BOTOTO
A arte contemporânea
em pessoa
Quando conheci o Bototo ele ainda atendia pelo seu nome de
batismo Julio Cezar Pinto de Oliveira, o
artista plástico que conquistou o público de Porto Velho mostrando suas telas
na Casa da Cultura Ivan Marrocos em exposições coletivas. Depois ele passou a
ser visto fazendo performance em aberturas de eventos onde quer que esses
eventos fossem programados. Recentemente a Audiência Pública sobre o Sistema
Estadual de Cultura que aconteceu na Assembléia Legislativa foi encerrada com
uma performance do Bototo que foi bastante aplaudida. Muito antes, fui
procurado por ele que fazia questão em
mostrar uma série de fotografias feitas pelo fotografo italiano Antonello
Venere em sua passagem pela capital de
Rondônia; “Estava na Casa da Cultura quando o Antonello chegou querendo conversar com algum artista e como eu estava
sozinho ele se interessou pela minha história e logo em seguida, foi até o
centro da cidade comprou cinco metros de corda me levou para o quintal da Casa
me amarrou todinho e o resultado foram essas fotos que estou lhe mostrando”.
Realmente é um trabalho para ser visto por muitos, tanto que Bototo está
esperando a resposta a um oficio encaminhado pelo secretário da Secel Chicão ao
Porto Velho Shopping solicitando espaço para a montagem da Exposição “Ata-me”.
O artista conta como foi que resolveu adotar o nome Bototo e
sobre sua espetacular fuga da Psiquiatria do Hospital de Base. “Pulei
o muro e dois enfermeiros correram atrás de mim e para escapar deles passei na
frente de uma carreta que vinha na Jorge Teixeira e eles ficaram do outro lado
da rua”. O papo com o Bototo aconteceu no prédio do Relógio sede da
Secel na última quarta feira dia 11.
ENTREVISTA
Zk – Vamos começar fazendo um resumo da sua vida?
Bototo – O resumo da minha vida é loucura e arte, isto posto,
devo esclarecer que estou aqui para falar a respeito das fotografias que o
Antonello Venere um italiano fez de mim.
Zk – Como você conheceu o italiano?
Bototo – Ele estava fazendo um levantamento aqui na cidade e
chegou na Casa da Cultura e me encontrou
Zk – E qual o motivo das fotografias?
Bototo – Acontece que ele se interessou pela história da
minha vida. Contei pra ele de como faço meu tratamento psiquiátrico social no
CAPS e daí ele achou tudo muito interessante e resolveu fazer o ensaio
fotográfico comigo no quintal da Casa da Cultura Ivan Marrocos.
Zk – Vamos falar mais desse ensaio?
Bototo – Depois que ouviu minha história ele foi, comprou
cinco metros de corda me amarrou todinho e começou a me fotografar de vários
ângulos. Saíram belas fotografias, eu mesmo me surpreendi com o resultado do trabalho.
Zk – É verdade que
ele fez exposição das fotos lá na Itália?
Bototo – É verdade! Dessas fotos ele passou pra mim
dezesseis para que eu fizesse uma exposição aqui. Coloquei o nome de Ata-me
nesse trabalho fotográfico.
Zk – Por que esse nome Ata-me
Bototo – Porque me senti dentro do centro de psiquiatria do
Hospital de Base amarrado, dopado, sem poder sair pra lugar nenhum.
Zk – Você realmente ficou internado na psiquiatria do
Hospital de Base?
Bototo – Fiquei lá por algum tempo fazendo tratamento.
Cheguei até a fugir. Só lembro que pulei o muro porque minhas pernas quase
quebram.
Zk – Como foi essa fuga?
Bototo – Como já disse, pulei o muro e dois enfermeiros
vieram atrás de mim na tentativa de me levar de novo pra lá. Não conseguiram
porque passei em frente de uma carreta correndo e eles não tiveram coragem de
passar. Aí fiquei perambulando pelas ruas com aquela “batina”.
Zk – Você nasceu aonde?
Bototo – Sou de Teresina – PI criado as margens do rio Xingu,
mas, meu coração é daqui desse lindo lugar, da minha mãe adotiva que é
Rondônia.
Zk – Quem foi que te internou na psiquiatria do Hospital de
Base?
Bototo – Meus irmãos me internaram lá porque sempre eu
estava tentando me suicidar e eles viram que aquilo não era normal, então
procuraram a psiquiatria do HB e me internaram.
Zk – Como foi o tratamento?
Bototo – Graças a Deus fui operado em Goiânia e lá eles me
recomendaram a cromoterapia (cura través das cores) e desde então, tenho
melhorado bastante. Só que continuei com uns dez a quinze por cento de seqüelas
e esse percentual ainda me coloca em situação difícil.
Zk – Por que você adotou o nome Bototo?
Bototo – Meu nome de batismo é Julio Cezar Pinto de
Oliveira. Certa vez fui pra beira do rio Madeira com a intenção de provocar
novamente suicídio. Levei a corda, consegui uma pedra grande, amarrei a corda
no meu tornozelo e na canoa e tava amarrando a corda na pedra para jogar dentro
d’água com tudo.
Zk – E o que aconteceu naquele exato momento?
Bototo – Estava de costas pro rio e nesse momento escutei
aquela explosão da água atrás de mim, eu pensava que era uma sucuri querendo me
pegar.
Zk – E quem era?
Bototo – Era o Boto! O grande Boto Tucuxi. Falei: Caramba
moleque é o Boto. Naquele momento percebi que aquele susto arrancou aquilo de
mim, aquela tristeza, aquele choro, aquele mal estar em suma, fiquei feliz
quando vi o boto. Peguei um pedaço de madeira e comecei bater na canoa e
falava: Boto, boto to aqui e o boto voltava, só que chegou um momento que ele
não voltou mais.
