EFMM
O centenário da
ferrovia que não deveria parar
A festa do centenário em comemoração a esse grande feito,
acontece hoje 30, em
Guajará Mirim
Há exatamente cem anos, era assentado o último dormente da
Estrada de Ferro Madeira Mamoré, no ponto final em Guajará Mirim, 30 de
abril de 1912. “Entre entusiasmados discursos, autoridades presentes saudavam o
término da construção dos 364
km de via férrea, um prego de ouro foi simbolicamente
batido no último dormente” , Matias Mendes no livro “Pioneiros”. Terminava
ali após várias décadas, o sacrifício dos produtores de borracha e outros
produtos brasileiros e bolivianos, de arriscarem vidas subindo e descendo as
cachoeiras existentes no trecho dos rios
Madeira e Mamoré entre Santo Antônio e Guajará Mirim.
A festa do centenário em comemoração a esse grande feito,
acontece hoje 30, em Guajará cidade que ficou conhecida como a Pérola do
Mamoré. Ao longo desses cem anos de existência, a Estrada de Ferro Madeira
recebeu vários codinomes, entre eles: Ferrovia do Diabo, A Estrada dos Trilhos
de Ouro, aquela que cada dormente representa uma vida, Ferrovia de Deus e assim
por diante.
O que pretendemos com essa matéria, é chamar a atenção de
quem de direito, para o potencial turístico que representa “A Sucata da Estrada de Ferro Madeira
Mamoré”, de como poderemos transformar em geração de renda e emprego o que
ainda resta da lendária ferrovia.
Não precisamos ir muito longe para confirmarmos o que
citamos acima, basta ir à Praça da Madeira Mamoré aos finais de semana, para
ver o quanto as pessoas gostam de apreciar, tocar, fotografar enfim, de
registrar de alguma maneira, os vagões, litorinas, prédios da estação,
armazéns, o plano inclinado e as locomotivas. É comum encontramos crianças e
adultos se equilibrando em cima dos trilhos assim como casais namorando dentro
dos vagões. A oficina é outra atração turística, pois ali podemos ver tornos,
fresas e outras máquinas que fabricavam as peças de reposição das locomotivas e
de todas as composições da Ferrovia, sem falar na exposição de ferramentas,
fotografias, e apetrechos utilizados pela administração no que denominam de “Museu
da EFMM” existente no galpão nº 1. Infelizmente esse “Museu” ninguém sabe
explicar, só abre aos domingos à tarde.
Estamos apenas falando do potencial turístico existente no
que passaram a chamar de “Complexo da Madeira Mamoré” em Porto Velho, que é
composto pelo prédio da estação, os galpões nº 1, 2 e 3, a rontuda, a oficina, o
anfiteatro e a casa onde funcionou o famoso plano inclinado.
Sucata – Atração
turística que vale ouro
Para quem gosta de praticar o turismo de trilha, podemos
indicar a caminhada pelos trilhos e dormentes entre a estação em Porto Velho até a Vila
de Santo Antônio. Nesse trecho o turista vai se deparar com o maior crime já
cometido contra o patrimônio histórico de Rondônia e brasileiro. Ali estão jogadas
locomotivas, guindastes, vagões de carga e passageiros, vagões de lastro e
tantas outras peças, que durante sessenta anos transportaram cargas e
passageiros da Bolívia, Guajará Mirim, Vila Murtinho, Colônia do Iata, Abunã,
Mutum Paraná, Jacy Paraná, e Porto Velho.,
Essa sucata se bem explorada, com certeza vai gerar divisas
e emprego, basta a prefeitura de Porto Velho ou o governo estadual mandar
limpar, tirar o mato que cobre todo o acervo, pintar nas cores originais e
colocar a disposição dos turistas guias especializados em Madeira Mamoré além,
é claro, de colocar o trem trafegando pelo menos de Porto Velho a Santo
Antônio.
Vimos que a linha férrea nesse trecho, com poucos reparos e
a retirada das residências que ficam muito perto dos trilhos, pode dar
condições para o tráfego da composição com turistas.
Guajara Mirim &
Iata, Vila Murtinho etc.
