Cabeleira
o boêmio Mestre Sala
Fundador da escola de samba
Os Diplomatas, além de ter sido o primeiro mestre sala de uma escola de samba
de Porto Velho, criador da Federação das Escolas de Samba de Rondônia - Fesec e
um dos incentivadores da escola de samba Acadêmicos do Armário Grande. Antonio
Chagas Campos o Cabeleira não se cansa de lutar pelo carnaval das escolas de
samba. Hoje é o vice presidente da Fesec, mas, devido a problema de saúde não
pode se envolver na organização dos desfiles deste ano. Mesmo assim, sua idéia
é colocar em funcionamento a “Liga Independente das Escolas de Samba de
Rondônia”. “Estou trabalhando na documentação”.
Recentemente Ernesto Melo
através do Projeto “A Fina Flor do Samba” o homenageou num show que aconteceu
no Mercado Cultural no dia 08 de abril passado e foi então, que resolvi
entrevista-lo, para que o público passasse a conhecer sua história. História de
luta pela cultura carnavalesca de Porto Velho.
Com vocês o Mestre Sala
Cabeleira – O Magnífico.
ENTREVISTA
Zk – Vamos começar esse
nosso bate papo?
Cabeleira – Sou de Manaus
onde nasci no dia 10 de setembro de 1939 filho de Inácio Pereira Campos e
Mariinha Santos Campos. Vim para Porto Velho com dez anos de idade em 1949 e
meu pai já era viúvo e já tinha casado pela segunda vez. Fui menino interno do
colégio Darcy Vargas em Manaus por dois anos.
Zk – Quando veio para Porto
Velho?
Cabeleira – Depois de dois
anos internado no colégio o “Velho” mandou me buscar. Aqui ele ganhou de Dom
João Batista Costa um terreno na Sete de Setembro com a Tenreiro Aranha,
justamente onde hoje está a Loja Avenida. O “Velho” era polidor de móveis,
naquele tempo essa profissão era novidade e fazia o maior sucesso. Depois ele
foi embora, voltou, foi embora novamente e dessa vez me levou.
Zk – Pra onde?
Cabeleira – Pro Rio de
Janeiro. Fiquei morando no Rio de Janeiro por uns cinco anos, nossa casa era no
Catete pertinho do palácio presidencial. Foi nesse tempo que comecei a me
envolver com samba de escola de samba. Trabalhava na Farmácia Santa Terezinha
que ficava no Largo do Machado e meu trabalho era fazer entrega de remédios nas
residências dos idosos que não tinham condições de ir até a Farmácia, o bom era
que eu ganhava uma gorjetazinha dos velinhos.
Zk – Como foi sua entrada no
samba carioca?
Cabeleira – Meu pai se dava
muito com um crioulo que tinha o apelido de Amazonas e esse cidadão um dia
chegou e disse: Hein moleque, vamos la na Mangueira? Na minha primeira noite de
samba no Rio de Janeiro e ainda por cima na Mangueira fiquei tão encantado, que
só sai quando o dia clareou, naquele tempo eu bebia uma cachaça ferrada. Depois
apareceu um garçom chamado Severino com quem passei a ir pra Mangueira e ele me
entrosou no meio dos passistas da escola, foi então que conheci o Mestre Sala
Delegado que era o rival do Noé Canelinha outro grande Mestre Sala.
Zk – Em que ano você
retornou para Porto Velho?
Cabeleira - Em 1957 voltei e
aqui me encontrei com Pedro Otino e Bainha. Pedro Otino já era envolvido com
samba. Foi aí que o Bainha me convidou para criar uma escola de samba e então
fomos com o Valério que nos disse que tinha acabado com o “Bloco da Dona Jóia”,
Jóia era a esposa dele que tinha um bloco carnavalesco infantil. O último ano
que bloco da Dona Jóia desfilou foi no carnaval de 1958 com o tema Scaramuche.
Zk – Como foi a criação da
escola de samba?
Cabeleira – A escola de
samba nasceu numa casa da rua Joaquim Nabuco sub esquina com a Almirante
Barroso perto do batuque de Santa Bárbara pra onde Valério e dona Jóia haviam
se mudado. Na reunião que aconteceu no dia 4 de novembro de 1958, estavam
presentes: Valério Souza e seu filho Ricardo, Cabeleira e Bainha. Apesar de o
Bainha dizer que não, me lembro que o Leônidas também estava na reunião.
