‘Certa vez caiu um raio e eu
fui atingido, consegui correr até em casa e cai na porta, me juntaram e
chegaram a me colocar em cima de uma mesa pensando que eu estava morto’
‘Guajará Mirim era um
município muito grande, vinha do rio Mamoré até a foz do rio Cabixi e toda
borracha, toda castanha produzida nessa região ia pra lá, nos reunimos e
decidimos eleger Vereadores para nos representar na câmara e trabalhar pela
nossa emancipação’
Costa Marques a Princesinha
do Vale do Guaporé é uma das cidades mais apreciadas pelos turistas que visitam
o estado de Rondônia, pois além de suas belezas naturais, abriga o lendário
Forte do Príncipe da Beira e no verão, belas praias onde as tartarugas e
tracajás desovam e provocam a eclosão, um espetáculo acompanhado por muitos.
Nesse município nasceu e vive até hoje, aliás, é o atual prefeito, um dos
cidadãos mais queridos do Vale do Guaporé, não porque é prefeito, mas, pelas
suas qualidades como benzedor, parteiro e manipulador de remédios naturais e
até Amo de Boi Bumbá. Francisco Gonçalves Neto conhecido
como Chico Território.
São as histórias do Chico
Território que contaremos na edição de hoje 03 e na edição do próximo domingo
10. Vamos as histórias do menino que escapou da descarga de um raio e se
transformou em “O Curandeiro do Vale do
Guaporé”.
ENTREVISTA
Zk – Qual o dia, mês e ano
do seu nascimento e a localidade?
Chico Território – Me chamo
Francisco Gonçalves Neto. Nasci no dia 6 de maio de 1953 num lugar que chama
Livramento entre Porto Murtinho e Limoeiro, no famoso Vale do Guaporé. O
apelido de Chico Território vem do seguinte: Meu pai guardava como relíquia um
terçado que tinha o timbre “Território Federal de Rondônia” e quando chegamos
em Costa Marques, brincando com meus colegas, eles esconderam o facão e eu gritava,
quero meu Território, daí pra frente quando me aproximava eles diziam “Lá vem o
Chico do Território” eu ficava fulo da vida e até brigava, assim o apelido
pegou.
Zk – O que você conhece sobre
a história de Costa Marques?
Chico Território – A
história de Costa Marques conheço de 1959 pra cá. Acontece que lá em
Livramento, gostava de tomar banho no rio e certa vez caiu um raio e eu fui
atingido, consegui correr até em casa e cai na porta, me juntaram e chegaram a
me colocar em cima de uma mesa pensando que eu estava morto. Isso foi no inicio
de 1959 e em virtude da superstição de que se o raio voltar a cair no mesmo
lugar a pessoa vítima morre, quando foi em fevereiro, meu pai me trouxe pra casa
da minha avó em Costa Marques, essa minha tia avó no mês passado completou 102
anos de idade. Quando cheguei aqui estava tudo alagado, essa enchente deste ano
de 2014 quase ultrapassa a de 59, faltou 20 cm. Na época pouca gente morava
aqui, o povoado era mais em Santa Fé e Nazaré.
Zk – Quais as festas que
aconteciam no lugar?
Chico Território – Todo ano
tinha brincadeira de Boi Bumbá e Quadrilha. Acontece que o povo que vinha dos
seringais ficava aqui nos barracões e os seringueiros gostavam de promover
essas brincadeiras no dia de Santo Antônio, São João e São Pedro e a nossa
família por parte da minha mãe, veio do rio São Miguel e depois a minha avó por
parte de pai veio também. A gente cortava seringa lá em São Bartolo e no mês de
maio, descia pra cidade e passava as festas juninas brincando Boi Bumbá e
dançando Quadrilha.
Zk – Por falar em Boi Bumbá
qual era sua função na brincadeira. É verdade que você também é parteiro?
Chico Território – Eu era o
Amo cantador e tirador de toada. Além disso, Deus me deu o dom de ser Rezador
(reza pra quebranto, espinhela caída e outras mazelas), aprendi a fazer remédio
natural e fiz muito parto. Esse conhecimento sobre remédio natural aprendi com
minha avó Protásia que é parteira e como eu era um menino muito esperto e fazia
questão de ajudar nos partos fui aprendendo. Quanto ao rezador, foi porque nos
barracões a gente via os mais velhos rezando nos meninos, e também fui pegando
a maneira de rezar. Quando já estava grande, as pessoas vinham comigo: Chico
Território vem aqui colocar o braço do fulano no lugar, vem dar massagem, vem
rezar no meu filho que está com quebranto, fulano tá com espinha de peixe
atravessada na garganta vem rezar nele, era e é assim. Pisava mastruz, amor
crescido e colocava no machucado e assim fui desenvolvendo o conhecimento sobre
as plantas medicinais ao ponto de aprender a arte da manipulação de remédios.