Em Guajará Mirim existe um movimento que a cada dia
cresce mais, no sentido de sensibilizar o governo estadual a recuperar o trecho
da Estrada de Ferro Madeira Mamoré que vai até o Iata. Nesse trecho o turista
vai apreciar as belezas da serra dos Parecis ou Pacaás, além de conhecer a vila
que por muitos anos, abasteceu de cereais, verduras e legumes as cidades de
Guajará Mirim e Porto Velho.
Ao contrário de Porto Velho, Guajará Mirim não tem o cemitério das locomotivas e composições da
Ferrovia, ali se conserva o prédio onde funcionou a estação e o escritório da
administração da Estrada de Ferro. É nesse prédio onde hoje funciona o Museu
com peças da nossa fauna e flora e é claro, fotografias e peças da Madeira
Mamoré, em virtude de ficar na passagem para o Porto das catraias (embarcações
que transportam passageiros até a cidade de Guayaramerim-Bolívia), o museu do
qual faz parte uma locomotiva, é bastante visitado pelos turistas, o que está
faltando, é justamente um guia especializado na história da Estrada de Ferro
para orientar os visitantes.
Além desse trecho, temos a Estação de Vila Murtinho que fica
no município de Nova Mamoré. A estação de Vila Murtinho era a que mais dava
lucro a empresa Madeira Mamoré, pois era ali que embarcavam os produtos
oriundos do Departamento do Beni na Bolívia. Vale lembrar que é justamente em
frente a Vila Murtinho que se encontram os rios Mamoré e Beni e desse encontro,
nasce o Rio Madeira.
Abunã também é potencial turístico que precisa ser explorado,
pois além da Estação da Madeira Mamoré é por lá que Rondônia tem acesso via
terrestre, ao estado do Acre, é uma região rica na produção de castanha
brasileira.
Jacy Paraná, talvez seja a cidade mais promissora das que
nasceram ao longo dos trilhos da Madeira Mamoré, pois, em virtude da construção
das Usinas Hidrelétricas de Jirau e
Santo Antônio a Vila se transformou numa cidade promissora. Turisticamente
falando, além da famosa ponte de Jacy, temos as ruínas da estação da Estrada de
Ferro e a Caixa D’água que fica a aproximadamente 1 kg do centro da Vila, além
do Rio Jacy considerado bom produtor de pescado.
História - A saga da construção da EFMM
Graças ao tratado de Petrópolis, assinado no dia 17 de
novembro de 1903, a
Estrada de Ferro Madeira Mamoré foi construída. “Os Estados Unidos do Brasil
obrigam-se a construir em território brasileiro, por si ou por empresa
particular, uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até
Guajará Mirim no Mamoré, com um ramal que passando por Vila Murtinho ou outro
ponto próximo (Estado de Mato Grosso), chegue a Vila Bela (Bolívia), na confluência
do Beni e do Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no
prazo de quatro anos, usarão ambos os países com direito às mesmas franquias e
tarifas” Cláusula VII do Tratado de Petrópolis
Tudo isso aconteceu em virtude do litígio entre Brasil e
Bolívia em torno das terras que hoje formam o estado do Acre.
Na realidade, a idéia de se construir uma estrada de ferro
para facilitar o escoamento da produção de borracha brasileira e boliviana que
era feita no trecho encachoeirado dos rios Madeira e Mamoré, surgiu no ano de
1861, através do general boliviano Quentin Quevedo e do engenheiro brasileiro
João Martins da Silva Coutinho que percorreram o rio Madeira. “A
eles, pois, cabe a prioridade da sugestão de uma ferrovia que substituísse o
trecho das cachoeiras do Alto Madeira” escreve Manoel Rodrigues
Ferreira às páginas 63 do livro “A Ferrovia do Diabo”.
Esse sonho só começou a ser realizado em 1907, quando o
empresário americano Percival Farquar após uma manobra que envolvia o engenheiro
brasileiro Joaquim Catrambi ganhou a concorrência da construção da Estrada de
Ferro Madeira Mamoré.
