A
história do lanche J. Lima
Foto Rosinaldo Machado |
Todo dia de segunda a sábado,
a partir das 9 horas, é preciso paciência para conseguir degustar as iguarias
preparadas por dona Francisca Silva no lanche J Lima, na esquina da rua João
Goulart com a Amazonas no bairro N.S. das Graças. Esse sucesso começou na
década de 1960 no Mercado Municipal (hoje cultural), logo após o incêndio que
destruiu parte do prédio. “Antes o J Lima vendia caldo de cana pelas
ruas da cidade num carrinho com a engenhoca de moer a cana”. Depois que
abriram a rua Amazonas e a João Goulart o lanche foi para o prédio onde
funciona até os dias de hoje. Quinta feira santa 13, cumprindo pauta para
registrar a obra do artista Afonso Ligório, encontramos o J. Lima abarrotado de
gente. “Toda quinta feira santa venho aqui degustar as iguarias que são todas
recheadas com bacalhau” disse um freguês. Após o fotógrafo Rosinaldo
Machado terminar de registrar a obra do Afonso Ligório existente no teto da lanchonete,
vi dona Francisca literalmente com a mão na massa, fazendo os bolinhos e
resolvi saber a história do sucesso do lanche. Saiba você também, a partir da
entrevista que segue.
ENTREVISTA
Zk – Sem parar de trabalhar,
qual seu nome completo?
Dona Francisca – Francisca
da Silva apenas. Nasci em 1942. Meu pai Antônio Belarmino da Silva era
pernambucano e minha mãe Maria Ferreira da Silva era amazonense e eu nasci aqui
na época que pertencia ao estado do Amazonas.
Zk – Fale sobre a lanchonete
do J Lima. Como era o nome dele?
Dona Francisca – José Gomes
de Lima. Ele começou vendendo caldo de cana num carrinho, era ambulante,
naquele carrinho tinha a engenhoca onde ele moía a cana e tirava o caldo.
Zk – E o ponto no Mercado
Municipal (hoje cultural)?
Dona Francisca – Foi logo
após o incêndio que queimou parte do Mercado, ele conseguiu aquele ponto na
esquina da José de Alencar com a travessa Renato Medeiros (hoje Calçadão
Manelão) e ali montou o lanche J. Lima.
Zk – A senhora viveu com o J
Lima quantos anos?
Dona Francisca – Vivemos
juntos durante 36 anos, apesar de não sermos casados. Nos encontramos, deixa me
lembrar, acho que fui comprar um caldo de cana no carrinho dele e então, ele se
interessou por mim e depois ficamos juntos até a morte dele,
Zk – Como era o J. Lima?
Dona Francisca – Era um
homem bom, trabalhador, namorador também, bom pai, pescador contador de
estórias, bom marido.
Zk – A senhora sempre ajudou
no lanche?
Dona Francisca – Quando
conheci o J. Lima trabalhava na Maternidade Darci Vargas como zeladora. Quem
arranjou o emprego na Maternidade foi dona Helena Erse. Naquela época não tinha
muita gente pra trabalhar. A gente era enquadrada pelo DASP. Após estar com o
J. Lima já com três anos, ele me pediu pra sair do governo para ficar ajudando
no lanche que havia sido aberto no Mercado Municipal e o negócio aumentava a
cada dia. Aceitei o pedido dele e pedi demissão do governo.
Zk – Vocês moraram em quais
bairros de Porto Velho?
Dona Francisca – Sempre
moramos aqui neste local, antes era pela avenida Nações Unidas e quando abriram
a Amazonas e a João Goulart passamos pra nova esquina, essa parte de terreno
aqui, era todo nosso, Naquela época era só mato, depois veio a Cobal e começou
a melhorar.
Zk – A senhora gostava de
frequentar as festas nos clubes que existiam naquele tempo?
Dona Francisca – Não, eu não
era muito de festa não, o J é que gostava. Quanto tinha festa de São Sebastião
lá no Belmonte ele não perdia uma. Era melhor ficar em casa pra não se
aborrecer, ele era muito namorador e às vezes até levava as gatinhas pra festa
e como eu não ia, é como diz o ditado “Quando os olhos não vêm o coração não
sente”.
Zk – Quantos filhos vocês
tiveram?
