‘Éramos tão subjugados, que a noiva na noite de núpcias deitava primeiro
com o Patrão que ia dar emprego ao seu Marido e mais, o noivo já marido, tinha
que ficar olhando’
‘Comecei a estudar em 1965 e ainda tinha muito ranço da segunda guerra mundial
e a gente não podia falar Pomerano’
Quarta feira passada dia 08, fomos até a Casa da
Cultura Ivan Marrocos cumprir pauta na Galeria Afonso Ligório onde os artistas
J Messias e Adelina Jacob estão com a exposição “Todos te Olham”. J Messias e seu trabalho conhecemos de longa data,
mas, Adelina Jacob conhecemos naquele dia e na conversa sobre suas telas,
ficamos sabendo que ela é Pomerana e então bateu a curiosidade e dirigimos a
conversa para a história dos Pomeranos no Brasil. Para nossa surpresa Adelina
não é apenas descendente de Pomeranos,
ela conhece e estuda a história do seu povo que veio para o Brasil há muitos
anos e entre outras localidades, escolheu as montanhas do estado do Espírito
Santo para viver ou sobreviver. “Somos um povo que vive para a agricultura,
principalmente cultivando tubérculos como Inhame, Macaxeira, Batata Doce e
também o Milho”. Adelina nos detalhou os
costumes do seu povo como a culinária, a dança e o modo de vestir. “Nosso
principal prato é o Pão de Fubá de Milho cuja massa leva tudo quanto é tipo de
tubérculos. Nosso povo foi escravo de alemães e poloneses. Éramos tão
subjugados, que a noiva na noite de núpcias deitava primeiro com o Patrão que
ia dar emprego ao seu Marido e mais, o noivo já marido, tinha que ficar olhando
sem poder dizer nada”. A artista também nos conta, que em virtude dessa
obrigação, os jovens enamorados com certeza de que casariam, passavam a dormir
juntos muito antes do casamento e com isso, o Patrão apenas pensava que estava
desvirginando a noiva na noite de núpcias.
Além da história dos Pomeranos, Adelina fala sobre
a exposição “Todos te Olham”.
ENTREVISTA
Zk – Você é de onde?
Adelina Jacob – Sou Adelina Jacob nasci em Itarana
estado do Espírito Santoe vim para Rondônia com 16 anos de idade em 1973,
para Espigão D’Oeste com minha família. Sou de 1957. Eu era agricultora, andava
por dentro da floresta, roçava mato plantava arroz, enfim, plantava hortaliças
e cuidava de animais. Sou bastante naturalista, sou contra a utilização de
veneno na lavoura ou em qualquer plantação, na minha casa tenho horta, jardim,
árvores, pássaros, é uma floresta. Moro no bairro Aponiã em Porto Velho. Minha
casa não tem cimento, porque quanto mais cimento você coloca, cada janela, cada
metro de asfalto influencia no calor. Em vez de as pessoas plantarem grama em seus
quintais coloca mais calçadas e aí aumenta o calor.
Zk – Por que seus pais vieram para Rondônia?
Adelina Jacob – Os Pomeranos lá no Espírito
Santo... Meu pai teve seis filhos com mamãe e a terra era pouca e cara. Com o
incentivo do governo convidando o povo pra vir pra Rondônia que ganhava terra,
meu pai vendeu tudo lá e comprou terra em Rondônia, só que perdeu. Ele comprou
uma terra de 400 alqueires. A idéia era que cada filho ficasse com 40
alqueires. Naquela época os homens ganhavam terra às mulheres não. Meu pai já
tinha evoluído e queria que tanto os filhos homens como as mulheres tivesse sua
terra.
Zk – Ao se instalar em Rondônia seu pai passou a
produzir o que?
Adelina Jacob – Ele trouxe uma serraria pica-pau
com a idéia de ganhar dinheiro produzindo tábuas, para a construção das casas
dos colonos que se instalavam em Espigão D’Oeste ele também trouxe o equipamento
para fazer móveis, só que não deu certa essa parte, porque o técnico que veio
com ele para trabalhar nessa área, resolveu voltar para o Espírito Santo e meu
pai teve que vender o equipamento.
Zk – O que tinha em Espigão D’Oeste quando vocês
chegaram?
