Ontem (sábado dia 03 de outubro/2020), a Covid 19 levou mais um pioneiro de Rondônia, desta feita, nosso querido amigo Mikael Esber.
Nos conhecemos desde o
tempo da Padaria Camponesa e a amizade continuo até os dias atuais. Recentemente
ele nos ajudou com a publicação do livro “As Peripécias do General”. Mikael
além de amigo, era uma pessoa alegre, parecia que para ele sempre estava tudo
bem. Pois é, foi esse cara, essa pessoa que perdemos na manhã de ontem.
Poderíamos muito bem
colocar neste espaço apenas uma Nota de Pesar, porém, resolvemos reproduzir a
entrevista que fizemos com ele e publicamos em abril de 2016. Vejam que
história maravilhosa.
DE PADEIRO A GRÁFICO – A RODA VIVA DA VIDA
Quando Rondônia ainda engatinhava no processo de
sua colonização, desembarca em Porto Velho o libanês Mikael Esber que ao
contemplar o rio Madeira por algumas horas resolveu fixar residência na
capital. “Vim direto de Urbelândia para Vila Rondônia e ao chegar disse
aos meus primos que queria conhecer a capital, vim olhei o rio Madeira e decidi
ficar”.Padeiro de profissão montou a pizzaria Roda Viva na galeria do
Ferroviário, matou um urubu e conheceu o governador Jorge Teixeira e passou a
atender os coquetéis oficiais. Com o Plano Collor teve que fechar a
pizzaria. “O povo não podia sair de casa porque não tinha dinheiro para
colocar gasolina no carro, por isso fechei a Roda Viva”. Sem ter o que
fazer, aceitou ser representante de uma gráfica e depois resolveu colocar seu
próprio negócio. “A Gráfica Imediata hoje é uma das mais modernas do
Brasil”. A Imediata é o que podemos considerar como empresa familiar
pois seu corpo diretor, é formado pela dona Magda casada há 40 anos com o
Mikael, seus filhos Welesley, Célio e Vanessa. Mikael também pode e deve ser
considerado um dos fundadores da Banda do Vai Quem Quer. Acompanhe essas
histórias:
E N T R E V I S T A
Zk – Vamos começar pela sua identificação?
Mikael - Nasci no dia 10 de novembro de 1950, aliás,
fui registrado nessa data, mas, nasci mesmo no dia 15 de agosto dia de Nossa
Senhora. Nasci no Líbano. Vim pro Brasil com 20 anos de idade, desembarquei em
São Paulo depois fui para Uberlândia Minas Gerais.
Zk – Começou a trabalhar em que?
Mikael – Minha profissão na época era a de padeiro, isso desde o Líbano, quando vim pro Brasil eu e meu tio tínhamos padaria em Uberlândia. Nessa mudança de padaria do Líbano pra cá aconteceu uma mudança radical, lá no Líbano é outro tipo de pão. Em Uberlândia era a Panificadora “Pão de Açúcar”. Aconteceu que vim pra ficar apenas 30 dias e meu tio viajou e foi quando o pau estourou no Líbano e eu não podia mais voltar por causa da guerra civil. Meu visto era para 90 dias e com isso consegui renovar por mais 90 dias. Cheguei ao Brasil no dia 23 de maio de 1971.
Zk – Qual a cultura do Líbano?
Mikael – O Líbano é dividido em quatro partes, cada
lugar tem um estilo deferente. Apesar de ser considerado pequeno, pra nós é
grande demais, ele tem 250 km de comprimento por 55 km de largura com
aproximadamente 3 milhões de habitantes. No Brasil existem entre 8 a 12 milhões
de libaneses e descendentes, três vezes mais que os habitantes do Líbano. A
guerra da época não foi uma guerra nossa, compramos a guerra pra defender os
Palestinos que moravam dentro do Líbano. Foi a nossa cruz na verdade.
Zk – E essa história do brasileiro chamar vocês de
Turco?
Mikael – Na verdade as pessoas não são obrigadas a
saber o que realmente aconteceu. A Turquia dominou o mundo Árabe e parte da
Europa por 450 anos, isso não é novidade pra ninguém. Acontece que os primeiros
libaneses que saíram para outros países, saíram com passaporte Turco. Quando
terminou o domínio turco entrou a Síria que passou a emitir dinheiro e todos os
documentos, aí passamos a ser chamado de Sírio. Só a partir de 1943/45 foi que
o Líbano começou a emitir documento. No Brasil é hospital, clube tudo que existe
é denominado como Sírio/Libanês.
