domingo, 15 de abril de 2012


BOTOTO


A arte contemporânea em pessoa



Quando conheci o Bototo ele ainda atendia pelo seu nome de batismo Julio Cezar Pinto de Oliveira, o artista plástico que conquistou o público de Porto Velho mostrando suas telas na Casa da Cultura Ivan Marrocos em exposições coletivas. Depois ele passou a ser visto fazendo performance em aberturas de eventos onde quer que esses eventos fossem programados. Recentemente a Audiência Pública sobre o Sistema Estadual de Cultura que aconteceu na Assembléia Legislativa foi encerrada com uma performance do Bototo que foi bastante aplaudida. Muito antes, fui procurado por ele que fazia questão em  mostrar uma série de fotografias feitas pelo fotografo italiano Antonello Venere  em sua passagem pela capital de Rondônia; “Estava na Casa da Cultura quando o Antonello chegou querendo  conversar com algum artista e como eu estava sozinho ele se interessou pela minha história e logo em seguida, foi até o centro da cidade comprou cinco metros de corda me levou para o quintal da Casa me amarrou todinho e o resultado foram essas fotos que estou lhe mostrando”. Realmente é um trabalho para ser visto por muitos, tanto que Bototo está esperando a resposta a um oficio encaminhado pelo secretário da Secel Chicão ao Porto Velho Shopping solicitando espaço para a montagem da Exposição “Ata-me”.
O artista conta como foi que resolveu adotar o nome Bototo e sobre sua espetacular fuga da Psiquiatria do Hospital de Base. “Pulei o muro e dois enfermeiros correram atrás de mim e para escapar deles passei na frente de uma carreta que vinha na Jorge Teixeira e eles ficaram do outro lado da rua”. O papo com o Bototo aconteceu no prédio do Relógio sede da Secel na última quarta feira dia 11.


ENTREVISTA






Zk – Vamos começar fazendo um resumo da sua vida?
Bototo – O resumo da minha vida é loucura e arte, isto posto, devo esclarecer que estou aqui para falar a respeito das fotografias que o Antonello Venere  um italiano fez de mim.

Zk – Como você conheceu o italiano?
Bototo – Ele estava fazendo um levantamento aqui na cidade e chegou na Casa da Cultura e me encontrou

Zk – E qual o motivo das fotografias?
Bototo – Acontece que ele se interessou pela história da minha vida. Contei pra ele de como faço meu tratamento psiquiátrico social no CAPS e daí ele achou tudo muito interessante e resolveu fazer o ensaio fotográfico comigo no quintal da Casa da Cultura Ivan Marrocos.

Zk – Vamos falar mais desse ensaio?
Bototo – Depois que ouviu minha história ele foi, comprou cinco metros de corda me amarrou todinho e começou a me fotografar de vários ângulos. Saíram belas fotografias, eu mesmo me surpreendi com o resultado do trabalho.
 

 Zk – É verdade que ele fez exposição das fotos lá na Itália?
Bototo – É verdade! Dessas fotos ele passou pra mim dezesseis para que eu fizesse uma exposição aqui. Coloquei o nome de Ata-me nesse trabalho fotográfico.


Zk – Por que esse nome Ata-me
Bototo – Porque me senti dentro do centro de psiquiatria do Hospital de Base amarrado, dopado, sem poder sair pra lugar nenhum.

Zk – Você realmente ficou internado na psiquiatria do Hospital de Base?
Bototo – Fiquei lá por algum tempo fazendo tratamento. Cheguei até a fugir. Só lembro que pulei o muro porque minhas pernas quase quebram.

Zk – Como foi essa fuga?
Bototo – Como já disse, pulei o muro e dois enfermeiros vieram atrás de mim na tentativa de me levar de novo pra lá. Não conseguiram porque passei em frente de uma carreta correndo e eles não tiveram coragem de passar. Aí fiquei perambulando pelas ruas com aquela “batina”.

Zk – Você nasceu aonde?
Bototo – Sou de Teresina – PI criado as margens do rio Xingu, mas, meu coração é daqui desse lindo lugar, da minha mãe adotiva que é Rondônia.

Zk – Quem foi que te internou na psiquiatria do Hospital de Base?
Bototo – Meus irmãos me internaram lá porque sempre eu estava tentando me suicidar e eles viram que aquilo não era normal, então procuraram a psiquiatria do HB e me internaram.

Zk – Como foi o tratamento?
Bototo – Graças a Deus fui operado em Goiânia e lá eles me recomendaram a cromoterapia (cura través das cores) e desde então, tenho melhorado bastante. Só que continuei com uns dez a quinze por cento de seqüelas e esse percentual ainda me coloca em situação difícil.

Zk – Por que você adotou o nome Bototo?
Bototo – Meu nome de batismo é Julio Cezar Pinto de Oliveira. Certa vez fui pra beira do rio Madeira com a intenção de provocar novamente suicídio. Levei a corda, consegui uma pedra grande, amarrei a corda no meu tornozelo e na canoa e tava amarrando a corda na pedra para jogar dentro d’água com tudo.

Zk – E o que aconteceu naquele exato momento?
Bototo – Estava de costas pro rio e nesse momento escutei aquela explosão da água atrás de mim, eu pensava que era uma sucuri querendo me pegar.

Zk – E quem era?
Bototo – Era o Boto! O grande Boto Tucuxi. Falei: Caramba moleque é o Boto. Naquele momento percebi que aquele susto arrancou aquilo de mim, aquela tristeza, aquele choro, aquele mal estar em suma, fiquei feliz quando vi o boto. Peguei um pedaço de madeira e comecei bater na canoa e falava: Boto, boto to aqui e o boto voltava, só que chegou um momento que ele não voltou mais.

