Mikael Esber
De padeiro a gráfico – A roda viva
da vida
Quando Rondônia ainda engatinhava
no processo de sua colonização, desembarca em Porto Velho o libanês Mikael
Esber que ao contemplar o rio Madeira por algumas horas resolveu fixar residência
na capital. “Vim direto de Urbelândia para Vila Rondônia e ao chegar
disse aos meus primos que queria conhecer a capital, vim olhei o rio Madeira e
decidi ficar”.Padeiro de profissão montou a pizzaria Roda Viva na galeria
do Ferroviário, matou um urubu e conheceu o governador Jorge Teixeira e passou
a atender os coquetéis oficiais. Com o Plano Collor teve que fechar a pizzaria. “O
povo não podia sair de casa porque não tinha dinheiro para colocar gasolina no
carro, por isso fechei a Roda Viva”. Sem ter o que fazer, aceitou ser
representante de uma gráfica e depois resolveu colocar seu próprio negócio. “A
Gráfica Imediata hoje é uma das mais modernas do Brasil”. A Imediata é
o que podemos considerar como empresa familiar pois seu corpo diretor, é
formado pela dona Magda casada há 40 anos com o Mikael, seus filhos Welesley,
Célio e Vanessa. Mikael também pode e deve ser considerado um dos fundadores da
Banda do Vai Quem Quer. Acompanhe essas histórias:
E N T R E V I S T A
Zk – Vamos começar pela sua
identificação?
Mikael - Nasci no
dia 10 de novembro de 1950, aliás, fui registrado nessa data, mas, nasci mesmo
no dia 15 de agosto dia de Nossa Senhora. Nasci no Líbano. Vim pro Brasil com
20 anos de idade, desembarquei em São Paulo depois fui para Uberlândia Minas
Gerais.
Zk – Começou a trabalhar em que?
Mikael – Minha
profissão na época era a de padeiro, isso desde o Líbano, quando vim pro Brasil
eu e meu tio tínhamos padaria em Uberlândia. Nessa mudança de padaria do Líbano
pra cá aconteceu uma mudança radical, lá no Líbano é outro tipo de pão. Em
Uberlândia era a Panificadora “Pão de Açúcar”. Aconteceu que vim pra ficar
apenas 30 dias e meu tio viajou e foi quando o pau estourou no Líbano e eu não
podia mais voltar por causa da guerra civil. Meu visto era para 90 dias e com
isso consegui renovar por mais 90 dias. Cheguei ao Brasil no dia 23 de maio de
1971.
Zk – Qual a cultura do Líbano?
Mikael – O Líbano é
dividido em quatro partes, cada lugar tem um estilo deferente. Apesar de ser
considerado pequeno, pra nós é grande demais, ele tem 250 km de comprimento por
55 km de largura com aproximadamente 3 milhões de habitantes. No Brasil existem
entre 8 a 12 milhões de libaneses e descendentes, três vezes mais que os
habitantes do Líbano. A guerra da época não foi uma guerra nossa, compramos a
guerra pra defender os Palestinos que moravam dentro do Líbano. Foi a nossa
cruz na verdade.
Zk – E essa história do brasileiro
chamar vocês de Turco?
Mikael – Na verdade
as pessoas não são obrigadas a saber o que realmente aconteceu. A Turquia
dominou o mundo Árabe e parte da Europa por 450 anos, isso não é novidade pra
ninguém. Acontece que os primeiros libaneses que saíram para outros países,
saíram com passaporte Turco. Quando terminou o domínio turco entrou a Síria que
passou a emitir dinheiro e todos os documentos, aí passamos a ser chamado de
Sírio. Só a partir de 1943/45 foi que o Líbano começou a emitir documento. No
Brasil é hospital, clube tudo que existe é denominado como Sírio/Libanês.
Zk – Vocês também adotaram a cultura
do mascate, daquele vendedor de porta em porta?
Mikael – Sim! A gente
chegava aqui ia fazer o que? O fulano trazia o sobrinho chegava aqui dizia:
Taqui uma mala cheia de roupa, vai lá vender. O mascate tem origem no mundo
Árabe. Nós não sabemos trabalhar de empregado.
Zk – E Porto Velho, aliás, como foi
que você veio parar em Rondônia?