Faltava o presidente da agremiação e então procuramos o Tário de Almeida Café
que era como se fosse secretário de obras da prefeitura de Porto Velho, que
aceitou ser presidente com a condição que a escola se chamasse “Prova
de Fogo” e assim foi. Agora uma pessoa diz que a escola foi criada na
frente do Bradesco na Sete de Setembro. Não sabe o cidadão que naquele tempo, aquela
área onde fica o Bradesco era um buraco que era conhecido como “Buraco da Dada”.
Zk – Você se aposentou
funcionário público federal. Quando você entrou para o serviço público?
Cabeleira – Eu não queria
trabalhar e o Bainha insistia dizendo que no SAALFT (Serviço de Abastecimento
de Água, Luz e Força do Território), estavam empregando. Fui lá e seu Dantas
que era o chefe, pediu meus documentos e depois que entreguei disse: você está
empregado, era muito fácil. Depois de alguns anos o Bainha se apaixonou por uma
mulher e perdeu o emprego. Foi então que criamos um grupo musical que tinha o
Paulo Santos, Ivo Santana, Sanim, José Nóbio e o Edu que tocava sanfona. Esse
grupo foi antes do Bossa Nova.
Zk – E o Bossa Nova?
Cabeleira – O Bossa Nova
tinha Paulo Santos (violão), Cabeleira (maraca e teleco teco), Leônidas (Afoxé),
Bainha na Conga (tan tan), Ricardo (bateria). O Manga Rosa era do grupo mais
faltava muito ele além de cantar, tocava clarinete, trombone de vara, sax
enfim, era bom demais nesses instrumentos e o Pedro Otino que de vez em quando
tocava bateria.
Zk – O pessoal mais antigo
conta que a turma de vocês era formada de gigolôs, exploravam as prostitutas ou
viviam por conta delas. É verdade?
Cabeleira – Quando cheguei
do Rio o Bainha me apresentou uma coroa que gostou de mim e passou a me bancar,
me dava café, almoço, janta, roupa, dinheiro e outras coisas. O Bainha tinha
também a sua, assim como os demais, Leônidas, Rubens Cachorro e outros. Elas
gostavam da turma do samba porque a gente sabia dançar bem, principalmente eu
que havia chegado do Rio de Janeiro e dançava tudo.
Zk – O Bossa Nova começou no
Porto Velho Hotel ou foi em outro lugar?
Cabeleira – Foi da seguinte
forma: Tinha um grupo que era liderado pelo Edu que tocava na Rádio Difusora do
Guaporé num programa que era apresentado pelo Milton Alves. Certo dia o Paulo
Santos nos chamou e nos convidou para formar um Conjunto Regional e então
chamou também toda aquela turma que citei acima e nasceu o Conjunto Bossa Nova.
Foi então que surgiu a Rádio Caiari e o Bossa Nova passou a tocar no Programa
de Calouros no auditório que ficava atrás da Catedral. O Bossa Nova fez sucesso
mesmo foi tocando na “Varanda Tropical” do Porto Velho Hotel. Tocamos em todo o
interior de Rondônia e também em La Banda na Bolívia. Tivemos o privilégio de
acompanhar todos os cantores famosos da época que vieram a Porto Velho. E tem a
história do Bainha com o Agnaldo Timóteo.e com o Lindomar Castilho
Zk – Que história é essa?
Cabeleira – O show do
Lindomar foi no auditório do Maria Auxiliadora e na hora de subir ao palco ele
disse: Esse baixinho (Bainha) não é preciso. Só quero violão, maracá e afoxé.
Aí o Bainha foi a loucura e queria enfrentar o Lindomar Castilho dizendo que
nenhum cantor desfazia dele e coisa e tal, veio a turma do deixa disso e tirou
o Bainha. Com o Agnaldo Timóteo foi porque caiu uma chuva torrencial na cidade
e o show que seria na quadra do Ferroviário não aconteceu. Bainha encarou o
Agnaldo o chamando de irresponsável, porque não começou o show mais cedo e
esculhambava o negão que era forte pra dedéu. O Agnaldo se vestiu de homem: “O
que você quer baixinho” e foi pra cima.
Zk – Como foi que você se transformou no
primeiro Mestre Sala de Porto Velho?
