Pioneiros
– A história de todos nós
Nesta edição, concluímos a
entrevista com Raimundo Nonato Garcia Neto. Garcia fala sobre a revolução de
1964: “Lembro que ia de ônibus pra casa quando entraram os soldados do
exército com baionetas, mandaram o ônibus parar e que todo mundo descesse.
Quando cheguei em casa fiquei sabendo através do rádio, que João Goulart havia
sido deposto e os militares haviam assumido o governo...”. Lembra o
tempo que atuou como goleiro de futebol de salão e da sua participação na
escola de samba Pobres do Caiari e sobre o episódio, de quando policiais
federais deram tiro de metralhadora no meio do desfile da Banda do Vai Quem
Quer.
Garcia passa a fazer parte
da galeria de entrevistados do Programa do Departamento de Comunicação do
Governo de Rondônia – DECOM: Pioneiro –
A História de Todos Nós.
ENTREVISTA
Diário - Como
era feito o transporte do equipamento e de vocês para essas localidades?
Garcia
– Naquele tempo não existia ponte, tudo era balsa. Jaru era o quartel general
de pium e borrachudo (mosquitos), lembro que a gente fechava os vidros das
camionetas e ligava o Para Brisa para poder ter visibilidade. A prioridade nas
balsas eram para as ambulâncias, ônibus, carro do 5° BEC e os do INCRA. Quando
qualquer coisa tipo cair um carro numa balsa acontecia era o maior transtorno,
acontece que ao longo da BR não existia restaurante, telefone, não tina luz
elétrica não existia nada.
Diário
- Mas, tinha “Os 4 Bicos” da vida?
Garcia
– Isso
não podia faltar, afinal de contas éramos todos rapazes, podíamos não ser galã,
mas, não era de se jogar fora e sempre conseguia alguém pra namorar e nessas
casas que chamavam de “Quatro Bicos” geralmente instaladas nas proximidades das
balsas a turma ia se aliviar.
Diário
- Vamos voltar para Porto Velho onde você também atuava como goleiro de futebol
de salão?
Garcia
– Certo dia chegou ao Hotel Vitória o Auristélio Castiel e perguntou pra gente:
“Vocês jogam futebol, não querem jogar num time de futebol de salão chamado
Náutico?” como a gente ficava sem fazer nada, aceitamos e então ele armou um
jogo entre os integrantes do Náutico e a gente. Nosso time era Garcia, Isaías,
Melo, Enok e Coelho resultado aplicamos uma goleada no Náutico e a partir de
então passamos a fazer parte do time. Dos jogadores locais do Náutico só quem
continuou foi o meu cunhado IVO que considero um dos maiores jogadores de
futebol de salão de todos os tempos aqui de Porto Velho, juntamente com o
Valter Santos. Depois fundamos o Quariquara um dos melhores times de futebol de
salão que já existiu por essas bandas. O Quariquara não era só um time de
futebol de salão, funcionava como se fosse um clube social, a gente promovia
Manhãs de Sol no Ypiranga e depois passamos a realizar festas noturnas, o
Quariquara tinha até programa na rádio Caiari.
Diário
- Você chegou a ser presidente da escola de samba Pobres do Caiari. Fala sobre
essa fase carnavalesca?
Garcia
– Eu gostava de apreciar os desfiles das escolas de samba de Porto Velho que
naquele tempo eram muito bem elaborados e como sou fã de tudo que tem a cor
azul, torcia pela Caiari. Um amigo chamado Silvio Santos um dia chegou e
perguntou: “Garcia tu quer participar da Caiari?” e como eu já era fã da escola
onde tinha muitos amigos aceitei o convite e acabei assumindo a presidência
executiva e depois a presidência do Conselho Deliberativo da escola. Adora
carnaval, passei a sair na Banda a partir do seu segundo ano de fundação. Hoje
não vou no meio, mas, acompanho o desfile da Banda.
Diário
- Por falar em Banda no episódio que envolveu policiais federais que entraram
na Banda atirando de metralhadora, você aparece em cima do carro dos policiais.
Como foi esse episódio?
Garcia
– Posso contar agora porque já faz muito tempo. Eu saia sempre na Banda com um
amigo meu chamado Dado, naquele ano ainda não era essa multidão que saia hoje. Quando
chegamos perto da Utilar (hoje Lojas Americanas), vimos um carro Fiat entrando
na contra mão por dentro do bloco. Pelo amor de Deus, um carro na contra mão na
Banda do Vai Quem Quer o cara deve ta querendo alguma coisa. Os foliões
partiram pra cima querendo virar eu subi em cima do veículo pedindo para não o
virarem, não teve jeito. Daqui a pouco chega um amigo meu e diz: Garcia olha o
que tenho aqui! Ele estava com uma metralhadora embaixo da camisa. O que isso?