Zk – Vocês também adotaram a cultura do mascate,
daquele vendedor de porta em porta?
Mikael – Sim! A gente chegava aqui ia fazer o que? O
fulano trazia o sobrinho chegava aqui dizia: Taqui uma mala cheia de roupa, vai
lá vender. O mascate tem origem no mundo Árabe. Nós não sabemos trabalhar de
empregado.
Zk – E Porto Velho, aliás, como foi que você veio
parar em Rondônia?
Mikael – Essa é uma historia muito bonita! Na época eu
casei no dia 29 de fevereiro com a banda de carnaval atrás de mim e eu indo pra
igreja. Casei num dia de domingo, era o costume da maioria dos católicos, e eu
sou católico ortodoxo, casar aos domingos. Como já falei, tinha uma padaria lá
em Uberlândia e o prédio onde essa padaria funcionava foi vendido e eu fiquei
sem fazer nada e vim parar em Vila de Rondônia (Ji Paraná). Lá existia o
Comercial “Irmão Nicola” que são meus primos que me trouxeram pra cá. Quando
cheguei em Vila de Rondônia, falei: Primo quero conhecer a capital e mesmo eles
insistindo pra eu ficar, vim conhecer Porto Velho.
Zk – E o que aconteceu?
Mikael – Desembarquei na rodoviária de Porto Velho
que era na Sete de Setembro, isso era o ano de 1976, exatamente no dia 15 de
abril. Assim que saltei do ônibus desci a Sete e fui até a beira do rio Madeira
a pé. A sete de Setembro era mão dupla. Fiquei aproximadamente meia hora
contemplando o rio Madeira e disse, esse é o lugar que vou morar. Voltei a pé
pela Sete e quando cheguei na Padaria Reski (o nome em Árabe quer dizer
patrimônio), conversei com o João em Árabe, subi e vi a Panificadora Caravela
do Madeira lotada de gente, quando cheguei na Panificadora Camponesa (na Sete
de Setembro com a Joaquim Nabuco), parei pra tomar uma água. Entrei tomei um
café, pedi uma garrafa de água pra levar e tinha um senhor atrás de mim
balançando uma chave na mão e disse: Mikael me virei e vi que era um patrício
que conheci em Uberlândia. Ele era o arrendatário da Panificadora Camponesa da
família Pimentel (Jacinto Pimentel). Falei pra ele que não tinha dinheiro pra
ficar com aquilo não e ele, pega a chave, to doido pra ir embora daqui, fica
com a Padaria, o que tu tens pra trocar e respondi: Rapaz trouxe sabão, bala
doce, fubá, leite ninho ta tudo em Ji Paraná é um caminhão de mercadoria. O
nome dele era Remer Salum. No mesmo dia sentei na cadeira da Padaria e depois
fui buscar as coisas em Vila de Rondônia e fizemos a troca, farinha de trigo,
bebida com o material que tinha no caminhão. Aí começou minha vida em Porto
Velho.
Zk – E o nome da Padaria continuou Camponesa?
Mikael – Sim, a empresa era dele eu não sabia que a
Padaria era arrendada do Pimentel. Passou um tempo e chegou a festa de São
João, entrou um senhor forte pediu um Campari e eu disse que não tinha e foi
então que ele se identificou: Sou o Ferreira da “Ferreira Veículo” o senhor vai
amanhã na minha loja que vou lhe dar dinheiro pro senhor encher isso aqui de
bebida. Eu não o conhecia e na realidade quem me ajudou muito foi ele o Afonso
Ferreira de Assis a loja dele era no Hotel Iara na Sete de Setembro. Nessa
época conheci o Hugo Dias dono da Comercial Amazônia que vendia móveis, Chico
da Curinga, Paulinho da Loja de Móveis.
Zk – E como surgiu a Pizzaria Roda Viva?
Mikael – Na época que estava com a padaria, entrava
uma senhora todo dia e pedia: Moço o senhor coloca um pouquinho de queijo numa
massa e coloca no forno pra mim. Todo dia ela pedia a mesma coisa; Massa com
queijo, banana, colocava dentro do pão e farinha. Com isso fiquei pensando, por
que não abro uma pizzaria! Andando pela Sete parei na calçada dos Correios e
olhei para o canto da Galeria do Ferroviário e vi “Sorveteria Skimol”, ali é o
ponto ideal pra montar uma pizzaria. Fui lá e fiquei sabendo que o responsável
pelos contratos de aluguel era o Dr. Abílio Nascimento, assinei contrato de
cinco anos. Inaugurei no dia 17 de dezembro de 1976 a Pizzaria Roda Viva. O
único dia que a Roda Viva fechava era na quarta-feira de cinzas, assim mesmo, a
gente realizava a festa da Roda Viva la no Areal.
