sábado, 26 de outubro de 2013

SANDRA CASTIEL - MEMÓRIA DA PROFESSORA MARISE


No próximo dia 1º de novembro sexta feira, a escritora Sandra Castiel vai apresentar na Casa da Cultura Ivan Marrocos seu mais novo trabalho literário, “Professora Marise Castiel – Rondônia: Educação, Cultura, Política”. “É uma homenagem que estou fazendo pra minha mãe”. Sandra Castiel Fernandes é graduada em letras, pós-graduada em língua portuguesa, pós-graduada em metodologia do ensino superior e fez mestrado em educação e cultura contemporânea além de ocupar uma cadeira na Academia de Letras de Rondônia. Casada com o advogado Dilson Machado é mãe do médico Demétrius. A escritora lamenta a falta de livros sobre as pessoas que ajudaram a construir o hoje estado de Rondônia. “Se você analisar, houve o período da Madeira Mamoré de 1907 a 1912, depois dá um salto quântico para quando Rondônia virou estado. Todo o período de território Federal do Guaporé/Rondônia está dormindo”.
Na próxima sexta feira dia 1º de novembro você pode conferir tudo sobre a professora Marise Castiel adquirindo o livro da Sandra na Casa da Cultura Ivan Marrocos a partir das 20h00


ENTREVISTA



ZK – Vamos começar falando sobre essa obra literária sobre sua mãe a professora Marise Castiel?
Sandra Castiel – Esse livro é um trabalho que me sentida devedora para com a memória da minha mãe, como você sabe, como rondoniense que é, dotado de um grande sentimento nativista, o nome Marise Castiel está completamente esquecido. Existe uma sucessão de autoridades que sucedem os cargos e ninguém resgata ou tenta homenagear a reverencia da professora Marise Castiel que não foi uma personagem secundária, na história da educação, na expansão do desenvolvimento da educação e na cultura do estado de Rondônia.

Zk – Como que a professora Marise Castiel veio parar em Porto Velho?
Sandra Castiel – Ela era paraense, morava em Belém. Não sei se você sabe, mas, tem uma curiosidade a respeito dela. Ela era sobrinha neta de João Pessoa da Paraíba. Por parte de pai a família dela era de Pernambuco e Paraíba. Neta de dona Ernestina Pessoa mãe do pai dela que vinha ser irmã do político João Pessoa e por parte de mãe, era filha de baiano e cearense então ela era uma mistura de nordestinos maravilhosa. Seu pai era Juiz e ela foi estudar no Instituto de Educação do Pará. Quando formada precisou fazer estágio no interior e escolheu uma cidade ribeirinha chamada Gurupá e lá conheceu Raphael Jayme Castiel que era prefeito de Gurupa com apenas com 21 anos de idade. Apaixonaram-se e apesar de haver uma negativa de toda família dela, porque ele era judeu pobre, se casaram e foram morar em Belém onde ele tinha emprego. Foram passar férias no Rio de Janeiro e ele encontrou um amigo da lide Petebista, meu pai frequentava o PTB em Belém e no Rio encontrou Carlos Augusto Mendonça grande jornalista, que naquela conversa de amigos, disse que era prefeito de um município novo que era Porto Velho no Território Federal do Guaporé e o convidou para vir pra cá. Ele aceitou correndo, porque não gostava de cidade grande e assim ele convenceu minha mãe. Em 1947 desembarcaram em Porto Velho.

Zk – Foram morar aonde?
Sandra Castiel – É preciso registar que ele veio na frente, e ela ficou em Belém com três filhas. Ele alugou uma casa e foi trabalhar na prefeitura e quando ela chegou, foram morar no bairro do Areal numa casinha de tábuas.
Zk – Já professora?
Sandra Castiel – Professora elogiadíssima. Chegando a Porto Velho o líder era Aluízio Ferreira que era deputado federal e o governador era Frederico Trota. Ela se tornou amiga da professora Laudímia Trota professora renomada no Rio de Janeiro, que viu a necessidade de se criar em Porto Velho, uma Escola Normal, então ela assessorada da minha mãe que era jovem, criou a Escola Normal do Guaporé.