Mikael – Essa é uma
historia muito bonita! Na época eu casei no dia 29 de fevereiro com a banda de
carnaval atrás de mim e eu indo pra igreja. Casei num dia de domingo, era o
costume da maioria dos católicos, e eu sou católico ortodoxo, casar aos
domingos. Como já falei, tinha uma padaria lá em Uberlândia e o prédio onde
essa padaria funcionava foi vendido e eu fiquei sem fazer nada e vim parar em
Vila de Rondônia (Ji Paraná). Lá existia o Comercial “Irmão Nicola” que são
meus primos que me trouxeram pra cá. Quando cheguei em Vila de Rondônia, falei:
Primo quero conhecer a capital e mesmo eles insistindo pra eu ficar, vim
conhecer Porto Velho.
Zk – E o que aconteceu?
Mikael –
Desembarquei na rodoviária de Porto Velho que era na Sete de Setembro, isso era
o ano de 1976, exatamente no dia 15 de abril. Assim que saltei do ônibus desci
a Sete e fui até a beira do rio Madeira a pé. A sete de Setembro era mão dupla.
Fiquei aproximadamente meia hora contemplando o rio Madeira e disse, esse é o
lugar que vou morar. Voltei a pé pela Sete e quando cheguei na Padaria Reski (o
nome em Árabe quer dizer patrimônio), conversei com o João em Árabe, subi e vi
a Panificadora Caravela do Madeira lotada de gente, quando cheguei na
Panificadora Camponesa (na Sete de Setembro com a Joaquim Nabuco), parei pra
tomar uma água. Entrei tomei um café, pedi uma garrafa de água pra levar e
tinha um senhor atrás de mim balançando uma chave na mão e disse: Mikael me
virei e vi que era um patrício que conheci em Uberlândia. Ele era o
arrendatário da Panificadora Camponesa da família Pimentel (Jacinto Pimentel).
Falei pra ele que não tinha dinheiro pra ficar com aquilo não e ele, pega a
chave, to doido pra ir embora daqui, fica com a Padaria, o que tu tens pra
trocar e respondi: Rapaz trouxe sabão, bala doce, fubá, leite ninho ta tudo em
Ji Paraná é um caminhão de mercadoria. O nome dele era Remer Salum. No mesmo
dia sentei na cadeira da Padaria e depois fui buscar as coisas em Vila de
Rondônia e fizemos a troca, farinha de trigo, bebida com o material que tinha
no caminhão. Aí começou minha vida em Porto Velho.
Zk – E o nome da Padaria continuou
Camponesa?
Mikael – Sim, a
empresa era dele eu não sabia que a Padaria era arrendada do Pimentel. Passou
um tempo e chegou a festa de São João, entrou um senhor forte pediu um Campari
e eu disse que não tinha e foi então que ele se identificou: Sou o Ferreira da
“Ferreira Veículo” o senhor vai amanhã na minha loja que vou lhe dar dinheiro
pro senhor encher isso aqui de bebida. Eu não o conhecia e na realidade quem me
ajudou muito foi ele o Afonso Ferreira de Assis a loja dele era no Hotel Iara
na Sete de Setembro. Nessa época conheci o Hugo Dias dono da Comercial Amazônia
que vendia móveis, Chico da Curinga, Paulinho da Loja de Móveis.
Zk – E como surgiu a Pizzaria Roda Viva?
Mikael – Na época
que estava com a padaria, entrava uma senhora todo dia e pedia: Moço o senhor
coloca um pouquinho de queijo numa massa e coloca no forno pra mim. Todo dia
ela pedia a mesma coisa; Massa com queijo, banana, colocava dentro do pão e
farinha. Com isso fiquei pensando, por que não abro uma pizzaria! Andando pela
Sete parei na calçada dos Correios e olhei para o canto da Galeria do
Ferroviário e vi “Sorveteria Skimol”, ali é o ponto ideal pra montar uma
pizzaria. Fui lá e fiquei sabendo que o responsável pelos contratos de aluguel
era o Dr. Abílio Nascimento, assinei contrato de cinco anos. Inaugurei no dia
17 de dezembro de 1976 a Pizzaria Roda Viva. O único dia que a Roda Viva
fechava era na quarta feira de cinzas, assim mesmo, a gente realizava a festa
da Roda Viva la no Areal.
Zk – Era só pizza?
Mikael – Como você
sabe, eu era padeiro e confeiteiro e então fiz uma massa que misturava a massa
pra fazer doce e a de pizza e por isso até hoje ninguém consegue fazer a massa
da Roda Viva até mesmo por causa da temperatura do forno.
