No próximo dia 1º de
novembro sexta feira, a escritora Sandra Castiel vai apresentar na Casa da
Cultura Ivan Marrocos seu mais novo trabalho literário, “Professora Marise Castiel – Rondônia:
Educação, Cultura, Política”. “É uma homenagem que estou fazendo pra
minha mãe”. Sandra Castiel Fernandes é graduada em letras, pós-graduada em
língua portuguesa, pós-graduada em metodologia do ensino superior e fez mestrado
em educação e cultura contemporânea além de ocupar uma cadeira na Academia de
Letras de Rondônia. Casada com o advogado Dilson Machado é mãe do médico
Demétrius. A escritora lamenta a falta de livros sobre as pessoas que ajudaram
a construir o hoje estado de Rondônia. “Se você analisar, houve o período da
Madeira Mamoré de 1907 a 1912, depois dá um salto quântico para quando Rondônia
virou estado. Todo o período de território Federal do Guaporé/Rondônia está
dormindo”.
Na
próxima sexta feira dia 1º de novembro você pode conferir tudo sobre a professora
Marise Castiel adquirindo o livro da Sandra na Casa da Cultura Ivan Marrocos a
partir das 20h00
ENTREVISTA
ZK – Vamos começar falando
sobre essa obra literária sobre sua mãe a professora Marise Castiel?
Sandra Castiel – Esse livro
é um trabalho que me sentida devedora para com a memória da minha mãe, como
você sabe, como rondoniense que é, dotado de um grande sentimento nativista, o
nome Marise Castiel está completamente esquecido. Existe uma sucessão de
autoridades que sucedem os cargos e ninguém resgata ou tenta homenagear a
reverencia da professora Marise Castiel que não foi uma personagem secundária,
na história da educação, na expansão do desenvolvimento da educação e na
cultura do estado de Rondônia.
Zk – Como que a professora
Marise Castiel veio parar em Porto Velho?
Sandra Castiel – Ela era
paraense, morava em Belém. Não sei se você sabe, mas, tem uma curiosidade a
respeito dela. Ela era sobrinha neta de João Pessoa da Paraíba. Por parte de
pai a família dela era de Pernambuco e Paraíba. Neta de dona Ernestina Pessoa
mãe do pai dela que vinha ser irmã do político João Pessoa e por parte de mãe, era
filha de baiano e cearense então ela era uma mistura de nordestinos
maravilhosa. Seu pai era Juiz e ela foi estudar no Instituto de Educação do
Pará. Quando formada precisou fazer estágio no interior e escolheu uma cidade
ribeirinha chamada Gurupá e lá conheceu Raphael Jayme Castiel que era prefeito
de Gurupa com apenas com 21 anos de idade. Apaixonaram-se e apesar de haver uma
negativa de toda família dela, porque ele era judeu pobre, se casaram e foram
morar em Belém onde ele tinha emprego. Foram passar férias no Rio de Janeiro e ele
encontrou um amigo da lide Petebista, meu pai frequentava o PTB em Belém e no
Rio encontrou Carlos Augusto Mendonça grande jornalista, que naquela conversa
de amigos, disse que era prefeito de um município novo que era Porto Velho no
Território Federal do Guaporé e o convidou para vir pra cá. Ele aceitou
correndo, porque não gostava de cidade grande e assim ele convenceu minha mãe.
Em 1947 desembarcaram em Porto Velho.
Zk – Foram morar aonde?
Sandra Castiel – É preciso
registar que ele veio na frente, e ela ficou em Belém com três filhas. Ele
alugou uma casa e foi trabalhar na prefeitura e quando ela chegou, foram morar
no bairro do Areal numa casinha de tábuas.
Zk – Já professora?
Sandra Castiel – Professora
elogiadíssima. Chegando a Porto Velho o líder era Aluízio Ferreira que era
deputado federal e o governador era Frederico Trota. Ela se tornou amiga da professora
Laudímia Trota professora renomada no Rio de Janeiro, que viu a necessidade de
se criar em Porto Velho, uma Escola Normal, então ela assessorada da minha mãe
que era jovem, criou a Escola Normal do Guaporé.
Zk – E quando Laudímia foi
embora o que aconteceu?
Sandra Castiel – A despedida
delas foi linda, foi o encontro de duas educadoras. Minha mãe contava que a
professora Laudímia pegou em sua mão e disse: “Marise, entrego em suas mãos a
Escola Normal do Guaporé”. Foi assim, foi muito bonito (Emocionadíssima),
Zk – Ela era também
professora de música?
Sandra Castiel – Ela era
pianista formada no Conservatório de Música Carlos Gomes no Pará. Além disso
era orientadora educacional, professora de história do Brasil. Na realidade,
era uma professora tão preparada que substituía qualquer professor que faltasse
na Escola Normal.
Zk – Dona Marise era líder
nata, digo por que convivi no meio da família, inclusive ela dava “pitaco” na
prefeitura não era?
