O
maior goleador de Rondônia
Domingo passado 30 de março,
fomos até a Vila Ferroviária na avenida Farquar “curiosar” a movimentação das
pessoas apreciando o banzeiro das águas da enchente do Rio Madeira. Sentado em
frente a sua residência, estava o Nézio Lins Guimarães o maior goleador do
futebol de Rondônia de todos os tempos. “Fiz mais de 500 gols”. E como
estávamos com o equipamento resolvemos entrevista-lo. Nézio tinha um chute tão
potente, que alguns goleiros pediam pra não jogar quando ele estava escalado. “O
Simeão Tavernard que eu considero o melhor goleiro de Rondônia até hoje, tinha
um medo danado do meu chute”. Acontece que Nézio não foi apenas jogador
de futebol, foi funcionário graduado (catega) da Madeira Mamoré. “Eu
era o responsável pelo pagamento dos trabalhadores ao longo da linha férrea”.
Tem mais, na brincadeira de empinar papagaio era tão respeitado, quanto disputando
uma partida de futebol. “Não te mete a trançar com o Nézio que o
cerol dele é feito com pó de ferro e calcigenol” recomendavam os demais
empinadores de papagaio da cidade. Porém, na entrevista abaixo, ele fala sobre
sua carreira como jogador de futebol e como funcionário exemplar da Estrada de
Ferro Madeira Mamoré. Vamos lá!
ENTREVISTA
Zk – Vamos começar falando
sobre sua origem?
Nézio Guimarães –
Nasci em Porto Velho no tempo dos ingleses, no dia 7 de maio de 1925. Minha
infância foi das melhores, sempre fui uma pessoa cumpridora dos deveres, nuca
me meti em confusão, nunca bebi nem fumei. Muitas vezes era criticado pelos
colegas por optar por preservar minha saúde não saindo a noite. Talvez seja
esse o segredo de aos 88 anos de idade, conservar a boa forma e o que é melhor,
com saúde.
Zk – Quem eram seus pais?
Nézio Guimarães – Alexandre
Albert Guimarães um pernambucano que veio trabalhar na administração da Cia.
Madeira Mamoré e sempre atuou como Secretário, cargo considerado de confiança
inclusive, quando o Diretor da Estrada viajava ele assumia a direção da Empresa
e minha mãe Lígia Lins Guimarães. Irmãos Nélio, Armando, Nelze, Ligia e
Alexandre Filho desses, apenas eu e as irmãs estão vivos.
Zk – Você começou a jogar
futebol com quantos anos?
Nézio Guimarães – Comecei a
jogar bola quando tinha 15 anos de idade no Ypiranga Esporte Clube. Depois
joguei no Nacional, Ferroviário e principalmente na Seleção do Guaporé. Naquele
tempo o governo tinha um contrato com a Bolívia e todo final de ano a seleção
do Guaporé ia jogar em Riberalta onde fiz meu cartaz.
Zk – Quais jogadores daquela
época você considera como craque?
Nézio Guimarães – Vários, entre eles o Nélio meu irmão que era um ponta esquerda muito bom; tinha o Normando, Mário Teixeira, Pacamão, Simeão Tavernard o grande goleiro e muitos outros.
Nézio Guimarães – Vários, entre eles o Nélio meu irmão que era um ponta esquerda muito bom; tinha o Normando, Mário Teixeira, Pacamão, Simeão Tavernard o grande goleiro e muitos outros.
Zk - É verdade que existia
uma rivalidade muito grande entre o Acre e o Guaporé que quando as seleções se
encontravam os torcedores chegavam as vias de fato?
Nézio Guimarães – É verdade!
Os torcedores não perdiam a oportunidade para xingar uns aos outros. Quando a
gente ia jogar em Rio Branco era hostilizado ao extremo, inclusive passavam a
noite fazendo zuada em frente ao hotel pra gente não dormir. Quando eles vinham
jogar em Porto Velho os nossos torcedores também não davam trégua. Não posso
dizer que era uma rivalidade sadia, muito pelo contrário, era muito violenta,
mesmo assim, em campo, os jogadores das duas seleções davam show de bola.
Zk – E as preocupações do
seu Albertino presidente do Ypiranga?