Adelina Jacob – Espigão D’Oeste era animado pra
caramba! Tinha um caminhão, um jipe e um trator. Saímos num caminhão pau de
arara de Pimenta Bueno às 5 horas da madrugada e chegamos às 4 horas da tarde
em Espigão, mas, pra nós estava tudo tranquilo porque era coisa nova que
estávamos descobrindo. Devo esclarecer que na época eu não tinha escolaridade,
comecei a estudar lá em Espigão. Na época, diziam que a moça quando sabia ler,
escrever e fazer conta, estava bom. Quando cheguei a esse estágio tive que ir
trabalhar na roça e quando completei o ensino fundamental, fui convidada e
aceitei dar aula na zona rural.
Zk – Agora vamos falar sobre sua origem Pomerana?
Adelina Jacob – Há muitos séculos passados, eles
habitavam terras no chamado Mar Báltico entre a Polônia e a Alemanha e por ser
uma terra muito fértil passou a ser disputada por todos: Os Pomeranos
enfrentaram em Mil Anos de Guerra, Napoleão, dinamarqueses, alemães, Hitler, a
Rússia e principalmente os poloneses. Existiam 2 Milhões de Pomeranos e depois
de tanta luta, restaram poucos, sei que sobraram alguns na Alemanha, mais de
300 mil foram para os Estados Unidos da América e para o Brasil vieram 30 Mil a maioria para o Espírito Santo.
Zk – Qual o motivo de tanta disputa?
Adelina Jacob – Acontece que a região dos Pomeranos
era formada por terras extremamente férteis e ainda tinham o mar para escoar
seus produtos e alemães, poloneses e outros povos queriam para eles região tão
promissora e por isso brigavam mesmo e mais passaram a escravizar os Pomeranos.
Zk – Seus pais nasceram na região dos Pomeranos na
Polônia ou Alemanha?
Adelina Jacob – Da família da minha mãe veio pro
Brasil meu bisavô, meu avô e meus pais nasceram aqui. Os Pomeranos chegaram ao
Espírito Santo por volta de 1859, a maior parte veio em 1870. Vieram pra cá por
incentivo do governo brasileiro que prometeu que aqui ganhariam terra, como
eles eram todos lascados vieram. Os
Pomeranos são extremamente de origem camponesa, por conta dessa terra fértil do
Mar Báltico, porém, também vieram carpinteiros, artistas, a medicina já era bem
avançada, a cultura artística bem avançada também. Outro fator que contribuiu
para a imigração dos Pomeranos para alguns países, foi quando a Alemanha foi
unificado e começou a industrialização. Eles trabalhavam como escravos, tinham
seus “Senhores”, trabalhavam em troca de alimentação tanto na Polônia como na
Alemanha. Sobre os Senhores tem uma
história muito horrível...
Zk – Que história é essa?
Adelina Jacob – As mulheres dos Pomeranos eram violentadas
pelos “Senhores”, inclusive, na noite de núpcias quem deitava com a noiva era o
“Patrão” e o noivo era obrigado a assistir sua esposa ser desvirginada sem
poder fazer nada, era a mais violenta escravidão mesmo. Sou descendente de
pessoas escravizadas, cheias de discriminação, cheia de preconceitos, fatos que
são relatados pelos historiadores e que aqui estou relatando apenas
superficialmente.
Zk - Você falou
que Getulio Vargas também perseguiu os Pomeranos. De que maneira?
Adelina
Jacob – Na época do governo Getúlio Vargas os Pomeranos que viviam no Brasil
sofreram mais uma vez. Martin Lutero foi o primeiro homem no mundo a defender a
educação gratuita para todos. Getulio Vargas em virtude da Guerra com os
alemães mandou queimar os livros escritos em alemão e muitos outros idiomas,
além disso começou a perseguição contra os alemães que eram presos e por isso
os Pomeranos passaram a adotar dois nomes, o do registro feito na justiça e o
fictício (espécie de apelido) que era o que todos conheciam. Quando a Polícia
chegava com o mandato judicial e perguntava pelo nome oficial ninguém sabia
informar. Só quem sabia o nome verdadeiro eram os familiares e mais ninguém. O governo
pensava que os Pomeranos eram alemães daí a perseguição.
Zk – É verdade que hoje no mundo só se fala
Pomerano no Brasil?
