Ceará
– O ambulante vítima do Plano Collor
Na preparação da festa da
virada na tarde da última quinta feira 31, paramos para lanchar justamente na
barraca do Ceará, um amigo de longas datas, e conversa-vai conversa-vem fomos
fazendo perguntas sobre o motivo dele ter optado em ser ambulante: “Já
tinha alguma coisa quando chegou o plano Collor e levou tudo, aí fui junto com
minha mulher Luci vender pastel na rua”. Assim ficamos sabendo, que na
realidade o Ceará é Paraibano e que
veio para Porto Velho em 1986, foi um dos primeiros moradores do bairro Marcos
Freire. “Naquele tempo ninguém queria morar lá por ser muito longe. No verão
era poeira e no inverno muita lama”. Ceará conta que chegou a vender 12
Mil pastéis em uma das edições do Arraial Flor do Maracujá e que o melhor
evento de rua para os ambulantes ainda é a Banda do Vai Quem Quer. Vendo pastel
e banana frita formou uma filha advogada e a outra está fazendo engenharia
civil em faculdade particular. “Minha filha advogada diz, agora o senhor
vai parar de trabalhar e eu respondo, nunca minha filha, minha vida é essa aqui”. Vamos acompanhar a história do Ceará
– Ambulante:
ENTREVISTA
Zk – Qual seu nome de
batismo?
Ceará – Ivan Juvêncio de
Souza conhecido como Ceará, nasci no dia 29 de março de 1960 em Conceição de
Piancó (PB) terra de Elba e Zé Ramalho.
Zk – Quando veio para
Rondônia?
Ceará – Andei praticamente
em todos os estados brasileiros e nenhum prestou. Na época Walderedo Paiva o
delegado, pegava aqueles cabras do Nordeste pra vim pra cá servir a Polícia porque
aqui ninguém queria ser policial. Walderedo era paraibano de João Pessoa.
Zk – E você veio para ser
policial aqui?
Ceará – Na realidade, eu só
tinha dinheiro pra vir até Brasília mas, queria mesmo era chegar em Porto Velho
aí me escondi dentro do banheiro do ônibus. Quando chegou em Vilhena eles deram
fé de mim – Você vai pra onde? – Vou pra Brasília, respondi malandramente,
sabendo que já estava em terras de Rondônia e o Fiscal da empresa de ônibus
falou – Você já está em Rondônia, agora você tem que ir até Porto Velho e de lá
você volta. Era justamente o que eu queria.
Zk – Já em Porto Velho?
Ceará – Desci do ônibus e
fui embora, me hospedei num hotel perto da rodoviária e fiquei aqui em Porto
Velho. Limpei quintal, fiz pintura de casa depois arrumei emprego na Coca Cola.
Consegui economizar e criei uma empresa de transporte escolar. Cheguei a ter
nove (9) Kombi escolar, já tava mais ou menos financeiramente falando, porém, o
negócio foi abaixo quando chegou o maldito Plano Collor. Fui uma das vítimas
dessa quebradeira. Foi quando fui trabalhar na rua. (O plano Collor foi instituído em 16 de Março de 1990, um dia
depois de Collor assumir a presidência).
Zk – Virou ambulante?
Ceará – Eu e minha mulher
Luci fomos trabalhar como ambulante. Deixa lembrar: conheci a Luci aqui em
Porto Velho, namoramos apenas dois meses e casamos, estamos juntos até hoje.
Cheguei aqui na época que o prefeito era o Tomaz Correia acrescento até, que se
cada prefeito do tempo do Tomaz pra ca, asfaltasse um bairro inclusive com o
devido saneamento, essas nossa cidade seria um brinco... Bom!
Zk – Você foi dos primeiros
moradores do bairro Marcos Freire. Fala sobre a formação desse bairro?
Ceará – No inicio era uma
casinha aqui, outra acolá e ninguém queria morar no bairro Marcos Freire, era
muito longe e o acesso era por estradas (ruas) de terra, quando não era poeira
era muita lama. Na época, eu comprava terreno com Cem Reais, hoje é um grande
bairro com mais de 30 anos e nunca recebeu um benefício do poder público. A
única coisa que funciona de verdade no Marcos Freire é o colégio das irmãs
Marcelina esse é nota DEZ. Moro na rua Piauí. O Marcos Freire foi um projeto do
deputado Chagas Neto e o governador era Jerônimo Santana – Bengala.