Nézio Guimarães – Toda vez
que a gente ia ter um jogo importante, não sei por que, o seu Albertino ia lá
em casa perguntar se eu iria jogar, se eu queria dinheiro e eu respondia: Não é
preciso me pagar não seu Albertino vou jogar sim. O Simeão é que dizia: “Toma o
dinheiro desse velho Nézio”.
Zk – Como é a história do
jogo contra o Vasco da Gama em Porto Velho?
Nézio Guimarães – O Augusto
grande zagueiro do Vasco da Gama pediu para ser substituído aos dez minutos do
primeiro tempo, dizendo: “Eu não posso marcar esse garoto, ele é muito
ligeiro”. Acontece que naquele tempo eu vivia para o futebol, meu negócio era
fazer exercício para não sofrer contusão, me precavia mesmo.
Zk – É verdade que a
diretoria do Vasco tentou sua contratação?
Nézio Guimarães – O Vasco
ganhou do nosso time de 4 X 3 e eu fiz dois gols. A noite o presidente do Vasco
com o Augusto aquele que pediu pra sair dizendo que eu era muito ligeiro e mais
alguns dirigentes e jogadores chegaram lá em casa com a intensão de me
contratar para jogar no Vasco.
Zk – Por que você recusou o
convite?
Nézio Guimarães – Pra ser
sincero, inventei uma história pra não ir com eles, agradeci o convite mas, não
aceitei, eu queria mesmo era ficar aqui. Eles então disseram que se eu mudasse
de ideia era só avisar que eles mandariam a passagem.
Zk – Você é Vascaíno?
Nézio Guimarães – Não! Sou
tricolor (Fluminense) de nascimento, porém, hoje pra mim, o Vasco é o melhor
time do campeonato carioca.
Zk – Você tinha um chute
temido pelos goleiros da época. Qual a técnica para se ter um chute potente?
Nézio
Guimarães – Quem me ensinou a técnica do chute forte, foi o grande jogador do
Clube do Remo de Belém do Pará conhecido como Zizão, ele tinha uns dois metros
de altura. Ele chegou comigo e disse: ”Rapaz você só tem um defeito, tá
adiantando muito a bola”. Ele me tirou esse costume. E ensinou: chega com a tua
mãe pede pra ela costurar um saco com areia branca até a metade, depois pendura
num galho de goiabeira, senta numa cadeira e fica chutando. Rapaz, aquilo me fez
ficar com as coxas muito grossas e com o chute muito forte. O Simeão tinha um
medo danado do meu chute.
Zk –
Você foi campeão por quais times?
Nézio
Guimarães – Fui campeão pelo Ypiranga, Ferroviário e Flamengo. Fui artilheiros
praticamente de todos os campeonatos que participei, fiz mais de 500 gols.
Recebi do jornal O Guaporé no dia 3 de março de 1956 o Diploma “Melhor Craque da Cidade”
Zk –
Quantos anos você tinha quando foi contratado para trabalhar da Madeira Mamoré?
Nézio
Guimarães – Assim que dei baixa da 3ª Cia de Fronteira, papai conseguiu emprego
pra mim, aí fiz um curso e fui trabalhar na Madeira Mamoré depois de alguns
meses, o chefe chegou comigo e disse: Você vai ser promovido e então, assumi o
cargo de Oficial de Administração referencia 16, foi a maior alegria que tive
porque poderia ajudar o papai no sustento da família. Trabalhei durante 37 anos
da Estrada de Ferro Madeira Mamoré fui aposentado como Agente Administrativo
referencia 32.
Zk –
Fala pra gente sobre a seleção do Guaporé que fez sucesso inclusive disputando
o campeonato brasileiros de seleções?
Nézio
Guimarães – O técnico era o seu Dudu e o nosso time era dos melhores,
respeitado mesmo. Empatamos com a seleção amazonense em Manaus e na prorrogação,
por um vacilo do Alfredo Maia que entregou de bandeja a bola para o Paulo Lira
que chutou no canto da trave e nosso goleiro não conseguiu pegar, perdemos o
título.
Zk –
Além do Ypiranga, Ferroviário e Flamengo você jogou em outro time. Qual?
