Edneide Arruda
“A capacidade do artista para
flagrar o mundo e seus fenômenos, registrar suas constantes transformações e
até mesmo prevê-las, mostra que são como ‘antenas’, sensíveis para captar os
movimentos mais sutis, superando muitas vezes os cientistas sociais, com seus
instrumentos e estratégias mais objetivas”.
Aproprio-me desta citação da
pesquisadora Nilda Jacks, uma gaúcha estudiosa da identidade de seu povo, para
falar sobre “Minuano”, a mais nova música do cantor, compositor e
instrumentista Bado que lançou na sexta-feira, 30, em seu canal no You Tube.
‘Minuano’ (Milonga da Serra) como
explica Bado, “nasceu da vivência e aproximação com os ritmos, sons e
linguagens musicais, presentes nas culturas que se cruzam pelas fronteiras da
Região Sul do Brasil”. Ancorada em um texto poético, a música sobrevoa a Serra
Gaúcha e descreve com suavidade ímpar, o que a sensibilidade do poeta pôde
captar, de conversações entre amigos e familiares.
No clipe, Bado parece imergir nas
vivências daquela tríplice fronteira, para dar canto ao aconchego que minuano -
vento frio e cortante, que aparece após as chuvas de inverno daquela região -
oferece aos gaúchos e seus visitantes. A impressão que se tem é de que, ao
enxergar o vento, o artista sente o prazer de um povo que faz do vento frio da
Serra, seu canto, sua identidade cultural.
Termo cujo conceito tem, segundo
Martin-Barbero (1993), transitado entre exclusão e integração, identidade
cultural passou a se constituir em fenômeno de autor reconhecimento individual e
coletivo, sendo, neste último caso, como um sistema de referência em que “todos
se enxergam ao olhar o outro”, como diz Nilda.
É esse olhar do artista que compõe a
estética de ‘Minuano’: serras, ventos uivantes, vinhedos, olhares cúmplices,
identidades e paixões. Sob os acordes de seu violão, Bado entrelaça sentimentos
e expressões culturais sulinas. Ele usa a milonga, gênero musical presente naquelas
fronteiras, e que tem como grandes referências, os compositores gaúchos Vitor
Ramil e Renato Borghetti.
No ano passado, para fugir da
neurose causada pela pandemia da Covid-19, Bado percorreu mais de 3.600
quilômetros, entre Porto Velho (RO) e Santa Maria (RS), para visitar a filha,
Bia Melo, e matar a saudade.
Ambientado na riqueza cultural dos
territórios fronteiriços, transformou sua vivência em canção. Mas, não foi a
primeira vez que Bado conviveu com culturas de fronteiras. Ao participar de
edições do Festival de Cinema da Amazônia (FESTCine), ele vivenciou as culturas
do Peru e da Bolívia, o que resultou na composição 'Pátria Mama'.
Deriva destas vivências, parte de
sua arte, que mistura sons e ritmos universais - de pessoas, pássaros, água e
ar -, muito presentes na musicalidade do bioma Amazônico - Brasil, Bolívia,
Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Traços desse
caldeirão cultural estão presentes em excelentes produções de Bado tais como
‘Porto das Esperanças’, Amazônia em Canto’, ‘Aldeia de Sons’, ‘Gente da Mesma
Floresta’ e ‘Mundos - 50 Anos’.
É marca indissociável de Bado, o
compromisso de difundir o canto produzido na Amazônia, dando importância à
construção de uma identidade musical, que universalize tons e sons. Em sua
busca pela integração cultural de ritmos e sons de fronteiras, mais uma vez, Bado
presenteia seu público com algo envolvente, amoroso e pedagógico, que
transforma identidades culturais em poesia e melodia.
Edneide Arruda é jornalista.
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