Zk – Era só pizza?
Mikael – Como você sabe, eu era padeiro e
confeiteiro e então fiz uma massa que misturava a massa pra fazer doce e a de
pizza e por isso até hoje ninguém consegue fazer a massa da Roda Viva até mesmo
por causa da temperatura do forno.
Zk – Era forno a lenha?
Mikael – Não, era forno elétrico. A pizza exige uma
temperatura de 450 a 500 graus, coisa que o forno a lenha não consegue. No
forno a lenha eles colocam a massa e não dá tempo dela crescer, porque não é
fermentada e quando o forno é quente demais você perde o controle da
temperatura. O meu forno tinha resistência em cima e em baixo, portanto a pizza
assava por completo. Eu desmanchava mais de trinta sacos de trigo de 50 kg por
mês.
Zk – A Roda Viva também lançou vários artistas.
Lembra alguns?
Mikael – Tudo aconteceu por acaso, não foi nada programado, conforme o cara chegava e fazia sucesso nas mesas por tocar o que o povo queria, exemplo: tinha uma mulher chamada Rosangela que veio para cá contratada pela boate Acapulco e certo dia ela pediu uma canja na Roda Viva e nunca mais saiu de la. Ela foi daqui gravar em São Paulo e certo dia assistindo um programa na TV Globo ela aprece dizendo que começou a vida artística cantando na Roda Viva em Porto Velho. Teve o Nonato do Cavaquinho que fez sucesso internacional, Bino, Téo o Juanito da Harpa e muitos outros. Todo esse sucesso devo a minha esposa que até hoje cuida dos negócios junto comigo e agora meus filhos. Em conseqüência da Roda Viva montei o restaurante Arabesck também na Galeria do Ferroviário, a discoteca Vagalume que também fez muito sucesso, peguei a lanchonete do Mercado Central, a lanchonete do Ypiranga e a do Botafogo.
Zk
– Carnaval?
Mikael – Você sabe mais que todo mundo que quando o Manelão
foi Rei Momo chegou na Pizzaria e disse da vontade em ser o Rei Momo e eu disse
pode contar comigo. Através do restaurante Arabesck bancamos a festa da Corte
do Rei Momo, ninguém contribuiu com um centavo. Quando terminou tudo, nós
bêbados na calçada falei, por que tu não abre um bloco de carnaval e ele
respondeu, será que pega e o dinheiro? Vamos começar com cerveja.
Zk – Nesse ínterim acontece a disputa pra ver quem
era melhor de tiro?
Mikael - Na realidade tudo começou ali onde é o Bingool
(Yamaha) com aposta de tiro. Manelão, Eduardo (genro da dona do hotel Iara) e
outros amigos que tinham loja na Galeria. Chega o Manelão toma um café coloca o
cigarro na boca, vira pra mim e diz, quero ver se tu é bom de tiro, acende esse
cigarro na bala. Não contei conversa, saquei a pistola e atirei acertando o
cigarro que estava na boca dele. O gordo só não desmaiou porque se fez de forte
para provar que era homem, afinal de contas foi ele que instigou. Aí começou o
negócio de aposta de tiro. O interessante foi que quem desmaiou foi o Eduardo.
Quando o Eduardo acordou me desafiou, vamos ver quem consegue derrubar um
urubu, ele atirou primeiro e nada e quando eu atirei com minha 45 acertei o
urubu que caiu na Porta da Casa do governador Teixeirão.
Zk – Na porta da casa do governador?
Mikael – Pois é! Teixeirão perguntou do segurança de
onde vinha aquilo e o guarda disse que era coisa do loiro da pizzaria. “Então
vão buscar esse Diabo Loiro agora”. Resultado fiquei amigo do Coronel
Teixeira que me contratou para fazer todos os coquetéis que o governo oferecia
lá no Clube Cujubim, foi aí que surgiu a Banda do Vai Quem Quer.
Zk – Como surgiu a Banda do Vai Quem Quer. Essa
ninguém sabe?
Mikael – Acontece que logo que vocês colocaram o nome na
Banda Manelão ainda relutava em colocar o bloco na rua, questionei por quê? Não
tem dinheiro pra fazer, foi quando disse, eu dou a cerveja. No primeiro ano
foram 100 caixas e no segundo 200 caixas. Vale salientar que eram caixas com 24
garrafas de 600 ml cada uma. No terceiro ano surgiu a caipirinha porque o dono
da distribuidora da cachaça 51, deu 50 caixas de pinga e quem fazia a
caipirinha era eu.
