A
filha do seringalista grego João Suriadakis
Há
alguns anos tento ouvir a história da minha vizinha dona Marina, uma senhora
simpática, divertida, daquelas que diz que não existe tempo ruim. Outro dia, à
boca da noite, na banca de comida típica de propriedade de sua filha Elaine
deliciando um mungunzá, consegui a história que queria e fiquei surpresa quando
ela disse seu nome completo: Marina Mendes Soares Suriadakis. Surpreso por que
João Suriadakis foi um dos mais poderosos seringalistas do Vale do Alto Rio
Guaporé e pessoa de destaque na sociedade guajaramirense onde tinha uma dos
maiores armazéns. João Suriadakis veio para Porto Velho com 18
anos para trabalhar na construção da Madeira Mamoré. “Abastecia inclusive os demais seringalistas”. É uma história
fascinante. Marina que bem poderia ser hoje uma pessoa rica, não sabe dizer
sobre as terras dos seringais de propriedade do seu pai. “São coisas que
acontecem, meu pai foi pra Grécia e por lá morreu e meu irmão Eurípedes morreu
também e eu não sei que fim levou nossa herança, é assim mesmo”.
Essa
e outras história da dona Marina você fica sabendo na entrevista que segue:
ENTREVISTA
Zk – Vamos Falar sobre sua
origem?
Marina – Nasci em 1936, fui
criada mais em Costa Marques onde meu pai João Suriadakis tinha seringal,
comercio e armazém. A mercadoria ia de
lancha de Guajará pra lá. Minha mãe se chamava Justa Mendes filha de mãe
paraense e pai boliviano, por isso tenho sangue grego por parte de pai e boliviano/paraense
por parte de mãe. Quando completei oito (8) anos de idade, meu pai me trouxe
para estudar no internato do colégio Maria Auxiliadora em Porto Velho.
Zk – O que a senhora lembra
da Porto Velho do tempo que estudou no Maria Auxiliadora como interna?
Marina – Aquela área perto
do Maria Auxiliadora era tudo igarapé. Quando aprontaram o cine Lacerda (hoje
Galeria Lacerda na 7 de Setembro) eu tinha era medo de entrar lá, porque ali
era a Vila Confusão. Depois fui morar em Guajará Mirim onde conheci o Alípio
Pinheiro filho da dona Marieta e irmão desse Bainha que é sambista. Ele chegou
como cabo do exército brasileiro, depois meu irmão o levou para trabalhar
transportando mercadoria para os seringais do meu pai, sei que namorei e me
casei com ele.
Zk – A senhora chegou a
viver no seringal, aprendeu a cortar seringa?
Marina – Visitei algumas
vezes o seringal do papai, mas, não cortei seringa até porque eu era a
queridinha a filha do seringalista. Além de seringal meu pai tinha castanhal,
poalhal. Naquele tempo eu ainda menina ouvia falar em poalha. Via minha
madrinha fazendo saco. Um dia fazendo danação, ouvi aquele barulho: pou, pou,
pou fui espiar e era os homens com ‘mão de pilão’ pisando poalha e colocando
naqueles sacos. Aquela poalha era embarcada no barco do meu pai e levada para
Guajará Mirim de onde pegava o trem pra Porto Velho e era embarcada nos grandes
navios e levados para Belém e de lá para o mundo.
NR – A poalha também conhecida como
poaia e ipecacuanha é uma planta
medicinal, suas raízes contêm alcalóides importantes e valorizados no mercado
internacional. Um deles - a emetina - é muito usado na fabricação de xaropes
expectorantes, vermífugos e outros medicamentos. Mas não se deve fazer uso
doméstico dessa planta, ela serve mesmo para indústria farmacêutica.
Zk – Vamos voltar para
quando a senhora estudava no Maria Auxiliadora. Me fale sobre o período de
férias de meio e de fim de ano?
Marina – Pra teu governo
rapaz, meu pai pagava passagem de Litorina. Litorina só quem viajava eram os
categas, quem tinha posse e eu era a filha do seringalista João Suriadakis. Algumas
vezes viajava de trem porque tinha umas colegas bolivianas que vinham de Cocha
Bamba e Riberalta e eu vinha com elas. Aqui tinha uma pessoa que me dava
assistência de tudo que eu precisava no colégio era o Miguel Chaquian, no fim
do ano meu pai pagava. As vezes vinha e ia de avião Cruzeiro, Panair. Hoje
algumas pessoas me questionam, ‘poxa Marina teu pai era rico e você não tem
nada’. Só respondo: é assim mesmo, meu pai foi pra Grécia e por la morreu e nós
ficamos aqui sem eira nem beira. Meu único irmão Eurípedes Suriadakis morreu
também e eu estou aqui, por essas coincidência da vida que ninguém sabe
explicar, moro na rua Bolívia em Porto Velho.