Nézio
Guimarães – O Nacional pra mim foi o melhor time de Porto Velho naquela época,
era Raimundinho, Vinicius, Deraldo, Nézio e Nélio, ou linha desgraçada. O
Nacional era o time da 3ª Cia de Fronteira onde a disciplina era muito rígida.
Zk –
Como funcionário da Madeira Mamoré você fazia o que?
Nézio
Guimarães – Eu era o responsável pela folha de pagamento da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª
Divisão. A primeira divisão era a nossa, ou seja quem trabalhava na
administração, a segunda era o tráfego cujo responsável era o seu Ferreira, a
terceira tinha como responsável o seu Castanheira e a quarta era a do Dr.
Ananias que era gago.
Zk –
Você chegou a viajar muito no trem da Madeira Mamoré?
Nézio
Guimarães – No trem não! Viajava muito de Litorina fazendo pagamento dos
ferroviários ao longo da ferrovia, de Porto Velho a Guajará Mirim, era eu um
guarda armado e o Afonso Johnson que era o motorista. Parava em todo acampamento,
o pernoite era na Vila de Abunã, de manhã cedinho, a viagem prosseguia até
chegar no ponto final que era Guajará.
Zk –
Vocês não temiam ser assaltado ao levar tanto dinheiro na litorina?
Nézio
Guimarães – Se fosse hoje, só iria se fosse acompanhado de pelo menos cinco
policiais armados com metralhadora, naquele tempo não tinha perigo nenhum.
Zk –
E os índios não atacavam?
Nézio
Guimarães – Um cara falou pra mim: Nézio quando um índio se aproximar com arco
e flecha, dando a impressão que vai atacar, pede pro guarda pegar o revolver e
fingir que está limpando que tudo vai ficar bem. Isso aconteceu de verdade, um
índio baixinho mal encarado, chegou ameaçando e o guarda usou a tática ensinada
por aquele cara que não lembro o nome e deu certo, o índio baixou a flecha e
ficou nosso camarada.
Zk –
Vamos aos dias atuais. Você já tinha visto uma cheia como esta que está
acontecendo agora no Rio Madeira?
Nézio
Guimarães – Nunca! Essa foi a primeira enchente que chegou na oficina da
Madeira Mamoré, outro dia discuti com um senhor que queria que eu acreditasse
que em outros tempos o rio já tinha chegado nessa marca de hoje. Eu disse pra
ele, olha rapaz, eu nasci e me criei aqui e nunca vi nada disso, posso lhe
fazer uma pergunta? Pode! O senhor sabe onde ficava a Fábrica de Gelo da
Madeira Mamoré?
Zk –
E ele?
Nézio
Guimarães – Olhou pra mim e respondeu: A Estrada nunca teve fábrica de gelo!
Respondi, teve fábrica de gelo e ficava ali na beira do Rio entre a garagem das
litorinas e esse armazém que a Marinha tomou conta. Bem ao lado tinha um pé de
Fruta Pão.
Zk –
Quais eram os meios de transportes utilizados pela Madeira Mamoré além do trem?
Nézio
Guimarães – Tinha litorina que funcionava com motor idêntico ao de carro comum,
tinha a Calamazu que era um carro menor, também como motor de automóvel e tinha
uma composição que a gente chamava de “automóvel” que era maior que a litorina
e corria mais, tinha até caixa de marcha, além de ser confortável. Além desses
que eram motorizados, tinha a cegonha, o carrinho e o trole que eram acionados
manualmente.
Zk –
Quem foi a sua esposa?:
Nézio
Guimarães – Amazonita Cândida Souza Guimarães. Tivemos três filhos Humberto,
Homero e Heleno que é o caçula.
Zk –
O jogo que você não esquece?
Nézio
Guimarães – Numa das excussões a Bolívia pelo time do Nacional, na volta o seu
Arantes me procurou para saber se a gente aceitava fazer um jogo com o time
dele que era o Fronteira de Guajará Mirim, falamos com o tenente Armando que
era o chefe da delegação e ele autorizou.
Resultado, ganhamos de Doze a Zero eu fiz Oito Gols.
Nenhum comentário:
Postar um comentário