OLHO
‘Nossa sorte foi que por causa do
pelo muito extenso ele não caia n’água. Papai disse que era o Mapinguari’
'Ô gente pra mentir tanto.
Não gosto de gente mentirosa, pois tudo que falo é verdade'
Contos
da beira do rio Madeira
Dessa vez encontramos uma
pessoa que garante que a estórias aqui contadas são verdadeiras. Estou falando
do seu Luiz Gonzaga Carvalho tio do fotógrafo Roni Carvalho que atualmente mora
num sítio na estrada do Belmonte a uns 12 Km do centro de Porto Velho.
Geralmente quando alguém nos conta esse tipo de estória, diz que ouviu da boca
de outra pessoa, nunca se passou com ela. Não é o caso do Luiz Gonzaga um
cidadão que perdeu tudo que tinha com a enchente de 2014 e somente agora está
começando a recompor os prejuízos com a plantação de cebolinha, chicória,
quiabo, feijão de corda, pimenta de cheiro, açaí e outras frutas. “Perdi a
plantação de mais de mil pés de cupuaçu, e pupunha assim como animais como carneiro e galinha”.
Caboclo vivido nas barrancas
do Madeira e seus afluentes Luiz Gonzaga diz que já viu o Mapinguari, Matinta
Pereira e até a Mula Sem Cabeça que dava surra nos seus cachorros.
Essas estórias que ele
garante, são verdadeiras, estão na entrevista que segue:
ENTREVISTA
Zk – Nasceu e se criou
aonde?
Gonzaga - Nasci na
localidade de Prosperidade no baixo rio Madeira que fica acima de São Carlos
confronte a Boca do Jamari. Minha família mexia com fumo – tabaco. Meu pai José
do Carmo de Carvalho e minha mãe Helena
Maria de Jesus era muita gente só de filhos eram 14. Eu mesmo sou pai de cinco
filhos Mirian, Lucia Merivan, Sivinha e Marcos. Comecei trabalhar com a idade
de 12 anos, hoje já estou com 62.
Zk – Por você ter vivido em
muitas localidades deve conhecer muitas histórias e estórias da beira do rio?
Gonzaga – Conheço muitas
estórias. Já fui pescador profissional registrado na Colônia Z-1. Na Boca do
Jamari tinha um flutuante da Coringa que era frigorifico e a gente pescava pra
pegar dourado, surubim e outras espécies de peixe de couro. Pescava entregava
pra eles e só recebia no final do mês. Era bom, basta lembrar que no inverno a
gente não fazia nada, porque os rios estavam muito cheios assim como os lagos e
igapós. Depois que me mudei pro Monte Belo passei a pescar pra vender. De seis
horas da tarde até nove horas da noite pegava de 40 quilos de Surubim.
Zk – Vendia o peixe fresco?
Gonzaga - Não. Vendia o
peixe salgado, seco. Numa bacia grande a gente colocava pimenta do reino, sal e
colorau e o tendal de flecheira já tava no jeito e colocava pra secar, nosso
peixe era bem tratado dava até vontade de comer daquele jeito.
Zk - Me contaram que você
conhece várias estórias de Boto. Tem alguma aí na agulha?
Gonzaga – Tem a de uma prima
que morava acima do Guarani que foi encantada pelo Boto. Muita gente não
acredita, ela era filha do tio Facundes. O Boto a levou para o fundo do rio ela
passou uma temporada pra lá até que eles a trouxeram de volta. Ela contava que
lá onde ela morava no fundo do rio, era igualzinho aqui em cima, ou seja, era
uma cidade igual a nossa. Acontece que depois que ela voltou pra nossa
convivência, de tempo em tempo queria voltar pra cidade deles. O pai dela e
seus irmãos a amarravam e mesmo assim ela conseguiu voltar pra lá, ela estava
apaixonada pelo Boto. Da segunda vez que ela voltou passou a ser curandeira,
rezadeira. É como dona Preta hoje, é claro que dona Preta não foi encantada
pelo Boto como minha prima foi. Dona Preta mora em Conceição do Galera e muita
gente vai se tratar com ela, gente da capital mesmo.
Zk – Tem alguma história da
Dona Preta?
Gonzaga – Certa vez levei
minha mulher que tinha parido nossa primeira filha a Mirian e passou três dias
sem falar, em coma como se estivesse morta, aí a levei com Dona Preta e com os
poderes de Deus hoje ela ainda está viva.
Zk – Outra?
Gonzaga – O cara levou a
mulher que estava buchuda (grávida). O objetivo era saber se o filho era dele.
Depois de atender todo mundo que estava lá os “Mestres” (guias) falaram: O
senhor veio saber se esse filho é seu ou de outra pessoa é isso? - Vim atrás da
verdade respondeu o desconfiado e a entidade que estava incorporada em Dona
Preta respondeu: Esse filho que sua mulher tá esperando, é do seu irmão que
está ai ao seu lado. O cidadão saiu cabisbaixo.
Zk – É verdade que você viu
o Mapinguari?