Zk – E quando Laudímia foi embora o que aconteceu?
Sandra Castiel – A despedida delas foi linda, foi o encontro de duas educadoras. Minha mãe contava que a professora Laudímia pegou em sua mão e disse: “Marise, entrego em suas mãos a Escola Normal do Guaporé”. Foi assim, foi muito bonito (Emocionadíssima),

Zk – Ela era também professora de música?
Sandra Castiel – Ela era pianista formada no Conservatório de Música Carlos Gomes no Pará. Além disso era orientadora educacional, professora de história do Brasil. Na realidade, era uma professora tão preparada que substituía qualquer professor que faltasse na Escola Normal.

Zk – Dona Marise era líder nata, digo por que convivi no meio da família, inclusive ela dava “pitaco” na prefeitura não era?
Sandra Castiel – (sorrindo)... É verdade! No começo ela ficou quieta, quem sobressaia era o Raphael meu pai porque o Aluizio Ferreira através do governador o nomeou prefeito de Porto Velho. Durante a pesquisa que fiz para escrever esse livro, vi que nos jornais da época, não havia quase nada a respeito dela. Ela aparecia como esposa do prefeito Jayme Castiel. Foi na educação que começou a exercer a grande liderança, porque ela era uma mulher muito articulada, falava muito bem, era desembaraçada, tinha muito traquejo social, era de família burguesa o avô era desembargador, o pai era juiz, a mãe uma grande professora. Ao chegar ao Território do Guaporé que tinha apenas 23 mil habitantes, ela se sobressaiu muito. Meu pai, também era líder.

Zk – Então vamos falar sobre seu pai?
Sandra Castiel – Como prefeito ele fez obras importantes como a Praça Aluizio Ferreira, o Mercado do KM-1, urbanizou o bairro do Areal entre tantas outras.

Zk – Voltando a Dona Marise. Como ela conseguiu formar o quadro de professores da Divisão de Educação?
Sandra Castiel – Foi várias vezes Diretora da Divisão de Educação (hoje Seduc). Ela sempre se preocupou com as populações dos núcleos rurais e as populações ribeirinhas. Quando ela viu a carência de professores, aí já entre a administradora, ela resolveu arregimentar professores leigos. Era melhor o leigo que uma criança sem escola. Ela arregimentava esses professores, mas, não jogava na sala de aula de qualquer maneira. Ela mandava erguer um Tapiri. Ela dizia: “A nossa Amazônia esquecida com essas verbas miseráveis”. Então mandava erguer aqueles tapiris, coberto de palha, piso de paxiuba e colocava os leigos para dar aula, só que ela criou o Curso para professor do interior. Durante as férias escolares, os professores que atuavam no baixo e no alto Madeira vinham para Porto Velho e os do alto e do baixo Mamoré/Guaporé iam para Guajará Mirim participar do curso.

Zk – Quanto tempo você levou pesquisando para escrever o livro?
Sandra Castiel – Esse é meu quinto livro, não me considero historiadora, gosto de literatura, mas, me considero uma pesquisadora também. Esse livro é um livro de memória, não é um livro de história. O que falta pra nós são livros de memória, história já tem muito. Se você analisar, houve o período da Madeira Mamoré de 1907 a 1912, depois dá um salto quântico para quando Rondônia virou estado. Todo o período de território Federal do Guaporé/Rondônia está dormindo, como se não houvesse vida inteligente ao longo de todo o período de Território. O meu livro conta como era. Tudo em torno de Marise Castiel.

Zk – Como era?
Sandra Castiel – Quando ela chegou aqui em 1947 o que encontrou? Então tenho esse traçado, o contexto político e social, como as pessoas viviam como era a sociedade de Porto Velho nessa época, quais eram os valores dessa sociedade, as expectativas. Li muito jornal da época e percebi que havia homens cultos, não era terra de ninguém, não era terra sem lei, havia uma sociedade muito bem organizada e a população dava muito valor à instrução, tanto aqui como em Guajará Mirim.

