A professora de Fortaleza de Abunã
O
distrito de Fortaleza do Abunã hoje praticamente abandonado pelas autoridades
municipais de Porto Velho, já foi uma das mais prósperas localidades em terras
que formam o estado de Rondônia. Os maiores seringalistas dessa região tinham
as sedes dos seus seringais em Fortaleza do Abunã como foi o caso de Otávio
Reis, Geraldo Perez, Jaime Alencar e tantos outros que também dominavam os
seringais do Departamento boliviano do Pando. Foi nessa próspera localidade que
nasceu e viveu com seus familiares até o inicio da década de 1960, a professora
Magnólia de Oliveira Correia. “Nasci no seringal Piquiá do seu Otávio Reis”. Em
1938 Magnólia veio estudar na Escola Rural Normal Maria Auxiliadora – hoje
Instituto Maria Auxiliadora, de onde saiu formada professora e retornou a sua
terra natal onde lecionou por 19 anos. Em Porto Velho a professora Magnólia que
se lembra das festas juninas em Fortaleza “A maior atração era o Boi Bumbá Pai
do Campo” assim como dos desfiles dos blocos carnavalescos. “O carnaval em
Fortaleza do Abunã contava com desfiles de vários blocos”, lecionou no Murilo
Braga e Samaritana entre outras escolas.
Quinta
feira passada 13, dona Magnólia nos recebeu eu e a fotografa Ana Célia Santos
em sua residência no antigo Conjunto do Ipase e o resultado, são as histórias
que passamos para vocês na entrevista que segue.
ENTREVISTA
Zk –
Vamos falar sobre o local aonde a senhora nasceu?
Magnólia
– Sou Magnólia de Oliveira Correia, nasci em 1924 na localidade de Fortaleza do
Abunã. Meu pai João Sizino dos Santos veio da Bahia junto com o Otávio Reis e
foi trabalhar no seringal Piquiá onde era como se fosse o gerente. Foi no
seringal Piquiá que eu nasci. Depois de algum tempo meu pai foi trabalhar em
Fortaleza do Abunã, pois o Otávio Reis abriu um comércio lá e ele foi trabalhar
nesse comercio.
Zk –
Ficou muito tempo trabalhando em Fortaleza?
Magnólia
– Não! Logo foi para o lugar chamado Tambaqui onde ele passou a ter sua própria
produção Canavial, Macaxeira, Plantio de Roça em geral. Lá ele produzia mel,
rapadura além de cultivar muitas fruteiras, fazia farinha e plantava arroz
também. Tambaqui era bem pertinho de Fortaleza do Abunã, apenas duas horas de
canoa a remo. A produção do papai era vendida no armazém do Otávio Reis. Esse
armazém era abastecido também com produtos que vinham de Belém e Manaus, tinha
de tudo roupa, mosquiteiro, charque, conserva, armas, terçado, faca, facão
enfim, tudo que era necessário para o seringueiro trabalhar e manter sua
barraca. Quando meu pai morreu, minha
mãe Guilhermina Luiza de Oliveira veio morar em Fortaleza do Abunã. Meu irmão
Mário trabalhava no escritório da empresa e o outro irmão Marinho ficou
trabalhando na loja do seu Otávio. Seu Otávio tinha loja, armazém e escritório
tudo lá.
Zk – A
senhora é aposentada como professora. Onde estudou?
Magnólia
– Em 1938 vim estudar em Porto Velho no colégio Maria Auxiliadora onde fiquei
até 1944. Em 1945 Voltei para Fortaleza como professora contratada pelo governo
do Território Federal do Guaporé, lecionei lá durante 19 anos. Foi o tempo que
seu Otávio Reis faleceu e os irmãos dele Djalma e Chico Reis passaram a comandar
os negócios e meu irmão Mário resolveu vir morar em Porto Velho. O Anísio
Gorayeb conseguiu emprego pra ele na Casa Damour do Tufy Matny como contador.
Zk –
Como era o movimento em Fortaleza do Abunã no seu tempo?
Magnólia
– Os grandes seringalistas dessa região do Território do Guaporé tinham negócio
lá. Jaime Alencar, Geraldo Perez, o Joca Vieira. O maior seringal da região era o “Mocambo”, de propriedade
do seringalista Otávio Reis ele era proprietário também dos seringais São João,
Oriente e Triunfo. Ele tinha seringais do lado boliviano como o seringal
Montinéia e o Colônia. Na época de castanha era castanha na época de borracha
era borracha o movimento era dia e noite. Os produtos borracha e castanha
vinham de Fortaleza para Abunã por via fluvial naqueles “Batelões” e em Abunã,
embarcavam no trem da Madeira Mamoré. O vagão que transportava a produção dos
seringais era o mesmo que trazia as mercadorias que vinham de Belém e Manaus.