Adelina Jacob – Hoje não existe mais vestígios dos Pomeranos
em nenhum ligar do mundo, nem mesmo no berço deles naquela região do Báltico se
fala a língua Pomerana. Só aqui no Brasil eles conseguiram manter a cultura,
isso porque o governo brasileiro que incentivava a vinda deles pra cá
prometendo terra, não cumpriu o prometido e eles foram empurrados para as
montanhas do Espírito Santo onde ninguém queria morar e lá eles trabalhavam no
regime de mutirão, faziam suas festas, enfim preservaram realmente a cultura
Pomerana.
Zk – Pomerano é língua ou dialeto?
Adelina Jacob – Se você quer ver o Dr. Ismael
Tressmann (autor do livro UPM Land – Up Pomerrisch Spak – Na Roça – Em Língua
Pomerana) diga que a linguagem Pomerana é um dialeto. Pomerano é uma língua
germânica. Com o apoio do governo do Espírito Santo ele conseguiu lançar o
Dicionário da Língua Pomerana e também a norma gramatical. Meu irmão Hilário
Jacob tem um texto dentro do livro dele. Ele conseguiu que o governo do Espírito
Santo sancionasse a Lei que considera o Pomerano a segunda língua oficial nas
escolas públicas em localidades onde existam (moram) determinado números de
Pomeranos.
Zk – Você se pós graduou em língua portuguesa. Tem
um motivo especial?:
Adelina Jacob – Só vim a aprender português quando
estava com oito anos de idade, por isso sofri muito preconceito, tanto que com
dez anos eu já sofria de úlcera nervosa, sofria calada, porque a regra lá em
casa era: O que você sofre na escola resolve na escola não leva o problema para
casa. Comecei a estudar em 1965 e ainda tinha muito ranço da segunda guerra
mundial e a gente não podia falar Pomerano. Foi então que disse pra mim mesma, já
que é um problema vou fazer minha faculdade em língua portuguesa pra ninguém
mais rir de mim e assim fiz, depois fiz pós graduação em lingüista e meu artigo
foi “Preconceito Linguistico”, consegui colocar no papel tudo que estava
engasgado desde os meus oito anos de idade.
Zk – Na realidade, essa entrevista era para
falarmos da Exposição que você está fazendo na Casa da Cultural em parceria do
J Messias. Vamos pelo menos falar um pouquinho desse seu trabalho em artes
plásticas?
Adelina Jacob – Primeiro vamos falar do inicio:
minha mãe contava e eu vi nas fotos que as Pomeranas casavam com vestido preto
com grinalda de murta e uma fita verde na cintura. Minha mãe já casou de
vestido branco, e eu enquanto criança desenhava os vestidos de noiva em
diversas cores, eram azul, estampado, vermelho só não desenhava vestido preto
nem branco. Vem daí a minha paixão pelas artes plásticas e as cores fortes que
utilizo nos meus quadros.
Zk – E a exposição Todos te Olham?
Adelina Jacob – Sobre essa exposição, o Messias
sempre me convidava até que um dia aceitei mas, primeiro fui estudar arte com a
Silvia Feliciano para poder aceitar o convite. Já participei de outras
exposição em parceria com ele e com a Fátima. Agora estamos com esta “Todos te
Olham” que fica na Casa da Cultural até o final deste mês de outubro. Também
fiz curso de xilogravura com a Ângela Schilling e conseguiu classificar um
trabalho em Atibaia no Museu “Olho Latino”. Participei com dois trabalhos em
xilogravura na Itália e estou esperando ter mais um trabalho classificado para
fazer parte da exposição na Itália, o resultado só sai em Maio de 2015. Agora
estou começando um novo trabalho que se chama “Coisa de Mulher” é em aquarela,
ano que vem esse trabalho será exposto.
Zk – Para encerrar?
Adelina Jacob – Como falamos pouco da exposição
“Todos te Olham” venham a Casa da Cultura olhar e avaliar nossa exposição. Contato
através do telefone celular 9972-6264 e também divulgo no face book.
Um comentário:
Muito interessante!! Quando jovem estive com meus pais na colônia pomerana em meados da década de1970.
Lembro de Maria Huepfner e de Adelina, adolescentes trazidas pelos meus pais para trabalho doméstico no Rio de Janeiro. Cruel...
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