Zk – Quantos capítulos tem o livro?
Sandra Castiel – Na realidade tem dois capítulos. O 1º chamo de preâmbulo, que é a vida dela antes de chegar ao Guaporé e o 2º capítulo, que é a trajetória política de Marise Castiel que foi terrivelmente sofrida. Nos primeiros anos de Território do Guaporé ela teve uma participação absolutamente importante que não se fala. No tempo de Aluízio versus Rondon, Aluízio versus Renato Medeiros ela estava na linha de frente. Ela era uma pele curta da linha de frente que decidia os destinos da eleição, ela tinha uma liderança muito grande que as pessoas deixam passar batido.

Zk – Quer dizer que ela era pele curta?
Sandra Castiel – Quando ela chegou aqui, o que presumo e pela própria fala dela que cresci ouvindo, ela gostava do coronel Aluízio Ferreira. O Dr. Renato era Aluizista, Rondon era Aluizista. Acontece que em 1946, época da primeira eleição para deputado federal no Território do Guaporé começou a se formar uma dissidência. Em 1946 para surpresa de Aluízio Ferreira essa dissidência lançou o Paulo Saldanha de Guajará Mirim para deputado federal e ao que tudo indica, dizem os historiadores como o professor Abnael Machado que o Paulo Saldanha teria vencido a eleição e que as urnas teriam sido violadas dando a vitória ao Aluízio, a gente não tem como provar esse fato. Logo em seguida, o Rondon que o Aluízio havia trazido pra cá para assumir como governador, se voltou contra ele. Rondon e Renato se uniram. Rondon perdeu em 1950, mas ganhou em 1954. A mamãe até 1950 era Aluizista, em 1954 ela passou a ser Rondonista.

Zk – Como foi que a professora Marise passou a ser carnavalesca de escola de samba?
Sandra Castiel – Existe uma história antes da Pobres do Caiari. Ela tinha um irmão que era grande sambista chamado Acelino vulgo Paulo Roberto que era da escola de samba Boêmios da Campina. Então, quando perdemos a eleição em 1958, meu pai teve que sair daqui, vender a casa, passamos um ano em Belém e ela ficou em Porto Velho mandando dinheiro. Dinheiro de professora primária. Naquele estágio em Belém, o irmão dela se aproximou muito da nossa família ele era um boêmio com todas as características de um boêmio, ele fazia sambas lindos. Quando Brasília foi criada ele fez: “Eu vou me embora pra Brasília, comigo irá minha família, o samba na nova capital, vai ser legal, vai ser legal...” Quando ela ia a Belém ele trazia aquelas coisas de escola de samba e mamãe ficava louca, ele falava nas fantasias, nos ensaios, nos temas. Quando retornamos para Porto Velho ela se uniu ao pessoal do Ypiranga que funcionava num velho casarão de madeira. Seu Albertino Lopes que era o presidente do clube gostava muito dela então, pediu pra ela organizar o bloco do Ypiranga.

Zk – Era o Ypiranga X Bancrévea?
Sandra Castiel – Ali começou a rivalidade com a Neire Azevedo que organizava o bloco do Bancrévea. O Ypiranga era azul e branco e o Bancrévea vermelho e branco. O bloco do Ypiranga já era sofisticado, pois desfilava com tema, caro alegórico e fantasias luxuosas. Quando surgiu o convite da Caiari ela se realizou.

Zk – Você lembra o primeiro carnaval dela a frente da Pobres do Caiari?
Sandra Castiel – Ela gostava muito de literatura, lia muito, principalmente sobre o Brasil escravocrata, Brasil colônia em consequência disso, o primeiro enredo da escola de samba Pobres do Caiari foi “Sinhá Moça e a Abolição” que você fez o samba. Lembra que ela colocou o Pepê como escravo e o Zé Carneiro como Feitor bateu de verdade no Pepe que estava acorrentado! Eu fui a Sinhá Moça e o Dilson meu par.

