A Serra de Tracoá e outras histórias
artísticas
Na
última sexta feira 25, durante a eleição para o CNPC que contou com a presença
de vários técnicos do Ministério da Cultura no Teatro Palácio das Artes,
encontrei a Arlete pedindo voto para sua eleição como representante da setorial
das Artes Visuais. Por ter ouvido há alguns dias, umas historias sobre a Serra
do Tracoá contadas por ela, resolvi explorar mais esse conhecimento. Fomos para
uma das salas do teatro e registramos as histórias fascinantes sobre a vida
dessa cabeleireira, poetisa, artesã e artista plástica. “Certa vez apanhando tucumã na
mata eu e meu irmão fomos chamados por um senhor com um Inhambu e meu pai disse
depois que era o “Pai da Mata”. E tem a história das bonecas que foi
uma visão que ela teve com sua mãe, além da doença que foi diagnosticada pelos
médicos de Porto Velho e depois de seis meses já em Minas Gerais, o médico
disse que ela podia voltar pra casa que não tinha e nunca teve nada. “Os
médicos aqui atestaram que era um câncer na minha garganta”
Essas
e muitas outras história você passa a conhecer na entrevista que segue.
ENTREVISTA
Zk –
Vamos conversar com a poetisa, artesã e artista plástica Arlete. Qual seu nome
completo e o local do seu nascimento?
Arlete
– Meu nome completo é Maria Arlete Silva Cortez, nasci no meio do rio Guaporé
dentro de uma canoa feita apenas com um tronco de madeira escavada, aquelas
canoas queimadas ou canoa de índio como também são conhecidas. Não precisa de
calefação.
Zk –
Por quanto tempo você viveu no Vale do Guaporé?
Arlete – Foram quase treze anos. Quando sai do
seringal fui pra Guajará Mirim e depois vim pra Porto Velho. Meu pai se chamava
Inácio Silva Cortez e minha mãe Itamar Duarte Silva uma antiga tacacazeira em
Guajará e aqui em Porto Velho.
Zk –
Um dia desses, você me contou que ao assistir uma matéria na Televisão sobre a
Serra do Tracoá se emocionou lembrando o tempo da sua infância. Qual o motivo
da emoção?
Arlete
– Cheguei no Pico do Tracoá acho que tinha cinco anos de idade. Ali foi feita
uma colocação pra minha família bem no pé da serra, uma casinha de palha e chão
batido na beira do rio Tracoá. Em cima da serra tem a nascente do rio Pacaás,
ele desce a serra com apenas um fio d’água e passa apenas pelas pedras, pois
naquele local da nascente não tem areia o que tem muito mesmo, é camarão e
peixe cara, piabinha e muita pedra preciosa. Esse rio tem uma coisa, sua água é
muito gelada e tem um detalhe: A serra ronca.
Zk –
O que?
Arlete
– É isso mesmo, a Serra de Tracoá ronca. é engraçado isso. A cachoeira tem um
som e é um som bastante acentuado, porém, quando dá meia noite ela silencia,
parece que não existe nada ali e depois volta a funcionar de novo, Mistérios da
Natureza. Nesse lugar eu e meu irmão fomos perseguidos pelo Pai da Mata.
Zk –
Vocês viram o Pai da Mata?
Arlete
– Ali naquela mata eu e meu irmão Edilson uma vez, saímos para apanhar tucumã,
correr, brincar e eu levava apenas um terçadinho e um dia encontramos um senhor
com um Inambu na mão e ele começou a nos chamar. Acontece que mamãe havia nos
orientado que não nos aproximássemos de nada estranho dentro da mata e quando
aquele senhor nos chamou, começamos a correr no rumo de casa e o homem atrás da
gente. Chegamos no aceiro e meu irmãozinho muito cansado, caiu exausto no
defumador onde meu pai estava defumando borracha e meu pai perguntou o que foi
e disse, o homem vem aí atrás da gente e quando olhamos o homem não havia
passado pro lado de cá do aceiro e o mais interessante disso tudo, foi que meu
pai não via o tal homem só nos dois víamos aquela figura.