Zk – E o Bototo?
Bototo – Então! Ficava chamando boto, boto to aqui me dei conta que aquilo dava um nome: BOTOTO.

Zk – E o que aconteceu depois?
Bototo – Quando falei a palavra Bototo aí algo do céu desceu sobre mim e falou: “De hoje por diante você não será mais Julio Cezar nas artes, você será apenas Bototo”. Me encolhi todinho no canto da canoa, como se estivesse com febre e frio e concordei.

Zk – E o artista plástico surgiu quando?
Bototo – Eu já tinha estudado técnicas de arte, arte industrial e educação artística no meu colégio no estado do Pará. Lá no Pará o negócio com arte é sério. Estudei durante três anos a arte regional. Tudo que coloco em prática aqui foi o que estudei lá, mas, também com o apoio desse médico que me fez a recomendação da cromoterapia. Sou feliz porque posso ajudar o lugar onde mora através da minha arte.

Zk – Geralmente você apresenta suas telas dizendo poesias. Quem escreve os poemas?
Bototo – Sou eu mesmo que escrevo através de uma inspiração Divina. Inclusive comecei a escrever meu livro que se chama: “Dias melhores, noites escuras – Luz dos meus olhos sonhos reais”. Nesse livro conto sobre minha vida desde criança. A violência doméstica, a expulsão de casa, morando com os padres, morando com maçons. Tudo vai estar no livro.

Zk – Você falou que vai a Brasília! Fazer o que?
Bototo – Vou a convite da Secretaria Nacional de Saúde Mental com Arte. Eles já me conhecem, pois já fui lá várias vezes, aliás, quando acontece alguma coisa comigo tipo assim: Passei quase um mês tomando medicação falsa, foi uma coisa terrível. O lote de medicamento que recebi era farinha de trigo com fubá.


Zk – Você pega esse medicamento com quem?
Bototo – No estado, inclusive em conseqüência disso entrei numa situação difícil com o Secretário de Saúde do Estado no Conselho de Saúde. Mandaram chamar a policia pra me prender e foi então que acionei a polícia Federal pra ver que a medicação era falsa, foi tanto que o Secretário foi exonerado.

Zk – Essa perturbação mental começou quando?
Bototo – Desde quando meu pai tentou o primeiro suicídio comigo. Ele me fez engolir uma colher de gente grande.

Zk – A comida que estava na colher ou a colher, colher?
Bototo – Acolher com comida e tudo. Vomitei sangue na cara dele. Eu tinha mais ou menos uns quatro anos de idade, mas, foi o suficiente para até hoje eu carregar isso. Passei um mês internado me alimentando através de canudinho e depois quando estava com seis anos de idade fugi de casa e essa fuga não foi legal Não tenho mágoa do meu pai já o perdoei.


Zk – Por que você afirma que a fuga não foi legal?
Bototo – Porque fui prum lugar que pensei que a paz ia me acolher e a paz foi totalmente cruel comigo.

Zk – Onde foi isso.
Bototo – Foi no Para dentro de um Mosteiro de Padre. A paz que me acolheu lá foi totalmente cruel, me fez pagar coisas que eu não queria pagar. Fui abusado totalmente. Só que não culpo a igreja católica por isso, pois, é nela que me abasteço espiritualmente. A igreja católica não tem culpa dessas palhaçadas praticadas por esses homens. Sofri muitas maldições e nenhuma me pegou, porque até hoje escuto a voz de Deus dizendo que é pra ninguém me tocar.


Zk – Como você considera sua arte?
Bototo – Vivo num mundo contemporâneo. Tanto pratico a arte contemporânea comigo mesmo me transformando em boneco vivo, como faço também expressões, esculturas, pinturas, artesanato, reciclagens pra mim o contemporâneo sou eu.

Zk – Você vive da arte?
Bototo – Espiritualmente vivo!

Zk – Financeiramente?
Bototo – A arte pra mim não tem preço. Eu pago a promessa que fiz dentro do hospital. Se eu voltasse para Porto Velho, porque o médico lá em Goiânia, falou que eu não tinha mais condições de voltar pra cá e Deus falou que tinha condições sim, aí falei pra Ele: Chegando em Porto Velho quero alegrar o coração de muita gente. Foi na hora que o médico perguntou se eu sabia pintar, desenhar a ficha caiu, vi que Deus estava usando o médico pra fazer aquilo comigo. Essa é a razão da minha arte não ter preço!

Zk – E o rendimento para você se manter, vem de onde?
Bototo – Foi outra bênção, pois vim pra cá para trabalhar no garimpo, porém, como já tinha praticamente terminado o segundo grau  fui procurar emprego no governo e consegui ser contratado pelo governo federal.


Zk – Para encerrar. Vamos falar da exposição Ata-me. Onde vai ser montada e quando?
Bototo – Olha, tem dois locais, o Porto Velho Shopping que o secretário da Secel o Chicão já mandou oficio para a curadora de lá pedindo espaço, só que a marchã ainda não respondeu. E tem a Casa da Cultura só que para expor na Casa da Cultura tenho que mandar meu portfólio e esperar ser selecionado.;

Zk – Quem quiser contratar o Bototo faz o que?
Bototo – Liga para (69) 8124-3507

Zk – Qual o motivo da sua admiração pelo Chicão Santos do O Imaginário?
Bototo – Porque toda vez que vejo o Chicão Santos digo, lá vai a luz. Tenho realmente um respeito muito grande por ele e pela Zaine. Gostaria que um dia eles me convidassem pra ir lá no Tapiri!

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