O cara que estava dentro do carro estava com essa metralhadora e o povo tomou e
me deu pra segurar e agora o que vamos fazer? Esse amigo conhecia uma pessoa
que era influente no governo e fomos até a casa dela, contamos o que havia
acontecido e deixamos a metralhadora com ele.
Diário
- E ficou por isso mesmo?
Garcia
– Viraram o carro incendiaram, quebraram o vidro da Utilar! Passado uns seis
meses, chega na minha casa uma intimação da Policia Federal. Chamei um advogado
pra ir comigo e na hora, o delegado pegou uma foto de dentro da gaveta me
mostrou e perguntou: você conhece essa pessoa aqui? Que olhei era eu em cima do
carro Fiat com os braços estendidos no rumo do povo. Não sei como eles bateram
aquela foto com tanta nitidez, não dava pra negar que era eu. Ele então
perguntou o que eu estava fazendo em cima do carro, se tava incitando o povo a
virar o veículo. Respondi não senhor, a posição das minhas mãos diz que estou
pedindo calma, que não virem o carro. Resultado, ele viu que eu não tinha culpa
nenhum e encerrou o caso, o advogado que estava comigo entrou mudo e saiu
calado, foi só receber os honorários.
Diário
- Família?
Garcia
– Tive pouco contato com meu sogro seu Pedrinho, porque viajava muito,
inclusive quando ele morreu, estava trabalhando no Iata. Minha sogra dona
Inácia era uma pessoa maravilhosa mesmo.
Diário
- Você foi a primeira pessoa que eu conheço que chegou aqui com uma Fita
Cassete com toadas dos Bois de Parintins. Lembra do ano?
Garcia
– Isso foi no ano de 1989. O bumbódromo de Parintins foi inaugurado em 1988. Na
viagem perguntei as cores dos bois e alguém me disse que tinha o Vermelho e o
Azul de cara disse: Sou do Boi Azul nem sabia que o nome era Capricho. Acontece
que conseguimos comprar os ingressos através de uma funcionária da Tele
Amazônia em Parintins e quando chegamos, por ser torcedora do Garantido, ela
comprou ingresso para a arquibancada do Vermelho, quando entrei no bumbódromo e
vi que estava do lado vermelho não gostei nada e dei o jeito de passar para o
lado azul. Naquele tempo estava começando a renovação da brincadeira, as toadas
eram mais bem elaboradas e as alegorias espetaculares. Fiquei pasmo, quando um
Gavião deu um rasante no meio da arena e pegou um “bêbado” e saiu voando com
ele. Depois foi que fiquei sabendo que existia um cabo de aço que atravessava a
arena por onde o Gavião deslizava, o interessante foi à perfeição do encaixe de
suas garras nas argolas instaladas nas costas do personagem (bêbado). Trouxe a
fita para mostrar ao Silvio Santos que brincava boi aqui, como era que estavam
compondo as toadas em Parintins.
Diário
- Voltando ao tempo que você era presidente do Grêmio Estudantil em Manaus. Na
época da Revolução vocês foram vitimas da repressão?
Garcia
– Lembro quem ia de ônibus pra casa quando entraram os soldados do exército com
baionetas, mandaram o ônibus parar e que todo mundo descesse. Quando cheguei em
casa fiquei sabendo através do rádio que João Goulart havia sido deposto e os
militares haviam assumido o governo. Na época eu o era diretor de esportes do
Grêmio e nós reunimos no Colégio Estadual e resolvemos sair em passeata
contestando a revolução, quando retornamos, a Policia Militar tinha cercado o
colégio e não deixou a gente entrar. Mesmo assim, fizemos alguns protestos
pelas ruas de Manaus, fazíamos comício em cima de camburão, queimamos o cinema
Odeon, mas como nossa turma estava terminando o científico, quando saímos, a
turma que ficou não prosseguiu com o movimento.
Diário
- Como era Porto Velho quando vocês chegaram?
Garcia
– Ainda cheguei a entrar em fila pra comprar carne, a energia ia embora Dez
Horas da Noite. O bom era que todo mundo se conhecida e as famílias na boca da
noite ficam sentadas em frentes das casas conversando, pois não tinha
televisão. A cidade era dominada pelos garimpeiros de cassiterita e soldados do
5° BEC. Porto Velho é minha terra, estou aqui há 46 anos, meus filhos nasceram
aqui, minha mulher Ilza Garcia Dias é daqui e quando escuto alguém falando mal
de Rondônia fico muito nervoso e chego até a discutir com a pessoa, defendendo
essa terra maravilhosa que me acolheu (muito emocionado).
Diário
- E?
Garcia
– Hoje o xodó da nossa casa são as netinhas Julia e Luiza que mandam na gente.
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