Zk – Era forno a lenha?
Mikael – Não, era
forno elétrico. A pizza exige uma temperatura de 450 a 500 graus, coisa que o
forno a lenha não consegue. No forno a lenha eles colocam a massa e não dá
tempo dela crescer, porque não é fermentada e quando o forno é quente demais
você perde o controle da temperatura. O meu forno tinha resistência em cima e
em baixo, portanto a pizza assava por completo. Eu desmanchava mais de trinta
sacos de trigo de 50 kg por mês.
Zk – A Roda Viva também lançou vários
artistas. Lembra alguns?
Mikael – Tudo
aconteceu por acaso, não foi nada programado, conforme o cara chegava e fazia
sucesso nas mesas por tocar o que o povo queria, exemplo: tinha uma mulher
chamada Rosangela que veio para cá contratada pela boate Acapulco e certo dia
ela pediu uma canja na Roda Viva e nunca mais saiu de la. Ela foi daqui gravar
em São Paulo e certo dia assistindo um programa na TV Globo ela aprece dizendo
que começou a vida artística cantando na Roda Viva em Porto Velho. Teve o
Nonato do Cavaquinho que fez sucesso internacional, Bino, Téo o Juanito da
Harpa e muitos outros. Todo esse sucesso devo a minha esposa que até hoje cuida
dos negócios junto comigo e agora meus filhos. Em conseqüência da Roda Viva
montei o restaurante Arabesck também na Galeria do Ferroviário, a discoteca
Vagalume que também fez muito sucesso, peguei a lanchonete do Mercado Central,
a lanchonete do Ypiranga e a do Botafogo.
Zk – Carnaval?
Mikael – Você sabe
mais que todo mundo que quando o Manelão foi Rei Momo chegou na pizzaria e
disse da vontade em ser o Rei Momo e eu disse pode contar comigo. Através do
restaurante Arabesck bancamos a festa da Corte do Rei Momo, ninguém contribuiu
com um centavo. Quando terminou tudo nós bêbados na calçada falei, por que tu
não abre um bloco de carnaval e ele respondeu, será que pega e o dinheiro?
Vamos começar com cerveja.
Zk – Nesse ínterim acontece a disputa
pra ver quem era melhor de tiro?
Mikael - Na realidade tudo
começou ali onde é o Bingool (Yamaha) com aposta de tiro. Manelão, Eduardo
(genro da dona do hotel Iara) e outros amigos que tinham loja na Galeria. Chega
o Manelão toma um café coloca o cigarro na boca, vira pra mim e diz, quero ver se
tu é bom de tiro, acende esse cigarro na bala. Não contei conversa saquei a
pistola e atirei acertando o cigarro que estava na boca dele. O gordo só não
desmaiou porque se fez de forte pra provar que era homem afinal de contas foi
ele que instigou. Ai começou o negócio de aposta de tiro. O interessante foi
que quem desmaiou foi o Eduardo. Quando o Eduardo acordou me desafiou, vamos
ver quem consegue derrubar um urubu, ele atirou primeiro e nada e quando eu
atirei com minha 45 acertei o urubu que caiu na Porta da Casa do governador
Teixeirão.
Zk – Na porta da casa do governador?
Mikael – Pois é!
Teixeirão perguntou do segurança de onde vinha aquilo e o guarda disse que era
coisa do loiro da pizzaria. “Então vão buscar esse Diabo Loiro agora”.
Resultado fiquei amigo do Coronel Teixeira que me contratou para fazer
todos os coquetéis que o governo oferecia lá no Clube Cujubim, foi aí que
surgiu a Banda do Vai Quem Quer.
Zk – Como surgiu a Banda do Vai Quem
Quer. Essa ninguém sabe?
Mikael – Acontece que logo
que vocês colocaram o nome na Banda Manelão ainda relutava em colocar o bloco
na rua, questionei por quê? Não tem dinheiro pra fazer, foi quando disse, eu
dou a cerveja. No primeiro ano foram 100 caixas e no segundo 200 caixas. Vale
salientar que eram caixas com 24 garrafas de 600 ml cada uma. No terceiro ano
surgiu a caipirinha porque o dono da distribuidora da cachaça 51, deu 50 caixas
de pinga e quem fazia a caipirinha era eu.
