive, eles podem servir para as obras do governo brasileiro. Saia um
chegava o outro com o ramo no bico para montar o ninho. Não os vi pedindo bolsa
escola, bolsa família e nem um desses programas sociais, de repente, eles
pararam de trabalhar, fui ver a hora e era meio dia (eu estava a mais de duas
horas observando), eles foram almoçar. Tem uma passagem na bíblia onde Jesus
fala: “Vejam os pássaros, eles não se preocupam em acumular riqueza nem comida,
porque o criador vai dar pra eles”, foi aí que lembrei que tinha que almoçar
também.
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