Zk -
Seria o Curupira?
Arlete
– Era um velho. Vou te contar uma coisa: na mata, as pessoas não acreditam,
mas, tem tanta coisa que não é lenda. Tem uns indiozinhos pequenininhos e uns
cachorros menores ainda iguais essa raça pinscher. É muita coisa estranha que a
gente vê no meio da mata. Agora não é todo mundo que consegue enxergar isso
não!
Zk –
De quem era o seringal que seu pai trabalhava?
Arlete
– Não consigo lembrar o nome do seringalista, tive um bloqueio porque eles
tentaram nos matar. Eles chegaram em nossa colocação e ficaram tocaiando
armados de espingardas essas coisas. Acontece que meu padrasto não conseguia
pagar a conta devida ao patrão. Meu padrasto era considerado seringueiro brabo,
aquele que não sabe lidar com o corte da seringa. Acontece que todo mês vinha
os peões do Barracão Central com aqueles burros carregando mercadoria tipo
feijão, arroz, farinha, charque e até roupas e o seringueiro tinha que comprar
para pagar com a produção de borracha e como meu padrasto não tinha muita
habilidade ficava devendo.
Zk –
E como foi que vocês escaparam dos capangas do patrão?
Arlete
– Meu padrasto era um homem muito forte. A sorte foi que minha irmã estava no
jirau lavando louça e viu os capangas chegando por dentro da mata. Tinha um
índio chamado Tavarim que morava com a gente, meu padrasto o chamou e foram
pelo outro lado da casa e pegaram os dois capangas e amarraram. Nesse momento pediu
pra minha mãe arrumar as coisas num saco de borracha, aquele saco encauchado
era nossa mala. Bom, pegamos nossas coisas que tinham também três capoeiras de
galinha e fomos para o barracão, com os capangas amarrados. Do barracão até a
sede do seringal descemos o rio São Francisco e foram 20 dias de viagem.
Chegando na sede, meu padrasto se apresentou ao patrão e disse; Vou sair do seu
seringal e vou atrás de ganhar dinheiro e pagar o que lhe devo, porém, enquanto
não sair das suas terras, não solto seus cabras.
Zk –
E foi pra onde?
Arlete
– A casa do patrão era no seringal Limoeiro. A sorte foi que estava lá uma
equipe do exército com dois barcos e então pedimos carona e fomos para Costa
Marques no percurso do seringal Limoeiro para Costa Marques eles comeram duas
das nossas três capoeiras de galinha. De lá pegamos a Lancha do SNG e fomos pra
Guajará Mirim. Lá na colocação meu padrasto tinha colhido uma planta que o
índio chamava de Poalha (que só tenha na Serra do Tracoá) e para sair com essa
planta foi preciso escondê-la no fundo falso que ele fez naquele saco de
borracha. Em Guajará ele fez contato com um laboratório e vendeu a Poalha por
Seiscentos Contos, pagou o seringalista, comprou uma casa pra gente, não
demorou muito porque ele queria mesmo era vir pra Porto Velho e veio.
Zk –
Em Porto Velho?
Arlete
– Fui estudar no Getúlio Vargas, Tenente Vanderley e por fim Barão do Solimões
onde fiz até a sétima série e parei porque casei. Casei com o cantor e
compositor Laio com quem tive três filhos.
Zk –
Conta como foi que você conheceu o Laio?:
Arlete
– Quando cheguei em Porto Velho, fui trabalhar no salão de beleza da mãe dele,
eu tinha fascinação por cabelo. Em Guajará conheci uma boliviana que me ensinou
a fazer peruca. Na época briguei com meu padrasto e sai de casa com 13 anos, o
Laio me conheceu no sítio da minha avó e me levou pra conhecer a família dele e
quando chegamos, o pai dele seu Carlos dos Santos Castro Silva olhou pra mim e
disse: quer ser minha filha? Para encurtar a conversa fiquei morando com eles.
