Histórias
da tacacazeira mais antiga de Porto Velho
De segunda a sábado quem
passa pela rua Tenreiro Aranha nas proximidades da D. Pedro II, se depara com
um aglomerado de gente em volta de uma mesa. São os fregueses do Tacaca e do
Croquete da Dona Inês a tacacazeira mais antiga em atividade em Porto Velho. A
Banca está completando 60 anos sempre montada no mesmo local. Dona Inês está
com 81 anos de idade. “Nasci em 1937 e vim pra cá no final da
segunda guerra mundial”. Carnavalesca por excelência, brincou carnaval
no Danúbio Azul Bailante Clube e chegou a desfilar pelas escolas de samba Os Diplomatas,
Seka Buteco e atualmente frequenta a escola Asfaltão. Essa cearense que
acompanhou sua mãe pelos seringais do Vale do Guaporé e ao fixar residência em
Porto Velho montou a banca de tacaca tem muita história pra contar.
Com a história da Dona Inês,
homenageamos todas as mães nesse dia 13 de maio. Dia das Mães em 2018!
ENTREVISTA
Zk – Vamos falar sobre sua
origem?
Dona Inês – Nasci em
Fortaleza (CE) em 1937, quer dizer, estou com 81 anos de idade, vim pra cá
quando a segunda guerra mundial estava terminando em 1945, era no tempo dos
Arigós. A história é a seguinte: Meu pai
Euclides Miguel da Silva veio como Soldado da Borracha ele deixou minha mãe
grávida la no Ceará, naquele tempo, o presidente da república era o Getúlio
Vargas que dava passagem pra todo mundo vir para a Amazônia. Ele passou um
telegrama pra mamãe quando já estava no Maranhão.
Zk – E vocês faziam o que
para sobreviver?
Dona Inês – Depois daquele
telegrama, nunca mais tivemos notícia do meu pai. Minha mãe fazia de tudo para
nos sustentar inclusive, ganhava dinheiro carregando água para a casa das
pessoas ricas. Depois de um ano o governo federal liberou passagem para as
mulheres que haviam ficado, aí minha mãe se avexou, sem eira nem beira colocou
nossas roupas dentro de um saco, como diz a música do Luiz Gonzaga: “A maleta era um saco e o cadeado era um nó”.
De inicio levaram a gente pruma hospedaria em Fortaleza mesmo, depois embarcamos
no Alexandrino rumo a Belém onde ficamos numa outra hospedaria. Depois de algum
tempo chegou à ordem pra gente embarcar pra Manaus. Mamãe descobriu que o nome
do papai estava numa lista que dizia que ele estava nos seringais do Território
do Guaporé, ela foi com o governador e conseguiu passagem e viemos, só que
passamos direto para Guajará Mirim.
Zk – Como descobriram o
seringal que o seu Euclides trabalhava?
Dona Inês – Quando chegamos
em Guajará, pergunta daqui, pergunta dali, minha mãe foi apresentada a um
senhor pernambucano que era dono do seringal Ouro Preto que disse, “Ele foi meu seringueiro e agora está
trabalhando no seringal do Manussakis”. Pra encurtar a história ele mandou
levar a gente pro seringal, fomos de motor de popa e a noite dormíamos numa tal
de “Pascana”.Só sei que encontramos papai que de inicio não queria nos aceitar
porque estava noivo com uma boliviana. A choupana do papai era muito precária e
minha mãe não quis ficar e foi pro Barracão e meu pai resolveu ir junto, só que
tiraram ele do corte da seringa, para o corte de Caucho. Depois de três meses
meu pai morreu e ficou devendo muito.
Zk – Você foram embora do
seringal?
Dona Inês – Tinha um gerente
por nome Abiorana que não deixou a gente sair de lá, ele era ruim que só a porra,
enquanto não pagasse a dívida do papai. Foi quando apareceu um seringueiro
baixinho e perguntou se mamãe queria morar com ele e ela aceitou, Com dois anos
ele quitou tudo e então fomos pra Guajará Mirim. Minha mãe se separou dele e
voltamos pra Fortaleza (CE), depois voltamos novamente pra cá e fomos para
Abunã, certo dia vi aquele homem e falei: Mamãe olha quem ta ali, o meu
padastro, resultado, eles voltaram a morar juntos. Eu como já estava mocinha
não fui com eles não.
Zk – E foi pra onde?
Dona Inês – Vim pra Porto
Velho e me empreguei na casa da Estela Alencar filha do seringalista Jaime
Alencar onde me dei muito bem. Foi o tempo que conheci o Waldomiro Andrade e
sai gestante da Lúcia. Fui morar com ele num quartinho no edifício conhecido
como Céu em frente o cemitério dos Inocentes. Não tínhamos nada, nossa mesa era
uma caixa de sabão, a toalha eu fazia de saco de açúcar, foi o tempo que ele
comprou essa casa da Tenreiro Aranha onde a gente vende tacaca até hoje, ele
era empregado do I.B. Sabbá. O I.B. Sabbá fechou e ele ficou desempregado e eu
já tinha a Lúcia e mais duas filhas que morreram. É aí que começa a história do
tacaca.