Zk – Quando você começou
como ambulante vendia o que?
Ceará – Comecei vendendo
pastel, bananinha o que faço até hoje, apenas acrescentei mais alguns produtos
como cachorro quente e sanduíche de pernil mais a venda de sucos. O vendedor
ambulante tem que estar aonde tem gente. Onde tiver piseiro nós vamos, chega lá
já monta a barraca e tal. Na verdade, quem faz a festa é o ambulante. Coloca o
palco para os artistas se apresentarem e tira os ambulantes da rua pra você ver
como fica um vazio, mesmo assim tem gente que quer expulsar o ambulante da rua.
Zk – Ué e a atividade de
vocês não é legalizada?
Ceará – Que nada seu moço!
Não é fácil a nossa vida de ambulante, Já pensou se a prefeitura legaliza nossa
atividade, todo mundo vestido de branco atendendo o povo num padrão, as
barracas todas ajeitadinhas e a gente de jaleco e boné como acontece em cidades
como Manaus. A prefeitura não aceita que paguemos nossos direitos, já fizemos
várias reivindicações para que a prefeitura reconheça nossa atividade. Não nos
furtamos em pagar nossos impostos, mas, queremos a garantia de trabalhar
sossegado, tenho 23 anos como ambulante e já tentei por diversas vezes
legalizar meu negócio e eles não aceitam, a mesma coisa é a Eletrobrás a gente
tenta legalizar nossa energia e eles não aceitam.
Zk – Com quem você aprendeu
a fazer essas guloseimas principalmente o pastel?
Ceará – Foi com a fome. A
fome ensina você ganhar dinheiro. Ninguém te ensina, aqui o jogo é duro, passei
dez anos para aprender a receita do pastel e nunca ninguém me ensinou o que se
propôs a me ensinar se dizendo meu amigo, ainda ensinou errado. Comecei com uma
fritadeira e um espremedorzinho manual de laranja no inicio era no fogão a gás
hoje é tudo elétrico, muito mais prático e higiênico.
Zk - Desse eventos qual o
que mais vende?
Ceará – Disparadamente é o
Arraial Flor do Maracujá já cheguei a vender no Maracujá 12 Mil Pastéis! A Luci
minha mulher que é quem prepara a massa, utilizou oito sacos de farinha de
trigo, até hoje é o recorde. Comecei a colocar barraca no Flor do Maracujá na
época do Flávio Carneiro. Foi assim: quando eu tinha Kombi escolar transportei
a filha dele com a dona Chiquinha e veio o Plano Collor e eu fiquei na lona,
naquela época eram só 45 vagas era difícil conseguir espaço. Minha banca era
fora do Arraial no meio da rua aí o Flávio Carneiro chegou e disse, bota aquele
rapaz que está la fora aqui pra dentro. Pense em vender pastel naquela época,
saco de laranja podia inventar, era muito bom. Hoje ainda da, mas, não chega
nem perto daquele tempo.
Zk – Quais os eventos que
são bons para os ambulantes?
Ceará – Depois do Maracujá
era a Expovel isso em ambiente fechado, agora, de rua ninguém bate na Banda do
Vai Quem Quer. O Carnaval Fora de época era bom também mas, a Banda do Vai Quem
Quer é respeitada.
Zk – Você antes do Collor
foi mais ou menos rico e agora?
Ceará – Realmente tive
alguma coisa antes do Plano Collor, fiquei na pindaíba como se diz, mas como
ambulante subi de novo. Hoje tenho um patrimônio muito bem valorizado, terminei
de formar uma filha Débora de Souza como advogada já com a OAB e a outra
Bárbara de Souza está fazendo engenharia civil na Faro. Tudo é rondoniense
inclusive minha mulher Luci.
Zk – Qual o dia de folga
para o ambulante?
Ceará – Não tem, quando sai
o anuncio de uma festa na televisão a gente fica doido, se a gente não tiver lá
não dorme direito, os colegas ficam telefonando, vem Ceará teu ponto ta aqui
reservado. Do mesmo jeito que tem a fofoca do carnaval, tem a fofoca dos ambulantes...
Zk – Quer dizer, deixar
Porto Velho nem pensar?
Ceará – Sou
rondoniense de Porto Velho e daqui não saio de jeito nenhum.
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