Francisco Gonçalves Neto o
Chico Território lembra na entrevista de hoje, o processo que culminou com a
transformação de Costa Marques em município, “Foi o Mário Jorge que deu o
pontapé inicial, realizando o plebiscito e depois veio o engenheiro genro do
Rui Almeida e o próprio Rui veio tomar conta da Mofobe e no dia 16 de junho de
1982 Costa Marques passou a município”. Chico Território fez questão
que nossa equipe ouvisse algumas histórias de sua avó dona Protásia que
completou 102 anos de idade. “Foi com ela que aprendi o oficio de
parteiro”. Dona Protásia apesar de viver numa cadeira de rodas está lúcida
e tem muita história pra contar. Durante nossa conversa ela nos presenteou
cantando hinos religiosos, toada de boi bumbá e até o Manero Pau.
Participou dessa entrevista
o cinegrafista e fotografo Robson Paiva da Emater.
ENTREVISTA
Zk – Já falamos de um bocado
de coisas inclusive da brincadeira de Boi Bumbá agora vamos falar de Costa
Marques como município. Como aconteceu a emancipação?
Chico Território – Guajará
Mirim era um município muito grande, vinha do rio Mamoré até a foz do rio
Cabixi e toda borracha, toda castanha produzida nessa região ia toda pra lá e
então quando começou aquele movimento da criação de vários municípios em
Rondônia, nos reunimos e decidimos eleger Vereadores para nos representar na
câmara de Guajará e trabalhar pela nossa transformação em município. O
aeroporto era no Forte Príncipe da Beira a gente tinha que ir pra Conceição de
barco pra pegar o avião que nesse tempo era da Cruzeiro do Sul ou a Catalina da
FAB, muitas vezes a gente perdia o avião porque o barco era lento e não chegava
na hora. Fomos nos reunindo, Raimundo Oliveira marido da Maria Carmem, Abrão
Ibanez, Raimundo Mesquita e outros e a gente foi se inteirando. Elegemos
vereador em Guajará Mirim o seu Antônio Neném e o Raimundo Carmo Oliveira que
era telegrafista aqui em Costa Marques. Aí começou a luta da transformação até
que houve um problema...
Zk – Que problema?
Chico Território – O tenente
Henrique Lopes que era da Policia Volante da Guarda Territorial, numa
infelicidade atirou num boi que se desgarrou e saiu correndo pelas ruas do
centro de Guajará Mirim e uma das balas atingiu uma criança perto da Pernambucana
na praça Mário Correia e então, ele foi transferido aqui para Pau D’Óleo de
onde veio pra Costa Marques para ser o administrador. A gente tinha uma
subprefeitura cuja sede era onde hoje é a Polícia Civil. Ali já foi escola,
cartório, prefeitura, já foi polícia federal e agora é polícia civil. O Seu
Walter Bártolo sempre passava por aqui por causa da festa do Divino e resolveu
ir pro lado de Vila de Rondônia e nós continuamos nosso movimento. Veio um
trator lá de Pau D’Óleo e abrimos a primeira rua que é a hoje avenida Chianca,
fizemos o aeroporto e o seu João Saldanha um dia ao visitar a cidade a palheta
do avião dele que era de madeira quebrou e ele teve que retornar de barco. Bom,
depois do tenente Henrique veio o projeto pra fazer a delegacia e outros órgãos
e em 1982 começou realmente o movimento que culminou com a transformação em
município de Costa Marques.
Zk – Depois do tenente
Henrique quem mais assumiu como administrador?
Chico Território – Teve o
seu Zé de Sá, Nabor dos Santos e depois o Mário Jorge que deu o pontapé
inicial, foi feito o plebiscito e depois veio o engenheiro genro do Rui Almeida
e o próprio Rui veio tomar conta da Mofobe que era uma serraria que beneficiava
madeira que era transformada em móveis na fábrica que ficava em Guajará. No dia
16 de junho de 1982 Costa Marques passou a município.
Zk – Como foi que você se
envolveu com a Festa do Divino Espírito Santo?
Chico Território – Já nasci
no meio dessa tradição, meu pai é filho de português com boliviana e minha mãe
filha de negro com índia e na época deles a Festa do Divino já existia. Quando
nasci fui prometido pro Divino Espírito Santo porque fui o primeiro filho
homem. Quando aconteceu aquele acidente do raio, mamãe fez a promessa. Fui
cantar como folião no ano que a dona Joana Lopez foi a Imperatriz a festa foi
aonde hoje é a Ação Social. Já na década de 1980 começamos a buscar o
reconhecimento da nova fase da romaria do Divino Espírito Santo colocando em
funcionamento o Estatuto da Irmandade.
Zk – O que acontecia antes
disso?
Chico Território – As
pessoas iam para o barco e não obedeciam às regras, muitas vezes terminava em
briga, chegou ao ponto de um dia se descuidarem e deixar a bandeira pegar fogo,
então começamos a trabalhar a organização e buscar a história para registrar,
eu o Manoel Rodrigues, Orlando Marques entre outros. Foi quando fizemos o
primeiro livro um livrinho branco ajudado pelo saudoso Flávio Carneiro, dona
Francisca, João Zoghbi, Luiz dos Anjos filho da dona Lídia. Tem a história de
quando me colocaram no sorteio que ia escolher o Imperador no ano de 1985.