Gonzaga – Isso aí foi o
seguinte: No local tinha uma ‘cacai’ que é o lugar onde o pessoal toca fogo no
verão e fica só os tocos das árvores, tinha um lago pra la e outro pra cá por
onde a gente descia pro rio Jamari, e a gente costumava pescar no lago do lado
de cá onde a terra era geral, fica na terra firma onde não alaga. Tinha um cara
que andava com a gente e ele gostava de dar uns gritos quando chegávamos
naquele lago. O senhor sabe que na mata, a gente não pode andar gritando porque
ninguém sabe o que existe dentro dela. Bom, a gente pescava nesse lago direto,
por causa dos gritos as vezes não queríamos que ele fosse. Papai cansou de
dizer pra parar com aquilo.
Zk – E o Mapinguari?
Gonzaga – Naquele dia, fomos
em cinco. Primeiro a gente pegava alguns peixes para fazer o jantar, era muito
gostoso, caldeirada de peixe fresco pegado na hora, com chicória, cheiro verde,
farinha d’água e pimenta murupi ou então moqueado (assado na brasa). Naquela
noite após o jantar tomamos café, quem fumava acendeu o cigarro e ficamos
conversando. Quando deu por volta de nove horas da noite, saímos para o meio do
lago para realmente começar a pescaria.
Eram dois em cada canoa, um pilotava e o outro jogava a tarrafa, já na saída
pro meio do lago ele começou gritar, era cada grito que estrondava na mata, ele
dizia que gostava de ouvir o eco do grito no meio da mata. Naquele dia quando
já estávamos com uma boa quantidade de peixe resolvemos parar a pescaria e
voltamos para o local onde havíamos deixados nossos paneiros e os apetrechos para
escalar (abrir) o peixe pra salgar, quando de repente ouvimos, vindo do outro
lado do lago um grito estranho. Ele falou, tem um parceiro pescando pra la e eu
falei, rapaz, não é gente não e acaba com esses gritos, se é pra você continuar
gritando é melhor ir embora. Quando o bicho gritou de lá e ele respondeu daqui,
foi muito ligeiro, o bicho respondeu e sentimos que ele estava muito perto e eu
alertei mais uma vez, não te falei que não era gente. O próximo grito o bicho
estava mais perto, foi quando eu disse, meus irmãos, vamos pegar a canoa e
vamos embora.
Zk - E o bicho?
Gonzaga – Quando já
estávamos no largo do lago em nossas canoas, o bicho apareceu na beira. O bicho
com um pelo tão feio que nunca tinha visto igual, só tinha um olho no meio da
testa. Olha que a terra era dura e onde ele pisava ficava um buraco imenso.
Nossa sorte foi que por causa do pelo muito extenso ele não caia n’água. Quando
chegamos em casa contamos pro papai e ele disse que era o Mapinguari. Daquele
dia em diante o cara nunca mais gritou e mais, era o que menos falava durante
as pescarias. Isso eu vi com esses olhos que a terra há de comer.
Zk – E a Matinta Pereira?
Gonzaga – A Matinta Pereira
vira de gente. No Canarana tinha uma mulher que virava Matinta Pereira, era só
ela e um filho, quando chegava aquele dia ela ficava doida que o filho dormisse
cedo. Um dia o menino cismou, porque estava lendo um livro e ela passou a
insistir pra ele ir logo dormir. Ele já andava desconfiado, largou o livro e
fingiu que dormia, de repente ele ouviu aqueles passos, poq poq e foi olhar e
ela saiu pela porta da cozinha e deu o
famoso grito: Matinta Pereiraaaaa.
Zk – Tem outras estórias
nesse estilo?
Gonzaga – Tem é muita. O
finado Timenes irmão da mamãe. Na caçada ninguém matava nada, só ele. Todo dia
ele ia naquele lugar só que não podia abrir o bico pra contar pra ninguém sobre
o mistério. Como ele bebia muito, a turma resolveu que ia fazer ele dizer o que
era e o covidaram para uma cachaçada e nessa, já bêbado, ele contou. Segunda
feira quando ele foi caçar o CABOQUINHO da Mata deu-lhe uma surra que ele
chegou em casa se arrastando.
Zk – Vamos encerrar com a
surra que você levou da cobra?
Gonzaga – Papai sempre
dizia, não mija perto de cobra ‘Papa Ovo’ que ela te dar uma surra. Não liguei
muito pra isso não. No verão derrubamos uma árvore para servir de ponte entre o
igarapé e a restinga e a bicha ia pra lá se esquentar. No final daquela área
tinha um urtigal imenso e eu só de bermuda. Nesse dia eu cheguei e ela estava
se esquentando e não liguei, fui mijar um pouco distante dela, meu irmão, não
deu tempo de terminar o mijo, ela desceu
de lá e botou atrás de mim e eu não acertei o caminho e me embrenhei por dentro
do urtigal e quando via ela estava mais perto, corria pro outro lado e ela já estava
lá. Quando consegui chegar em casa estava todo encalombado, me deu até febre.
Zk – Após a cheia vocês
receberam alguma ajuda do governo?
Gonzaga – Até agora não
recebemos nada, é só promessa. Entramos na justiça pra ver se eles pagam o que
prometeram. Quer saber, é tudo conversa pra boi dormir. Ô gente pra mentir tanto. Não gosto de gente
mentirosa, pois tudo que falo é verdade.
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