Eu também fiz muito essa viagem de Barco e Trem, no tempo que estudava no Maria
Auxiliadora era nas férias de julho e nas férias do fim de ano. Tenho a
impressão que a maioria dos nordestinos que vinham trabalhar na região iam para
os seringais de Fortaleza do Abunã, era muita gente.
Zk –
Depois que a senhora se mudou para Porto Velho lecionou em quais colégios?
Magnólia
– Primeiro fui lecionar no Murilo Braga, depois fui para a escola do 5° BEC,
lecionei também na escola do Padre Mário no Areal, na Escola Oswaldo Piana aqui
perto do Ipase onde moro e quando me aposentei estava lecionando na Samaritana.
Zk – Fale
sobre as festas que aconteciam em Fortaleza do Abunã
Magnólia
– Sempre gostei de festa, acontece que naquele tempo a criação era mais rígidas
e nossos pais não liberavam assim não, era um sacrifício conseguir autorização
para irmos a alguma festa, mas, dentro do possível eu ia. Tem um detalhe, as
festas cívicas eram muito concorridas, desfile de 7 de Setembro e tantas outras
datas cívicas eram comemoradas, seu Otávio Reis facilitava tudo quando se
tratava de datas cívicas o Aluizio Ferreira também ajudava. Além do desfile
escolar, tinha a hora cívica quando os alunos declamavam, discursavam e até
apresentavam peças de teatro. A tarde acontecia às brincadeiras como corrida de
“saco”, corrida do ovo na colher, quebra pote. No mês de junho tinha o Boi
Bumbá “Pai do Campo” que se apresentava pelas ruas e nas casas onde era
chamado, era uma brincadeira muito bonita e sadia, a dança de quadrilha já
chegou muito depois, o negócio era o Boi Bumbá. Era bacana a brincadeira em
volta da fogueira a gente passava de comadre, madrinha, prima isso sem falar
nas comidas típicas, como mungunzá, canjica, pamonha, milho assado na brasa da
fogueira, aluá, banana assada e tantas outras. No verão era comum a gente
preparar o Tracajá, carne de caça não faltava assim como o peixe de toda
qualidade. Era muito bom!
Zk – E
no carnaval?
Magnólia
– O carnaval era muito animado, vários blocos desfilavam pelas ruas de
Fortaleza durante os três dias de carnaval e o mais importante era que todo
mundo desfilava com fantasia. O carnaval em Fortaleza do Abunã era dos mais
animados da região.
Zk – A
senhora casou lá em Fortaleza com quem?
Magnólia
– Casei lá, com o Wilson Correia que trabalhava no escritório do seu Otávio
Reis, tivemos os filhos Vilma, Vildima, Vilce e o Vilmar graças a Deus estão
todos vivos.
Zk –
Quando era o tempo que o seringueiro trazia as pelas de borracha para
apresentar ao seringalista e receber o saldo?
Magnólia
– No mês de dezembro era o maior movimento no barracão central, pois era o
tempo do seringueiro saber quanto lhe sobrava de saldo. Muitos aproveitavam o
dinheiro apurado para visitar seus familiares no nordeste, depois voltavam.
Pelo menos no tempo que morei e convivi com os seringueiros em Fortaleza do
Abunã nunca ouvia falar que o seringueiro que tirava bom saldo, era morto na
curva do rio, nem mesmo a história de que se o seringueiro não produzisse bem,
o patrão lhe tomava a mulher e dava pra outro seringueiro. Se isso acontecia
não era nos seringais do Otávio Reis.
Zk – O
seu marido morreu de que?
Magnólia
– Ele sofreu um choque anafilático ao tomar um soro e não se lembrava mais de
nada, isso foi antes da gente se mudar pra cá e desse choque em diante, ele não
trabalhou mais. Quando viemos de Fortaleza pra cá fomos morar atrás do Fórum
Rui Barbosa (Hoje Fuad Darwiche) numa casa do seu Cachoeira era a Vila
Cachoeira. Aquela área formava a Baixa da União, o Morro do Querosene e o Alto
do Bode passava um igarapé que acho que é esse, que hoje chamam de canal Santa
Bárbara. Quer saber, nunca vi uma alagação aqui em Porto Velho igual a que deu
no inicio deste ano.
Zk –
Para encerrar. Aos 90 anos, como à senhora está de saúde?
Magnólia
– A gente sempre sente uma dor aqui outra acolá, mas, vou levando. Antes eu
caminhava duas vezes por semana, agora nunca mais caminhei porque minha
companheira de caminhada a Iracema que foi diretora da Samaritana foi embora
para Ariquemes e com isso, parei de caminhar, mas tirando as dores estou bem de
saúde.
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