Zk – E quando foi que a senhora
resolveu fixar residência em Porto Velho?
Marina – Quando me separei
do Alípio! Fiquei com vergonha de voltar a morar em Guajará, naquele tempo
mulher separada era tratada com desdém pela sociedade, quando a gente chegava
no ambiente às outras mulheres diziam: “vixe lá vem a separada”. Era assim,
ninguém queria ter como amiga uma mulher separada. Para os pais a vergonha era
maior. Por isso resolvi ficar morando em Porto Velho.
Zk – Quantos filhos a
senhora teve com o Alípio?
Marina – Foi bem uns oito;
Aníbal, Mimina, Neca, Ailton, Bene, Neno, Alice e Maria e agora tem mais de
outro casamento; Eliete, Isabel, Lane e Moisés.
Zk – Já que estamos falando
da região do Alto Guaporé. A senhora aprendeu a preparar tartaruga, tracajá?
Marina – Ave Maria a gente
comia muito esses bichos de casco, porém eu nunca aprendi a preparar não, pra
ser mais sincera, até me casar eu não sabia fazer nada, nem lavar e nem cozinhar.
O negócio era tão rígido naquele tempo que eu tinha uma amiga que estudava no
Auxiliadora e ela engravidou e o pai botou ela de casa pra fora. Naquele tempo
menina que emprenhava não ficava em casa, ou casava ou ia embora pra rua.
Zk – Vamos lembrar quando a
senhora veio morar em Porto Velho já casada?
Marina – Onde hoje é o
Mercadinho do KM-1 era uma lagoa só. A gente morava no terreno da casa da dona
Marieta mãe do Alípio, depois construíram o Murilo Braga, abriram a avenida
Sete de Setembro e a cidade foi avançando. Depois fui morar numa estância que
era de uma Boliviana na rua Bolívia, acho que foi daí que colocaram o nome de
rua Bolívia (rua da boliviana) era tudo mato e nós fomos, eu a Nazira e a Julia
Botelho na prefeitura, no tempo que o prefeito era o seu Castiel e ganhamos os
terrenos onde moramos com nossas famílias até hoje. Depois que me separei, fui
trabalhar no Cai N’água e apareceu um cidadão se dizendo dono do meu terreno,
até o IPTU ele apresentou no nome dele, foi uma luta pra passar pro meu nome de
novo. Até hoje esses terrenos não estão legalizados de fato na prefeitura,
estamos lutando para conseguir o título definitivo.
Zk – O que a senhora fazia
no Cai N’água?
Marina – Tinha bar e
restaurante que era freqüentado por marítimos que vinham de Manaus e pelos
pescadores. Quando chegou o garimpo de ouro não gostei era muito perigoso, era
muita gente tanto de dia como a noite fiquei com medo e então vendi.
Zk – A senhora era cutuba ou
pele-curta?
Marina – Era do Renato
(Pele-Curta), a Marieta comandava a ala feminina do Aluizio Ferreira, mas, a
mim, ela não dominou não. Naquele tempo tinha comício no meio da rua e a gente
cantava: “Doutor Renato será o vencedor” e para instigar os cutubas a
gente saia em passeata cantando: “Se conforme com a Marize canela de
sabiá...” a política naquele tempo era mais legal.
Zk – A senhora ainda freqüenta
o grupo de 3ª Idade do Sesc. Como está a saúde?
Marina – Eu freqüentava todas
as entidades de idoso Sesc, Recanto do Vovô e da Vovó, Igreja São José e
Zequinha Araujo. No Sesc a gente viajava muito pelo Brasil afora, hoje ando
doente não posso viajar por causa da pressão, do coração; não agüento nem
dançar mais e olha que no Sesc eu dançava quadrilha, carimbó e muitas outras
danças. Antes gostava muito de ir dançar no Danúbio Azul Bailante Clube que era
onde hoje é o Porto Shopping na Tenreiro Aranha. Até bem pouco tempo freqüentava
o Flamengo aos domingos.
Zk – Para encerrar?
Marina – No tempo do
seringal do meu pai, eu gostava de brincar no terreiro, pulando por cima das
pelas de borracha. Hoje continuo brincando, pois o melhor da vida é viver!
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