Cabeleira – Foi o seguinte:
o Agostinho Reis – Bizigudo que havia chegado de Belém e ingressado na escola,
inclusive sugeriu a mudança do nome de “Prova de Fogo” para “Universidade
dos Diplomatas do Samba” em 1961 e disse, ta faltando pra ser uma
escola de samba de verdade, as Baianas e o casal de Mestre Sala e Porta
Bandeira e eu sugeri que ensaiássemos o Bola Sete com a Gladys. Durante os
ensaios comandados pelo Bizigudo e o Bainha o Bola Sete andou pisando no pé da
Gladys e ela disse que com ele não dançaria, foi então que me olharam e
disseram, vai ter que ser você. Eu já traquejado por ter tido aulas com o
Delegado no Rio de Janeiro fui e fiz minha letra e o Bizigudo virou pro Bainha
e disse: o homem ta pronto! Me transformei no primeiro Mestre Sala de uma
escola de samba de Porto Velho.
Zk – Naquele tempo vocês aos
domingos antes do carnaval desfilavam pela cidade e paravam em determinadas
casas. Como funcionava isso?
Cabeleira – O Café ligava
pro Mario Lima, Pro presidente do Sindicato dos Estivadores o Galdino e outros
empresários da cidade, então a gente ia fazendo aquela via sacra. Chegava e a
bebida e o tira gosto já estavam prontos. Certa vez o Café falou, Cabeleira nós
vamos visitar o governador Enio Pinheiro! Vou levar uma folha de papel e uma
caneta que é pra ele autorizar a gente pegar os tecidos das fantasias da escola
na Casa Saudade. Na frente da casa do governador tinha uma Jaqueira e o
Rooselvet achou de dar uma cabeçada numa jaca que ficou pingando leite e a
gente querendo esconder do governador pra não perder a doação dos tecidos. O
governador mandou o Café subir com a turma e mandou servir bebida e tira gosto
tudo do bom e do melhor. Depois de um tempo lembrei o Café da folha de papel e
ele entregou pro governador Enio que autorizou: “T.T.Dias autorizo fornecer os
tecidos das fantasias da escola de samba Os Diplomatas”, foi aquela
festa. De lá partimos todos bêbados para as demais casas.
Zk – Outra história que a
gente ouve sobre você e o Leônidas é aquela: Essa Fantasia pode ser sua?
Cabeleira – Era
interessante, a gente colocava o Rubens Cachorro no salão pra ensaiar as
meninas e o Leônidas dizia pra ele: Vê aquela ali se tem namorado! Se não
tivesse, a gente saia pra Taba do Cacique e era lá que começava o negócio.
Naquela época só tinha o rendezvous da Carmita na Campos Sales, não existia
Motel. Esse era o jogo, a gente mostrava a fantasia bonita e quando a jovem
gostava vinha o golpe, se você aceitar sair com um de nós a fantasia é sua. Era
eu, Leônidas, Bainha e Rubens Cachorro. O interessante é que a gente ia a Pé
pra Carmita.
Zk – Como foi o show da
Diplomatas e Caiari em Brasília?
Cabeleira – Em 1975 o
governo do Território Federal de Rondônia foi convidado a coordenar o
espetáculo da troca da bandeira nacional na Praça dos Três Poderes em Brasília
e o governador Carlos Marques Henrique convocou dona Marize para montar o show
e ela montou um espetáculo com as escolas Diplomatas e Caiari. O Bosco que era
o Mestre Sala da Caiari queria ser a principal atração e a dona Marize reuniu
os dois casais, isso já em Brasília e disse: A principal atração do espetáculo
será o Cabeleira e pronto. Quando eu desci do tablado montado para o show a
diretoria da escola de samba do Cruzeiro lá de Brasília estava me esperando e
me convidou pra ficar lá e eu não aceitei o convite. Foi realmente um grande
espetáculo a apresentação das duas escolas de Porto Velho em Brasília.
Zk – Para encerrar. Como
está sua saúde?
Cabeleira – Tive um CA,
operei, fiz cinco meses de quimioterapia ficou tudo legal e para minha surpresa,
fui acometido de uma TB do dia pra noite. Estou me tratado há quatro meses e se
Deus quiser vai dar tudo certo.
Zk – Pra encerra mesmo.
Quantos filhos você tem?
Cabeleira – A mulherada diz
que é um bocado. Só com minha esposa dona Agnes Neguinha foram oito. Ao todo se
for botar na ponta do lápis, são mais de 20, tem até filho com boliviana. O
velinho não é fácil.
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