Zk – É verdade que o Divino
apareceu em forma de Luz em cima da sua cabeça. Como foi isso?
Chico Território – Quando
colocaram meu nome no sorteio de Imperador do Divino eu já trabalhava de vigia
no fórum. Onde é o Centro Dom Alberto fizemos a igrejinha e na última noite do
festejo estavam fechando o “Copo” que ia com os nomes das pessoas para o
sorteio e estava faltando um e então disse, põe o meu, colocaram e logo tiraram,
alegando que eu era muito moleque. Quando foi de manhã na hora da reza veio
aquela Luz em cima de mim, vi e não quis dizer, pois poderia ser considerado
mentiroso, outras pessoas também viram e não falaram o Mario que estava de
joelho rezando veio e disse: “Eu vi, você é o cara”, e falou pros demais, “vi a
Luz do Divino parar em cima da cabeça do Chico”. Bom, o dia correu e já lá em
cima mandaram me chamar pra levar o “Copo” que haviam esquecido e na hora de
conferir, faltava um nome e eu tornei a dizer põe o meu. O “Copo” foi lá pra
Porto Rolim e quando chegou o dia do sorteio fui sorteado Imperador.
Zk – Você já assumiu quais
cargos na Irmandade do Divino?
Chico Território – Sou o
único dos que estão vivos, que já assumiu todos os cargos na Romaria do Divino.
Primeiro fui Folião, depois Remeiro, Alferes da Bandeira, Encarregado da Coroa,
Ronqueiro, só não fui mestre porque não toco violão.
Zk – É verdade que você foi
punido e ficou um tempo sem poder participar oficialmente dos Atos?
Chico Território – Foi o
seguinte, no tempo da Teleron a Bete Brito queria fazer umas fotos da Coroa
para que a foto fosse colocada nos cartões da Teleron. A igreja ainda não
estava concluída e a Bete tinha uma manta vermelha e colocou numa mesa, fui e
tirei as fitas da Coroa e ela fez as fotos. Na reunião mensal da Irmandade
alguém denunciou dizendo que eu tinha feito a nudez da Coroa, Fui julgado e
condenado e fiquei cinco anos sem pegar na Coroa, aquilo pra mim foi uma
tristeza muito grande.
Zk – É verdade que você
gosta mesmo e de se casar?
Chico Território –
(sorrindo) Já estou na sétima mulher. Sou pai de cinco filhos, fora os que
criei. Em setembro vou casar com a Francisca. O casamento vai ser na época do
Festival de Praia.
Zk – Você foi vereador, vice
prefeito e agora é o prefeito de Costa Marques. O que tem a dizer sobre ser
prefeito da sua cidade?
Chico Território – Estou
feliz por ser prefeito da minha cidade. A gente enfrentou dificuldade, ano
passado passamos o ano todo trabalhando para acertar as dívidas, os recursos
prometidos não vieram. Hoje a coisa tá um pouquinho melhor conseguimos liberar
alguns recursos para construção de escola e quadra esportiva, só está faltando
que o governo repasse para nós os R$ 520 Mil da enchente em virtude da
decretação de estado de emergência do município. Agora as coisas estão
realmente voltando ao normal e aproveito para convidar a população de Rondônia
para o Festival de Praia que vai acontecer no mês de setembro.
Zk – Mais alguma coisa?
Chico Território – Gostaria
que você ouvisse minha avó Protásia que completou 102 anos recentemente!
Zk – Como é o seu nome e
aonde nasceu?
Protásia – Meu nome é
Protásia Evangelista nasci lá em Santo Antônio que hoje é distrito de Costa
Marques em 1912. Por aí você tira que desde criança acompanho a Festa do Divino
Espírito Santo no Vale do Guaporé.
Zk – É verdade que a maioria
dos membros da sua família toca algum instrumento?
Protásia – Isso vem dos nossos
avôs, meu pai Evangelista tocava a violinha dele e cantava muito, outros da
família tocavam sanfona, rabeca, violão, aliás, eles mesmo faziam as rabecas e
os violões deles eu gostava de dançar e cantar. Tem um verso que me lembro:
“Morena se eu morrer e seu carinho levar, levarei você no coração...”
Zk – A senhora pegou muito
menino como parteira?
Protásia – Muito, muito
mesmo, depois esse Chico Território ficava me aperreando para aprender pegar
menino também e eu ensinei e ele passou a ser o parteiro do Guaporé.
Zk – Dona Protásia do alto
dos seus 102 anos de idade gosta mesmo é de cantar e foi o que ela mais fez
durante nossa conversa, hora lembrava um hino religioso, hora uma toada de boi
bumbá e até música como “Manero Pau” foram lembradas.
Dona Protásia não é apenas a Costamarquense mais velha, é também a matriarca de
uma família que faz da cultura popular a razão da felicidade. Parabéns aos que
habitam Costa Marques e lutam pela preservação de sua cultura e de suas belezas
naturais!
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