Dona Francisca – Seis filhos,
cinco mulheres e um homem: Luana, Solange, Maria Auxiliadora e Marcio José e a
outra nasceu de sete meses/morta foi batizada como Maria.
Zk – O J. Lima morreu em que
ano?
Dona Francisca – Deixa eu
perguntar da minha filha Luana. Foi no dia 27 de setembro de 1997. Todos os
filhos ajudam dona Francisca no Lanche.
Zk – Além desse patrimônio
(prédio) existem outros?
Dona Francisca – Agora não.
Antes existiam outros imóveis, porém com a morte dele tivemos que vender, para
dividir a herança com a primeira família dele, nós somos a segunda família.
Zk – A senhora vivendo aqui
há muitos anos, com certeza viu o nascimento do bairro N.S. das Graças?
Dona Francisca – Vivemos
aqui há mais de cinquenta anos. Quando aqui chegamos era só mato, lagoa, não
existia a rua Amazonas e a Nações Unidas ainda era BR. Já existia a igrejinha
de Nossa Senhora das Graças aquela igreja antiga, tinha também a torre da Rádio
Caiari no terreno da igreja, o vigário era o padre Vitor Ugo e depois o padre
Bernard. Sou católica praticante, vou à missa todo domingo e acompanho a
programação da igreja.
Zk – A senhora falou que o
J. Lima era namorador. Então fale mais sobre o J Boêmio?
Dona Francisca – Ele era
muito bagaceiro, dançarino, bebia pinga, bebia tudo sem exagero, uma das
pessoas que ele gostava muito era o Bola Sete, aliás, a turma da escola
Diplomatas era a turma dele, além do pessoal da pesca, vamos dizer a pescaria
era por lazer, isso era todo final de semana. Ele pescava mesmo e trazia os
peixes pra casa.
Zk – Qual o segredo do
sucesso do lanche. Ele fazia os salgados?
Dona Francisca – Não, ele só
vendia. Os salgados sempre foram feitos por mim. O segredo é o amor com o qual
faço esses salgados.
Zk – Como surgiu à famosa
saltenha do J Lima?
Dona Francisca – Nossa
saltenha quem deu a receita foi uma boliviana, só que ela fazia a saltenha
boliviana tradicional que é com frango e batata, foi o J. Lima quem incrementou
a carne de boi moída e transformou a saltenha boliviana na saltenha do J. Lima
que até hoje faz sucesso. Outra coisa que chamava muita freguesia na época do
Mercado, era o nosso refresco que era feito da fruta cupuaçu, maracujá, cajá,
tamarindo, abacaxi e é claro o caldo de cana feito na hora.
Zk – E esse negócio de fazer
os salgadinhos na quinta feira Santa apenas com recheio de bacalhau?
Dona Francisca – Acontece
que seguimos a regra da nossa religião católica que diz, que na semana santa,
só devemos comer peixe, então, criamos a tradição de fazer tudo à base de
bacalhau, é saltenha, croquete e o próprio bolinho de bacalhau. Muita gente vem
aqui na quinta feira Santa só por causa disso.
Zk – A senhora é do tempo
que quando as crianças faziam traquinagem na Semana Santa pagavam com peia no
sábado de aleluia?
Dona Francisca – Pois é,
aprontava durante a semana e quando chegava o sábado de aleluia não tinha
escapatória, entrava na palmatória. Também lembro que a turma gostava de
“roubar” galinha do vizinho, porém, o mais interessante era o judas que as
pessoas penduravam nos postes e até na porta das casas, o testamento do judas
era o que chamava mais a atenção. Nunca apanhei no sábado de aleluia porque
sabia me comportar.
Zk – A senhora estudou em
quais colégios?
Dona Francisca – Estudei no
Grupo Escolar Zenóbio da Costa que era no Morro do Querosene e no Barão do Solimões.
Zk – Como é o seu dia-a-dia?
Dona Francisca – Todo dia me
acordo cedo cinco e meia/seis horas e já começo a trabalhar preparando os
recheios dos salgados. O J. Lima funciona de manhã até o meio dia e a tarde a
partir das 14 horas. Fechamos para o almoço e pra famosa sesta após o almoço.
Sábado funcionamos até uma hora e quase sempre, a gente se arruma e vai pro
sítio da minha filha, passar o final de semana descansando, que ninguém é de
ferro.
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