Zk – Vamos contar essa
história?
Dona Inês – Depois que o
Waldomiro ficou desempregado começamos a passar por necessidade e tínhamos uma
vizinha muito boa que nos ajudou muito, aí o Waldomiro tentou ser chofer de
praças (motorista de táxi) e não conseguiu, foi quando alguém perguntou se ele
queria se empregar no armazém do seu Miguel Arcanjo e ele aceitou. Antes disso,
essa vizinha que era minha comadre Julia, perguntou, “você não sabe fazer
nada”. Sei não! – Vou te ensinar a fazer tacaca e você vai vender pra ganhar um
dinheirinho. Arruma macaxeira pra tirar o tucupi que eu te ensino, disse ela.
Zk – E então?
Dona Inês – O compadre
Wilson marido dela, comprou algumas cuias, camarão, jambu e o Dega aquele que
vendia mingau em frente ao Mercado Municipal e ficou famoso, tinha um sítio por
ali onde hoje é a igreja de Nossa Senhora de Fátima no Areal, fui com ele e
encomendei uma saca de macaxeira amarela. Quando o Dega chegou com a macaxeira
minha comadre disse, passa o pau comadre, descasca que vou te ensinar a fazer
tacaca, pedi por Wilson fazer uma ralo (até hoje tenho esse ralo), ela me
ensinou a tirar o tucupi e a goma da mandioca e então comecei a vender tacaca.
Zk – Sessenta anos. É a
banca de tacaca mais antiga de Porto Velho. Qual o segredo do seu tacaca?
Dona Inês – Tudo que gente
faz com amor fica gostoso, esse é o segredo. A gente tempera com jambu e
camarão. No meu tucupi vai chicória, alho e alfavaca e a cabeça do camarão
batida no liquidificador e peneirada, não tem nada de especial a não ser o
amor.
Zk – Outro sucesso da sua
banca são os croquetes. Desde quando a senhora começou a fazer croquete pra
vender?
Dona Inês – Já o segredo do
croquete é uma boa macaxeira e o tempero da carne moída. E assim como já disse,
criei todas as filhas. Me separei do Waldomiro quando as meninas ainda eram
pequenas. Um senhor que era dono do sítio onde hoje é o banho do Souza me encontrou
e foi dizendo: Ô dona Inês a senhora foi lá no sítio e nem nos visitou e eu
admirada, eu mesma não! Não sei nem aonde é esse sítio que o Waldomiro ta
tirando. Acontece que a Socorro que o Waldomiro havia tirado do puteiro, estava
grávida e eu também estava grávida do meu único filho. Foi ela que o foi lá com
o Waldomiro.
Zk – Essa casa da D. Pedro
II era de quem?
Dona Inês – Essa casa quem
comprou foi o Waldomiro ela era do João Barril. Um dia o Waldomiro chegou
comigo e disse: Inês vai la com o João Barril e ver quanto ele quer na casa.
Fui la no Clipper que ficava na 7 de Setembro e perguntei quanto ele queria na
casa, ele disse que tava pedindo 300 contos e eu fiz a proposta de 200 contos. No
outro dia o Waldomiro fechou o negócio e estamos aqui até hoje.
Zk – Como foi que a senhora
se transformou em folia do nosso carnaval?
Dona Inês – Frequentei muito
o Danúbio Azul Bailante Clube. O Waldomiro quando ainda morava com a gente, no
tempo de carnaval ele me deixava no Danúbio e ia pro puteiro, ele sempre foi
sem vergonha, quando a festa terminava ele tava me esperando na portaria junto
com o Severino Porteiro. A Diplomatas do Samba já existia e passou a ser a
nossa escola. Antes o carnaval era muito animado, tinha os bailes infantis às
tardes de domingo e os bailes de carnaval para os adultos em tudo quanto era
clube social, hoje o carnaval é só na rua.
Zk – E hoje a senhora ainda
desfila?
Dona Inês – Desfilei muito,
inclusive no “Seka Buteco”; hoje devido à idade, apenas gosto de freqüentar os
eventos da escola Asfaltão. De vez em quando, os meninos do Bloco Mistura Fina
me colocam em cima do carro de som e eu acompanho o desfile do dia 31 de
dezembro.
Zk – Para encerrar. Que
horas começa o preparo do tacaca e do croquete.
Dona Inês – Por volta das
cinco da manhã às meninas (mais a Vera) começa a ralar a macaxeira pra fazer o
croquete e o tucupi, quando dá nove horas um dos genros vem e espreme pra tirar
o tucupi e a goma. Quando me levanto lá pelas nove horas, vou temperar e colocar
no fogo. Sei que quando dá duas horas da tarde, elas abrem a banca que fica até
a boca da noite.Volto a lembrar, nossa banca de tacaca é a mais antiga de Porto
Velho!
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