sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

SERRA, SERRINHA, SERRANO - O IMPÉRIO DO SAMBA

Por Pedro Paulo Malta


No momento em que a música brasileira comemora o centenário de lançamento do primeiro samba de sucesso, “Pelo telefone”, o presente vem em forma de livro: a segunda edição – revista e ampliada – de “Serra, Serrinha, Serrano: o Império do samba”, obra de Rachel Valença e Suetônio Valença que refaz a história de uma das escolas de samba mais tradicionais do carnaval carioca: o Império Serrano. O lançamento, pela editora Record, atualiza em 36 anos a primeira edição do livro, publicada em 1981 e esgotada pouco depois, transformando-se numa raridade disputada a peso de ouro em sebos de todo o país.
Desde então, Rachel Valença seguiu acompanhando de perto a escola de seu coração, participando dos carnavais, anotando fatos relevantes e guardando heranças que recebia das famílias de antigos imperianos. Tocou na bateria, foi diretora cultural e vice-presidente em dois mandatos – após o mais recente (entre 2006 e 2010), sentiu-se pronta para se dedicar à nova edição do livro. Já sem a parceria de Suetônio (falecido em 2006), desengavetou seus alfarrábios, vasculhou arquivos de jornais e fez novas entrevistas para complementar as histórias já contadas e acrescentar novos fatos – como o histórico e profético enredo “Bum bum paticumbum prugurundum”, que valeu à escola alviverde seu título mais recente, em 1982, um ano após a primeira edição do livro.
E assim, nas 433 páginas da nova edição – mais do que o triplo em comparação às 129 originais – estão os “episódios relicários” dessa história: a começar pelo levante de sambistas do Morro da Serrinha (na Zona Norte do Rio) contra o autoritarismo do presidente da escola local, o Prazer da Serrinha. O resultado do levante é o próprio Império Serrano – fundado por aqueles dissidentes, em 23 de março de 1947. Uma história iniciada, à luz da democracia, na casa de D. Eulália do Nascimento, que aliás é personagem fundamental no livro de Rachel e Suetônio, com sua língua afiada, especialmente quando o tema é a principal rival do Império, a Portela, escola do bairro vizinho de Oswaldo Cruz.
A história também é contada através da atuação decisiva de outros personagens, como o pai-de-santo Elói Antero Dias, responsável por providenciar os instrumentos da primeira bateria da escola. E como o evangélico Silas de Oliveira, que terá que romper com os próprios pais para se tornar o maior nome da história do samba-enredo, como compositor dos antológicos “Aquarela brasileira” e “Heróis da liberdade”, este último em parceria com Manoel Ferreira e Mano Décio da Viola. E o que dizer da enfermeira Ivone Lara, que aproveitou o descanso no expediente do Hospital Gustavo Riedel para se tornar a primeira mulher a assinar um samba-enredo: “Os cinco bailes da história do Rio”, em parceria com Silas de Oliveira e Bacalhau.

Entre os destaques da nova edição estão os boxes criados por Rachel Valença para contar, em primeira pessoa, suas inúmeras histórias no dia-a-dia do Império e os bastidores da pesquisa para o livro. Há também os perfis de personagens mais recentes desses 70 anos de história: sejam notáveis como os compositores Wilson das Neves e Arlindo Cruz, sejam ritmistas, casais de mestre-sala e porta-bandeira, baianas, serventes, passistas, vendedores de rua, destaques, torcedores, presidentes... Todos componentes fundamentais desta escola que, se nos tempos atuais não samba à vontade no carnaval das “Super Escolas de Samba S/A”, se orgulha como nenhuma outra agremiação de sua própria história.

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