Olha cheguei com 13 anos na casa do Laio e só nos casamos quando eu já tinha 21
anos. A gente era namorado, só que eu era Mocinha (virgem) até me casar.
Zk –
E a artesã quando surge?
Arlete
– Eu não tinha intenção nenhum de ser artista plástica, artesã essas coisas,
sabia que tinha o dom mas, a única coisa que eu fazia era escrever poesia. Ai
fiquei doente e o médico disse que estava com um câncer na garganta. Nesse
tempo minha filha Taiane tinha casado e morava em Uberlândia (MG) e eu fui pra
lá atrás desse médico de pescoço. Consegui uma consulta para daqui a seis meses
e então resolvi trabalhar em salão de beleza só não me adaptei e minha vida
virou um inferno. Foi então que eu desesperada, deitei pra morrer, me tranquei
no quartinho que alugava de uma senhora e fiquei esperando a morte chegar.
Dormi e minha mãe chegou (ela já havia falecido fazia tempo) bateu na minha
costa e disse acorda minha filha, acorda Arlete, acordei no sonho e vi que ela
estava com uma boneca e eu falei: Bonita essa boneca e ela, por que você não
faz igual? Eu sou cabeleireira, não sei fazer boneca mãe e ela dizia, olha pra
essa boneca e eu olhava e dizia que era linda e ela, por que você não faz uma.
Mãe eu não sei fazer boneca e ela tenta minha filha tenta... Quando abri os
olhos ela ia saindo do quarto.
Zk –
E fez a boneca?
Arlete
– Quando acordei de verdade, peguei uma calça de lycra cortei todinha, moldei a
boneca e fiz. Só que a boneca ficou muito feia. A senhorinha dona do quarto me
chamou pra tomar café e fui, tomando café olhei pro chão e vi um pedaço de pano
bem pequeno e perguntei da senhora se ela tinha aquele tecido e ela perguntou
onde eu havia encontrado aquilo e eu disse aqui no chão, ela disse que era
impossível pois a empregada havia acabado de lavar aquela área. Depois do café
ela me levou num depósito cheio de tecido e mandou-me escolher o que quisesse e
eu peguei tecido de todo jeito e até para o enchimento das bonecas. Fiz quatro
e nenhum se parecia com a da mamãe. A quinta boneca saiu igualzinha, a filha da
dona da casa comprou e depois disso o povo da rua todo passou a comprar minhas
bonecas, levei para a feira de artesanato e foi o maior sucesso. Passou a
chover na minha roça e o dinheiro caia quem nem folha no outono. Depois disso
chegou o tempo da minha consulta e o médico disse: vá pra casa que a senhora
não tem nada. Isso foi milagre de Deus!
Zk –
De volta a Porto Velho?
Arlete
– Eu tinha fascinação por cabelo e passei a guarda os cabelos. Quando voltei de
Minas abriram inscrição para o SART-RO e eu fiz uma tela utilizando aqueles
cabelos, fiz também uma bolsa de cabelo e inscrevi no Salão. Os jurados locais
desclassificaram meu trabalho. A sorte foi que um dos jurados que veio da
Funarte cujo nome era Cabelo, e todo o trabalho dele era com cabelo, pediu pra
ver os trabalhos que haviam sido desclassificados e quando viu aquela bolsa
toda feita com cabelo se encantou e pediu para a coordenação voltar a colocá-la
entre as obras que iram para o Salão. Estava eu em casa quando o secretário de
cultura me liga pedindo o número da minha conta bancária. Pra que? E ele disse,
para depositar o valor do prêmio que você ganhou pela sua obra no SART. Assim é
a minha vida. Tem muito mais histórias interessantes, inclusive aquela do bolo
feito com ovo de jacaré!
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