Zk – No livro vamos encontrar alguma história vivida pela dona Marise que podemos considerar como pitoresca?
Sandra Castiel – Como vereadora ela já estava muito comportada, costumo dizer que a personalidade dela como política vereador era conciliadora, mas, nem sempre foi assim. Ela mais jovem era ousada, era contestadora, não admitia injustiça. Pitoresco eu diria não como vereadora, mas, como cidadã na revolução de 1964.

Zk – Vamos aos fatos? 
Sandra Castiel – Quando aqui chegou o interventor Anacreonte, todas as pessoas que exerciam cargos públicos foram presas e meu pai era prefeito. Ele estava viajando e quem estava assumindo era o Carmênio Barroso que também foi preso. Meu pai quando desceu do avião foi preso também e o povo estava no aeroporto tentando evitar que ele fosse preso. Nesse episódio ela ficou desesperada, porque se viu com sete filhas das quais apenas uma era casada. Nesse momento eu vi que ela era muito valente. Ela arregaçou as mangas, escreveu uma carta pro comandante do Grupamento de Fronteira denunciando os desmandos do interventor Anacreonte que arbitrariamente chegou e foi prendendo os peles curtas. Só foi preso pele curta. Os considerados corruptos na Guarda Territorial e uns quatro cinco como subversivos na 3ª Cia de Fronteira. Ao tomar conhecimento da carta o interventor a suspendeu do serviço público por 15 dias. Digo no livro que nessa época veio à tona o que é de pior no ser humano, que é aquela coisa do “dedo duro” de entregar o outro. As pessoas com medo, passavam ao largo da nossa família. Eu vi a mamãe enfrentar um homem com o revolver em punho.

Zk – Como foi que aconteceu isso?
Sandra Castiel – Meu pai preso, chegou o chefe de polícia com mais outro pra vasculhar a casa e ela não os deixou entrar, “Fazer o que na minha casa”. Isso foi no começo da noite. Dentro de casa estavam o seu João Bento da Costa, seu Genésio Pontes Pinto e mais uns dois ou três e o homem disse: Vou entrar, quando ele viu o João Bento puxou o revolver e deu voz de prisão e ela disse, o senhor não vai me prender, empurrou o João Bento ficou na frente do policial e disse: “Atire, seja homem atire”. O outro policial cochichou no ouvido do que estava com revolver e os dois foram embora. Ela era muito valente!

Zk – Qual o motivo dela ter abandonado a política?
Sandra Castiel – 1982 foi um ano horrível! Ela idealizou um carnaval todo branco e prata, não tinha azul e os jurados não entenderam ou não quiseram entender, naquela época ela perdeu a eleição, perdeu o carnaval e meu pai morreu. O enredo da Caiari era “Adeus Meu Território Adeus”, pra você ver como ela gosta do Território. Naquele momento ela começou a morrer. Como todo rondoniense, ela ficou fascinada pela figura do governador Jorge Teixeira. A mamãe tinha uma aliança com o Odacir Soares, era como se fosse mãe e filho. Na época o Teixeirão queria eleger três senadores e o mais votado, ficaria 8 anos no senado e o Odacir queria ser o mais votado, mas, o governador sugeriu que ela dividisse a votação entre os três candidatos por igual, ela atendeu ao pedido do governador e o Odacir quando soube, a gente presume que tenha sido isso, canalizou tudo para outro candidato que se elegeu e ela ficou de fora, a partir daí ela começou a adoecer.

Zk – O livro vai estar a partir de quando a disposição dos leitores?

Sandra Castiel – Dia 1º se Deus quiser, estarei autografando essa primeira edição na Casa da Cultura Ivan Marrocos a partir das 20h00. Foi impresso pela Gráfica Imediata. Não sei se vou divulgar um telefone para as pessoas ligarem para comprar o livro, porque foi muito caro pra mim. Se colocar em livraria vai ser na Exclusiva e o valor do exemplar vai custar apenas R$-50,00, preço de custo. Não é um livro para sala de aula, mas, é um livro que deve estar nas bibliotecas. É uma homenagem que estou fazendo pra minha mãe!

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