Zk – Você e o Manelão foram muito
amigos, até que surgiu a história que ele contava sobre a despesa da Corte do
Rei que a prefeitura não pagou. Como aconteceu realmente isso?
Mikael - A Banda surgiu
realmente por causa disso. Só não gostei quando o Manelão passou a acusar nas
entrevistas que dava, que o Sergio Valente foi o responsável pelo não pagamento
da dívida da Corte, quando na realidade o Sergio não tinha nada a ver. Por
causa disso me aborreci com o Manelão. Sempre dizia: O Sergio Valente já morreu
você não devia falar contra ele porque quem pagou a despesa fui eu. Outra briga
foi por causa da música da Banda que ele nunca disse que foi você que fez, ele
dizia que era dele com o João do Vale eu briguei com ele por causa disso.
Ficamos sem nos falar por algum tempo.
Zk – Como foi que de pizzaiolo você
virou gráfico?
Mikael – Na verdade eu não
fui pra gráfica, fui empurrado pra gráfica. Por falta de opção na época, depois
que vendi tudo la da Rogério Weber (por alguns anos a Roda Viva funcionou na
rua Rogério Weber esquina com a Alexandre Guimarães) e fiquei sem fazer nada. Pra
completar veio o Plano Collor e acabou de enterrar porque ninguém tinha mais
dinheiro pra sair de casa e por isso parei com a pizzaria. Eu tinha 40
funcionários, a Banda Roda Viva tinha doze músicos, garçom também eram 12. Tudo
era doze na Roda Viva e o Plano Collor acabou com tudo.
Zk – Ai foi pro ramo de gráfica?
Mikael – Quando fui
convidado para atuar no ramo disse que não sabia mexer com gráfica. O Ibraim da
gráfica Leonora de Vilhena insistia, você tem prestígio é muito conhecido. Ai
fiquei representante da Gráfica Leonora em Porto Velho por falta do que fazer,
fiquei por muito tempo até que consegui enxergar que esse ramos é viável. De 95
a 2000 fui apenas representante e então decidi montar o meu negócio. Comecei
com a distribuidora de papel, material de expediente, papelaria essa coisa
todas e ai surgiu a área de gráfica. Comprei uma maquininha impressora que está
guardada até hoje e funciona.
Zk – Surge a Imediata?
Mikael – Até hoje
não entendo nada de gráfica, entendo de comercio, de venda, de planejar, essas
coisas que os árabes sabem fazer. Somos comerciantes não interessa o ramo. Hoje
nosso parque gráfico é um dos mais modernos da Amazônia e do Brasil.
Zk – Em tempo de campanha eleitoral,
vocês trabalham só para um candidato ou atendem vários partidos?
Mikael – Hoje em
política não existe a ética. O candidato quando começa se diz honesto, acha que
vai ganhar, que vai ser bom administrador e quando perde a eleição não tem
dinheiro pra sanar parte das dívidas e a gente confia nas pessoas, porque é o
nosso ramo. Já levamos muito cano de candidato e de partido e mesmo assim não
paramos de atendê-los essa é a nossa política. Atender a todos sem distinção e
acima de tudo acreditar que todos são honestos. Quem morre de véspera é peru.
Zk – E o parque da Imediata?
Mikael – Apesar de termos
um dos melhores equipamentos do mundo em se falando de gráfica. Hoje aqui é
tudo interligado via rede de informática, uma máquina conversa com a outra.
Temos um equipamento ligado diretamente com a fábrica na Alemanha, na hora que
acontece algum problema, os técnicos da fábrica na Alemanha é quem resolvem e a
máquina volta a funcionar aqui em Porto Velho. Porém, não é apenas um
equipamento de ponta que faz a gráfica funcionar bem. O maior responsável pelo
bom desempenho da empresa são nosso funcionários. Nossos técnicos, é o ser humano.
Investimos na formação profissional dos nossos técnicos que enviamos a São
Paulo para se especializarem e outras vezes trazemos os técnicos aqui para
aplicar cursos para os nossos funcionários. Tudo que você viu no nosso parque
gráfico não foi feito em um dia, levou anos para chegarmos aonde chegamos.
Nosso técnicos são todos formados, aqui não existe o curioso. São todos
capacitados que passam por cursos de reciclagem constantemente. A única pessoa
que não sabe nada de gráfica na Imediata sou eu.
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