Histórias
do pipoqueiro da Catedral de Porto Velho
Sou frequentador assíduo da
missa da 18 horas de domingo, na Catedral do Sagrado Coração de Jesus e também
dos eventos culturais que acontecem no Sesc Esplanada e em ambos ambientes,
sempre encontro o seu Pedro Ribeiro a quem chamo de Pipoqueiro, porque no pátio
desse locais, ele sempre estaciona seu carrinho de Pipoca.
A gente se conhece a muitos
anos, ele vendendo pipoca e eu fazendo cobertura jornalísticas dos eventos, ou
então praticando minha religiosidade. Na saída da missa de corpo presente no
velório de Dom Moacyr Grechi na Catedral, fiquei prestando atenção no Pedro e
de como ele é simpático, ao atender, principalmente as crianças no seu carrinho
de pipoca. Pela sua aparência o imagina com no máximo 50 anos de idade e para
minha surpresa, ao entrevista-lo tomei conhecimento de que, ele nasceu em
dezembro de 1940, portanto está prestes a completar 80 anos de idade. Se
dizendo namorador de primeira linha, achei por bem ouvir sua história.
ANTREVISTA
Zk – Você veio de onde para
Rondônia?
Pipoqueiro – Na realidade
nasci em Manicoré (AM) no dia 26 de dezembro de 1940, portanto estou com 79
anos de idade beirando os 80.
Zk – E quando foi que você
veio para Porto Velho?
Pipoqueiro – Vim pra cá nos
anos de 1960 e consegui trabalho como cassaco na Estra de Ferro Madeira Mamoré,
lembrando que não era “Fichado”, trabalhava para uma firma que fazia serviço
para a Madeira Mamoré. Nossa lida era embarcar dormente nos vagões e esses
dormentes eram utilizados na manutenção da linha de trem. Inclusive cheguei a
ir tirar dormente na mata.
Zk – Fala sobre esse
trabalho de tirar dormente e qual era a madeira utilizada?
Pipoqueiro – A firma que eu
trabalhava como já disse, fornecia dormentes para a Madeira Mamoré e a gente ia
tirar esses dormentes na hoje, estrada que vai para Humaitá. A madeira
utilizada na fabricação do dormente era a Itaúba. O processo era o seguinte:
derrubar a árvore lavrar o caule de maneira que ficasse quadrado, tem que ser
tudo igual, quer dizer, cada lado na mesma largura, que é para o dormente não
ficar em falso quando for assentado.
N.R – Dormente - Peça de madeira, onde os trilhos são apoiados e
fixados e que transmitem ao lastro parte dos esforços e vibrações produzidos
pelos trens.
Zk – Outro
serviço que você exerceu?
Pipoqueiro
– Depois fui trabalhar como “Chapa”, carregando e descarregando carga dos caminhões
que traziam mercadorias de São Paulo para as empresas (comerciantes) de Porto
Velho, nosso ponto era no supermercado Maru que ficava na Sete de Setembro com
a Joaquim Nabuco. No meu caso eu preferia trabalhar com a carga destinadas aos
comerciantes da cidade, quer dizer, não pegava serviço para descarregar ou
carregar na beira do rio Madeira.
Zk – Você é
ou foi casado, com quem?
Pipoqueiro
– Fui casado durante 60 anos com a dona Valdelice Pereira Góes, casamos na
igreja do Rosário nas Pedrinhas. Tivemos dez filhos, dois morreram. Minha
mulher morreu ano passado.
Zk – Desde
quando você trabalha como pipoqueiro?
Pipoqueiro
– Tenho 40 anos vendendo pipoca. Comecei a vender pipoca na Exposição Agropecuária
que era montada no Parque dos Tanques antes da Expovel, naquele tempo se não
estou enganado o nome era Expoagro.
Zk – E
depois?
Pipoqueiro
– Depois passei a vender na porta dos colégios Carmela Dutra, Laura Vicuña. Do
Laura passei para frente da Catedral onde vendo pipoca até hoje. Só que na
Catedral é mais aos finais de semana (sábado, domingo e segunda feira) ou
quando tem procissão. Hoje, durante a semana meu ponto é em frente ao Sesc
Esplanada. Quando o futebol aqui era considerado um dos melhores da Amazônia, vendia
no estádio Aluízio Ferreira. Naquele tempo as torcidas lotavam o estádio, o
bicho pegava de verdade e eu lá vendendo pipoca, era muito bom, o jogo e a
venda.
Zk –
Quantos pacotes de milho você utiliza por dia?
Pipoqueiro
– Em dias normais é pouco, agora quando tem procissão, como aconteceu no dia de
Corpus Christi (quinta feira, 20) preparo até dez quilos de milho de pipoca.
Nos dias normais preparado em média dois quilos, isso trabalhando somente à
noite na porta do Sesc atendendo o pessoal da terceira idade.
Zk – Quando
você veio morar em Porto Velho estava com 20 anos de idade, no auge da
juventude. Como era a vida de solteiro na Porto Velho daquele tempo?