Zk – E o Bototo?
Bototo – Então! Ficava chamando boto, boto to aqui me dei
conta que aquilo dava um nome: BOTOTO.
Zk – E o que aconteceu depois?
Bototo – Quando falei a palavra Bototo aí algo do céu desceu
sobre mim e falou: “De hoje por diante você não será mais Julio Cezar nas
artes, você será apenas Bototo”. Me encolhi todinho no canto da canoa, como se
estivesse com febre e frio e concordei.
Zk – E o artista plástico surgiu quando?
Bototo – Eu já tinha estudado técnicas de arte, arte
industrial e educação artística no meu colégio no estado do Pará. Lá no Pará o
negócio com arte é sério. Estudei durante três anos a arte regional. Tudo que
coloco em prática aqui foi o que estudei lá, mas, também com o apoio desse
médico que me fez a recomendação da cromoterapia. Sou feliz porque posso ajudar
o lugar onde mora através da minha arte.
Zk – Geralmente você apresenta suas telas dizendo poesias.
Quem escreve os poemas?
Bototo – Sou eu mesmo que escrevo através de uma inspiração
Divina. Inclusive comecei a escrever meu livro que se chama: “Dias
melhores, noites escuras – Luz dos meus olhos sonhos reais”. Nesse
livro conto sobre minha vida desde criança. A violência doméstica, a expulsão
de casa, morando com os padres, morando com maçons. Tudo vai estar no livro.
Zk – Você falou que vai a Brasília! Fazer o que?
Bototo – Vou a convite da Secretaria Nacional de Saúde
Mental com Arte. Eles já me conhecem, pois já fui lá várias vezes, aliás,
quando acontece alguma coisa comigo tipo assim: Passei quase um mês tomando
medicação falsa, foi uma coisa terrível. O lote de medicamento que recebi era
farinha de trigo com fubá.
Zk – Você pega esse medicamento com quem?
Bototo – No estado, inclusive em conseqüência disso entrei
numa situação difícil com o Secretário de Saúde do Estado no Conselho de Saúde.
Mandaram chamar a policia pra me prender e foi então que acionei a polícia
Federal pra ver que a medicação era falsa, foi tanto que o Secretário foi
exonerado.
Zk – Essa perturbação mental começou quando?
Bototo – Desde quando meu pai tentou o primeiro suicídio
comigo. Ele me fez engolir uma colher de gente grande.
Zk – A comida que estava na colher ou a colher, colher?
Bototo – Acolher com comida e tudo. Vomitei sangue na cara
dele. Eu tinha mais ou menos uns quatro anos de idade, mas, foi o suficiente
para até hoje eu carregar isso. Passei um mês internado me alimentando através
de canudinho e depois quando estava com seis anos de idade fugi de casa e essa
fuga não foi legal Não tenho mágoa do meu pai já o perdoei.
Zk – Por que você afirma que a fuga não foi legal?
Bototo – Porque fui prum lugar que pensei que a paz ia me
acolher e a paz foi totalmente cruel comigo.
Zk – Onde foi isso.
Bototo – Foi no Para dentro de um Mosteiro de Padre. A paz
que me acolheu lá foi totalmente cruel, me fez pagar coisas que eu não queria
pagar. Fui abusado totalmente. Só que não culpo a igreja católica por isso, pois,
é nela que me abasteço espiritualmente. A igreja católica não tem culpa dessas
palhaçadas praticadas por esses homens. Sofri muitas maldições e nenhuma me
pegou, porque até hoje escuto a voz de Deus dizendo que é pra ninguém me tocar.
Zk – Como você considera sua arte?
Bototo – Vivo num mundo contemporâneo. Tanto pratico a arte
contemporânea comigo mesmo me transformando em boneco vivo, como faço também
expressões, esculturas, pinturas, artesanato, reciclagens pra mim o
contemporâneo sou eu.
Zk – Você vive da arte?
Bototo – Espiritualmente vivo!
Zk – Financeiramente?
Bototo – A arte pra mim não tem preço. Eu pago a promessa
que fiz dentro do hospital. Se eu voltasse para Porto Velho, porque o médico lá
em Goiânia, falou que eu não tinha mais condições de voltar pra cá e Deus falou
que tinha condições sim, aí falei pra Ele: Chegando em Porto Velho quero
alegrar o coração de muita gente. Foi na hora que o médico perguntou se eu
sabia pintar, desenhar a ficha caiu, vi que Deus estava usando o médico pra
fazer aquilo comigo. Essa é a razão da minha arte não ter preço!
Zk – E o rendimento para você se manter, vem de onde?
Bototo – Foi outra bênção, pois vim pra cá para trabalhar no
garimpo, porém, como já tinha praticamente terminado o segundo grau fui procurar emprego no governo e consegui
ser contratado pelo governo federal.
Zk – Para encerrar. Vamos falar da exposição Ata-me. Onde
vai ser montada e quando?
Bototo – Olha, tem dois locais, o Porto Velho Shopping que o
secretário da Secel o Chicão já mandou oficio para a curadora de lá pedindo
espaço, só que a marchã ainda não respondeu. E tem a Casa da Cultura só que
para expor na Casa da Cultura tenho que mandar meu portfólio e esperar ser
selecionado.;
Zk – Quem quiser contratar o Bototo faz o que?
Bototo – Liga para (69) 8124-3507
Zk – Qual o motivo da sua admiração pelo Chicão Santos do O
Imaginário?
Bototo – Porque toda vez que vejo o Chicão Santos digo, lá
vai a luz. Tenho realmente um respeito muito grande por ele e pela Zaine.
Gostaria que um dia eles me convidassem pra ir lá no Tapiri!
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