Zk – Você e o Manelão foram muito amigos, até que
surgiu a história que ele contava sobre a despesa da Corte do Rei que a
prefeitura não pagou. Como aconteceu realmente isso?
Mikael - A Banda surgiu realmente por causa disso. Só não
gostei quando o Manelão passou a acusar nas entrevistas que dava, que o Sergio Valente
foi o responsável pelo não pagamento da dívida da Corte, quando na realidade o
Sergio não tinha nada a ver. Por causa disso me aborreci com o Manelão. Sempre
dizia: O Sergio Valente já morreu, você não devia falar contra ele porque quem
pagou a despesa fui eu. Outra briga foi por causa da música da Banda que ele
nunca disse que foi você que fez, ele dizia que era dele com o João do Vale eu
briguei com ele por causa disso. Ficamos sem nos falar por algum tempo.
Zk – Como foi que de pizzaiolo você virou gráfico?
Mikael – Na verdade eu não fui pra gráfica, fui empurrado
pra gráfica. Por falta de opção na época, depois que vendi tudo la da Rogério
Weber (por alguns anos a Roda Viva funcionou na rua Rogério Weber esquina com a
Alexandre Guimarães) e fiquei sem fazer nada. Pra completar veio o Plano Collor
e acabou de enterrar porque ninguém tinha mais dinheiro pra sair de casa e por
isso parei com a pizzaria. Eu tinha 40 funcionários, a Banda Roda Viva tinha
doze músicos, garçom também eram 12. Tudo era doze na Roda Viva e o Plano
Collor acabou com tudo.
Zk – Ai foi pro ramo de gráfica?
Mikael – Quando fui convidado para atuar no ramo
disse que não sabia mexer com gráfica. O Ibraim da gráfica Leonora de Vilhena
insistia, você tem prestígio é muito conhecido. Aí fiquei representante da
Gráfica Leonora em Porto Velho por falta do que fazer, fiquei por muito tempo
até que consegui enxergar que esse ramo é viável. De 95 a 2000 fui apenas
representante e então decidi montar o meu negócio. Comecei com a distribuidora
de papel, material de expediente, papelaria essas coisas todas e ai surgiu a
área de gráfica. Comprei uma maquininha impressora que está guardada até hoje e
funciona.
Zk – Surge a Imediata?
Mikael – Até hoje não entendo nada de gráfica,
entendo de comercio, de venda, de planejar, essas coisas que os árabes sabem
fazer. Somos comerciantes não interessa o ramo. Hoje nosso parque gráfico é um
dos mais modernos da Amazônia e do Brasil.
Zk – Em tempo de campanha eleitoral, vocês
trabalham só para um candidato ou atendem vários partidos?
Mikael – Hoje em política não existe a ética. O
candidato quando começa se diz honesto, acha que vai ganhar, que vai ser bom
administrador e quando perde a eleição, não tem dinheiro pra sanar parte das
dívidas e a gente confia nas pessoas, porque é o nosso ramo. Já levamos muito
cano de candidato e de partido e mesmo assim não paramos de atendê-los essa é a
nossa política. Atender a todos sem distinção e acima de tudo acreditar que
todos são honestos. Quem morre de véspera é peru.
Zk – E o parque da Imediata?
Mikael – Apesar de termos um dos melhores equipamentos do
mundo em se falando de gráfica. Hoje aqui é tudo interligado via rede de
informática, uma máquina conversa com a outra. Temos um equipamento ligado
diretamente com a fábrica na Alemanha, na hora que acontece algum problema, os
técnicos da fábrica na Alemanha é quem resolvem e a máquina volta a funcionar
aqui em Porto Velho. Porém, não é apenas um equipamento de ponta que faz a
gráfica funcionar bem. O maior responsável pelo bom desempenho da empresa são
nossos funcionários. Nossos técnicos, é o ser humano. Investimos na formação profissional
dos nossos técnicos que enviamos a São Paulo para se especializarem e outras
vezes trazemos os técnicos aqui para aplicar cursos para os nossos
funcionários. Tudo que você viu no nosso parque gráfico não foi feito em um
dia, levou anos para chegarmos aonde chegamos. Nossos técnicos são todos
formados, aqui não existe o curioso. São todos capacitados que passam por
cursos de reciclagem constantemente. A única pessoa que não sabe nada de
gráfica na Imediata sou eu.
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