Pipoqueiro
– Meu negócio era trabalho e mulher, frequentei as boates que existiam ali pela
rua Afonso Pena como Tambaqui de Ouro, Mãe Preta, Tartaruga, Anita que já era
na D, Pedro II, porém, a que mais gostava, era a da Maria Eunice que pra quem
não sabe, o nome era “Nova Olinda”.
Zk – E
festas os chamados bailes?
Pipoqueiro
– Gostava das festas no Danúbio Azul que era onde hoje está o Porto Shopping na
Tenreiro Aranha com a Carlos Gomes. Meu carnaval brincava no Danúbio era o
carnaval de salão, nunca desfilei em bloco ou escola de samba, meu negócio era
brincar acompanhado de uma mulher, isso antes de casar, porque depois de casado
deixei a boemia e vivi apenas para minha querida esposa. Quando solteiro
cheguei a ter xodó no puteiro.
Zk – O que
é ter xodó?
Pipoqueiro
– Xodó é quando a gente se apaixona por uma prostituta e passa a ficar com ela,
apesar de não proibi-la de trabalhar, devo esclarecer que aquela paixão não era
tão sincera, pois nesse meio tempo a que chegasse primeiro eu saia, porém,
aquela do xodó era sempre a escolhida para dormir.
Zk – Era
gigolô, aquele malandro que vive por conta da mulher?
Pipoqueiro
– Não! Nunca fui gigolô, as mulheres que eu saia recebiam o devido cachê por
programa. A Diferença do Xodó para o Gigolô é a seguinte: O Xodó banca parte
das despesas da amante enquanto o Gigolô vive à custa da amante. O cara espera
até ela atender o último cliente pra tomar o dinheiro dela. Eu sempre banquei
minhas mulheres.
Zk –
Voltando no tempo. Como era a Porto Velho nos anos de 1960?
Pipoqueiro –
Ainda era muita pequena, a cidade o mais que chegava era no Mercadinho do KM-1
e assim mesmo a Sete de Setembro da Joaquim Nabuco pra lá era só o caminho,
carro pra passar era uma luta, era mais as carroças puxadas por boi ou cavalo. A
Madeira Mamoré e seus trens eram o que mais movimentava a cidade. No “Plano
Inclinado” atracavam os grandes navios Lobo D’almada, Augusto Monte Negro,
Lauro Sodré etc. O comercio era só no centro, Tinha o Bar Arara, a Sinuca no
Café Central, o Cine Brasil e o Cine Teatro Resk. Casa Saudade do T.T Dias,
Tufic Matny, Padarias do Resk e do Raposo. Depois veio o Café Santos, A Praça
de Táxis era na Jonathas Pedrosa onde
tinha o Posto São Luiz e o Alto Madeira. São coisas que me lembro daquela Porto
Velho.
Zk – Você
frequentou a fila da carne?
Pipoqueiro
– A fila da carne na madrugada não. Eu ia muito pra fila do ‘Miúdo de Boi’. Eu
chegava às 2 horas da tarde no Mercado Municipal e ficava na fila esperando
chegar o Bodó (açougueiro) com os miúdos. Tinha um detalhe, a gente só comprava
a tal de “MISTURADA”, era um pedacinho de fígado, outro de coração, rins e bobó
que era a maior quantidade. Outra parte que a gente comprava muito era Mocotó,
Tripa, Livro e Bucho de Boi.
Zk – Você
falou em mocotó, bucho, livro e tripa de boi. É verdade que naquele tempo o
prato mais consumido em Porto Velho aos sábado, era a Panelada. Quais os
principais ingrediente da panelada?
Pipoqueiro
– É isso mesmo, naquele tempo não tinha esse negócio de feijoada, o prato mais
procurado aos sábados, era a PANELADA cujos ingredientes são: Mocotó, bucho,
livro, tripa gaiteira (grossa) e fina que recebiam os temperos e era colocada
no fogo de fogareiro a carvão no inicio da noite de sexta feira e só ficava
pronta, lá pelas 11 horas de sábado,
Zk – Para
começar a encerrar. E as festas juninas?
Pipoqueiro
– Quando cheguei aqui e até o inicio dos anos de 1980, as festa aconteciam mais
nos colégios. Tinha o Arraial da Catedral que também era bastante frequentado.
Os bois bumbás saiam pelas ruas e dançavam em frente às casas dos “Categas”. Só
quando Rondônia passou a estado as festas juninas foram valorizadas com a
criação do Arraial Flor do Maracujá.
Zk – Para o
ano você completa 80 anos de vida e está em plena forma?
Pipoqueiro
– Graças a Deus! O segredo é a boa alimentação, praticar exercício, eu ando
muito de bicicleta pela cidade; gosto mesmo é de namorar, depois que fiquei
viúvo não parei. Por falar nisso, gosto de mulheres gordas a minha atual namorada
pesa 90 quilos. Com a venda de pipoca criei meus filhos e vivi muito bem com
minha mulher que era funcionária da prefeitura de Porto Velho e me ajudou
muito. Vai ver nossa casa lá nas pedrinhas, parece uma mansão, tudo com o suor
do trabalho da minha mulher e com a venda de pipoca. Ser pipoqueiro é um
orgulho pra mim.
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