A primeira estaca, aquela que deu inicio a construção da
Estrada de Ferro, foi fincada no dia 23 de junho de 1907 em Santo Antonio e o
prego (de ouro), que fixou seu último dormente foi batido no dia 30 de abril de
1912, porém, a inauguração propriamente dita, só aconteceu no dia 1º de agosto
daquele ano com os trens trafegando entre Porto Velho e Guajara Mirim, na
extensão total de 364 km.
O dia que a Maria
Fumaça parou
Corria o ano de 1972 e o zum zum de que a Estrada de Ferro
Madeira Mamoré seria desativada por completo, chegara ao Café Santos, ponto de
encontro dos portovelhenses, que ficava na esquina das ruas Sete de Setembro e
Prudente de Moraes.
Ao iniciar o mês de julho as rádios e os jornais impressos
começaram a divulgar uma nota da administração da Estrada de Ferro Madeira
Mamoré convidando a população para a solenidade de encerramento das atividades
da Estrada de Ferro que aconteceria no dia 10 de julho as 19h00.
Exatamente as 19h30 do dia 10 de julho de 1972, as
locomotivas que estavam no pátio da Estrada de Ferro em Porto Velho tocaram
seus apitos durante cinco “longos” minutos. Foram 60 (sessenta) anos
percorrendo os 366 km
de extensão da ferrovia, que levou o progresso para dezenas de localidades e
transportou toneladas e toneladas de borracha, castanha e tantos outros
produtos produzidos tanto pelos brasileiros como pelos bolivianos. Pois é, no
dia 10 de julho de 1972 a
Maria Fumaça parou. Parou mas, não foi totalmente desativada.
Os números da Madeira
Mamoré
Segundo estatísticas, trabalharam na construção da Estrada
de Ferro Madeira Mamoré 22 Mil operários, recrutados em portos de vinte e cinco
países e até em prisões.
Eram portugueses, espanhóis, italianos, russos, cubanos,
mexicanos, porto-riquenhos, libaneses, sírios, índios, norte americanos,
nordestinos brasileiros, antilhanos, granadenses, tobaguenses, barbadianos,
noruegueses, poloneses, chineses e indianos. (Francisco Matias no livro
Pioneiros).
Manoel Rodrigues publica em “A Ferrovia do Diabo”, que no
final da construção a Companhia divulgou o número de óbitos durante os anos de
1907 e 1912: 1.552. Esse número refere-se apenas aos que foram a óbito no
Hospital da Candelária. Os que morreram, mas não eram empregados, não são
computados, como também não constam os que morreram nas viagens de volta depois de abandonarem
Santo Antônio e Porto Velho. “Podemos assim multiplicar o total acima por 4 o
que daria 6.208 óbitos” escreve Manoel Rodrigues.
O governo brasileiro pagou pela construção da ferrovia
62.194:374$366 contos de réis.
A reativação
Várias foram às tentativas de reativação de trechos da
ferrovia, porém, todas fracassaram. O que achamos é que essas tentativas não
deram certo por que não foram cuidadosamente planejadas.
Vinha um governo e dizia, vamos reativar o trecho tal da
Estrada de Ferro, convocava os antigos ferroviários para darem um jeito de
colocar a máquina (locomotiva), para funcionar. Eles atendiam a convocação e o
trem voltava a correr pelos trilos por algumas semanas ou meses e logo paravam.
Chegaram até a Vila do Teotônio, porém terminou por ficar fazendo o trecho de
Porto Velho a Santo Antônio, fato que também não deu certo.
Em Guajará por alguns anos aconteceu a viagem até o Iata,
mas, por falta de planejamento também parou.
Hoje pelo menos em Porto Velho, a prefeitura em parceria com a
empresa Santo Antonio Energia está restaurando o girador, a rotunda e o galpão
onde funcionou a oficina, já foram restaurados os armazens nº 1 e 2 faltando
apenas do nº 3.
Em Guajará Mirim, o governo estadual está
restaurando o Museu que funciona no prédio da antiga estação.
O sonho de todos os rondonienses em especial, os que residem
em Porto Velho
e Guajará Mirim, é ver o trem voltar a correr pelos “Trilos de Ouro” da Estrada
de Ferro Madeira Mamoré a “Ferrovia de Deus”.