Fazia remédio pra coqueluche, banho pra sarampo e catapora tratava as pessoas que
estavam com impaludismo (malária). A Vivax tratamos com Quina Quina e a Falciparum
com Fedegoso.
Zk – Se não tinha
laboratório como é que você sabia qual era o tipo de malária?
Chico Território – A gente
sabia pelo horário que o frio e a febre chegava. Você teve frio e febre que horas?
De acordo com o horário a gente sabia o tipo da malária e então “receitava” o
Fedegoso, Melão São Caetano ou a Quina Quina. Depois de dez dias a gente
aplicava um purgante na pessoa para limpar o fígado.
Zk – Purgante de que?
Chico Território – Fervia o
Picão com a Raiz do Açaí e fazia aquele chá que a pessoa tinha que tomar por 30
dias, para purificar o fígado, os rins e o baço. Quando era caso de sarampo a
gente fazia o chá do Cravo de Defunto, o chá da folha do Café dava pro paciente
e depois jogava milho debaixo da cama pro sarampo sair rápido. Catapora a gente
dava logo o chá do Café pra que ela saia de uma vez e no terceiro dia a gente
começa a fazer os banhos de Quina Quina com Melão Caetano que aí não fica
coceira e nem fica marca.
Zk – Qual foi o parto mais
difícil?
Chico Território – Foi o de
uma senhora que tinha gêmeos. Foi no dia 11 de agosto 1969. Quando cheguei na
colocação ela estava com 15 dias sofrendo. O marido disse, entra Território as parteiras
estão aí faz dias e não conseguem nada. Quando vi a grávida disse, essa mulher
está inchada em virtude de tantos dias sofrendo, vamos primeiro fazer uns
banhos. Depois dos banhos peguei na barrigada dela e falei: aqui tem duas
crianças e então passamos a trabalhar para um parto de gêmeos, pariu a primeira
ainda era de dia e a noite veio a outra. Os dois estão vivos até hoje.
Zk – Devido a atividade de
rezador, benzedor, parteiro, manipulador de remédios você chegou a ser chamado
de Macumbeiro?
Chico Território – Muita
gente falava pra mim, você é macumbeiro e eu respondia não? Faço isso porque
nasci com essa vocação, minha avó me ensinou e depois de adulto fui aprendo nos
livros; Devo dizer que só aprendi a ler quando já estava com 12 anos de idade.
As orações que minha vó me ensinava estão todas na Bíblia, isso é uma tradição
que vem de pai pra filho de avo pra neto. Eles aprenderam com os ancestrais
negros. Aliás, os negros chegaram no Vale do Guaporé e habitaram Rolim, Rio
Piolho, Pedras Negras e a família da minha avó ficou em Bacabalzinho/Santo
Antônio. Dizia minha mãe que eu com 2 anos de idade comecei a rezar. Quando
passou a Coroa do Divino Espírito Santos depois eu pegava uma vela saia com as
demais crianças rezando pelas ruas da localidade.
Zk – Você falou que era Amo
de Boi. Qual Boi?
Chico Território – Quando a
dona Gregória foi embora pra Guajará Mirim nós tomamos conta do Boi que era
dela o Flor do Campo eu, seu Ferré e o finado Raimundo. Uma das toadas que a
gente cantava dizia assim: Eu queria essa beleza pra ser um homem
educado. Eu queria dar um viva ao governador do estado...
Zk – E Costa Marques
município?
Chico Território – Guajará
Mirim era um município muito grande, vinha do rio Mamoré até a foz do rio
Cabixi e toda borracha, toda castanha produzida nessa região ia toda pra lá e
então quando começou aquele movimento da criação de vários municípios em
Rondônia, nos reunimos e decidimos eleger Vereadores para nos representar na
câmara de Guajará e trabalhar pela nossa transformação em município. O
aeroporto era no Forte Príncipe da Beira a gente tinha que ir pra Conceição de
barco pra pegar o avião que nesse tempo era da Cruzeiro do Sul ou a Catalina da
FAB, muitas vezes a gente perdia o avião porque o barco era lento e não chegava
na hora. Fomos nos reunindo, Raimundo Oliveira marido da Maria Carmem, Abrão
Ibanez, Raimundo Mesquita e outros e a gente foi se inteirando. Elegemos
vereador em Guajará Mirim o seu Antônio Neném e o Raimundo Carmo Oliveira daí
foi...
Zk – Vamos deixar essa parte
da história para a edição do próximo domingo ok...!
Texto - Silvio M. Santos
Fotos - Robson Paiva
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