Sandra Castiel –
(sorrindo)... É verdade! No começo ela ficou quieta, quem sobressaia era o Raphael
meu pai porque o Aluizio Ferreira através do governador o nomeou prefeito de
Porto Velho. Durante a pesquisa que fiz para escrever esse livro, vi que nos
jornais da época, não havia quase nada a respeito dela. Ela aparecia como
esposa do prefeito Jayme Castiel. Foi na educação que começou a exercer a
grande liderança, porque ela era uma mulher muito articulada, falava muito bem,
era desembaraçada, tinha muito traquejo social, era de família burguesa o avô
era desembargador, o pai era juiz, a mãe uma grande professora. Ao chegar ao Território
do Guaporé que tinha apenas 23 mil habitantes, ela se sobressaiu muito. Meu
pai, também era líder.
Zk – Então vamos falar sobre
seu pai?
Sandra Castiel – Como prefeito
ele fez obras importantes como a Praça Aluizio Ferreira, o Mercado do KM-1,
urbanizou o bairro do Areal entre tantas outras.
Zk – Voltando a Dona Marise.
Como ela conseguiu formar o quadro de professores da Divisão de Educação?
Sandra Castiel – Foi várias
vezes Diretora da Divisão de Educação (hoje Seduc). Ela sempre se preocupou com
as populações dos núcleos rurais e as populações ribeirinhas. Quando ela viu a
carência de professores, aí já entre a administradora, ela resolveu
arregimentar professores leigos. Era melhor o leigo que uma criança sem escola.
Ela arregimentava esses professores, mas, não jogava na sala de aula de
qualquer maneira. Ela mandava erguer um Tapiri. Ela dizia: “A nossa Amazônia
esquecida com essas verbas miseráveis”. Então mandava erguer aqueles tapiris,
coberto de palha, piso de paxiuba e colocava os leigos para dar aula, só que
ela criou o Curso para professor do interior. Durante as férias escolares, os
professores que atuavam no baixo e no alto Madeira vinham para Porto Velho e os
do alto e do baixo Mamoré/Guaporé iam para Guajará Mirim participar do curso.
Zk – Quanto tempo você levou
pesquisando para escrever o livro?
Sandra Castiel – Esse é meu
quinto livro, não me considero historiadora, gosto de literatura, mas, me
considero uma pesquisadora também. Esse livro é um livro de memória, não é um
livro de história. O que falta pra nós são livros de memória, história já tem
muito. Se você analisar, houve o período da Madeira Mamoré de 1907 a 1912,
depois dá um salto quântico para quando Rondônia virou estado. Todo o período
de território Federal do Guaporé/Rondônia está dormindo, como se não houvesse
vida inteligente ao longo de todo o período de Território. O meu livro conta
como era. Tudo em torno de Marise Castiel.
Zk – Como era?
Sandra Castiel – Quando ela
chegou aqui em 1947 o que encontrou? Então tenho esse traçado, o contexto
político e social, como as pessoas viviam como era a sociedade de Porto Velho
nessa época, quais eram os valores dessa sociedade, as expectativas. Li muito
jornal da época e percebi que havia homens cultos, não era terra de ninguém,
não era terra sem lei, havia uma sociedade muito bem organizada e a população
dava muito valor à instrução, tanto aqui como em Guajará Mirim.
Zk – Quantos capítulos tem o
livro?
Sandra Castiel – Na
realidade tem dois capítulos. O 1º chamo de preâmbulo, que é a vida dela antes
de chegar ao Guaporé e o 2º capítulo, que é a trajetória política de Marise
Castiel que foi terrivelmente sofrida. Nos primeiros anos de Território do
Guaporé ela teve uma participação absolutamente importante que não se fala. No
tempo de Aluízio versus Rondon, Aluízio versus Renato Medeiros ela estava na
linha de frente. Ela era uma pele curta da linha de frente que decidia os
destinos da eleição, ela tinha uma liderança muito grande que as pessoas deixam
passar batido.
Zk – Quer dizer que ela era
pele curta?
Sandra Castiel – Quando
ela chegou aqui, o que presumo e pela própria fala dela que cresci ouvindo, ela
gostava do coronel Aluízio Ferreira. O Dr. Renato era Aluizista, Rondon era
Aluizista. Acontece que em 1946, época da primeira eleição para deputado
federal no Território do Guaporé começou a se formar uma dissidência. Em 1946
para surpresa de Aluízio Ferreira essa dissidência lançou o Paulo Saldanha de
Guajará Mirim para deputado federal e ao que tudo indica, dizem os
historiadores como o professor Abnael Machado que o Paulo Saldanha teria
vencido a eleição e que as urnas teriam sido violadas dando a vitória ao
Aluízio, a gente não tem como provar esse fato. Logo em seguida, o Rondon que o
Aluízio havia trazido pra cá para assumir como governador, se voltou contra
ele. Rondon e Renato se uniram. Rondon perdeu em 1950, mas ganhou em 1954. A
mamãe até 1950 era Aluizista, em 1954 ela passou a ser Rondonista.
Zk – Como foi que a
professora Marise passou a ser carnavalesca de escola de samba?
Sandra Castiel – Existe uma
história antes da Pobres do Caiari. Ela tinha um irmão que era grande sambista
chamado Acelino vulgo Paulo Roberto que era da escola de samba Boêmios da
Campina. Então, quando perdemos a eleição em 1958, meu pai teve que sair daqui,
vender a casa, passamos um ano em Belém e ela ficou em Porto Velho mandando
dinheiro. Dinheiro de professora primária. Naquele estágio em Belém, o irmão
dela se aproximou muito da nossa família ele era um boêmio com todas as
características de um boêmio, ele fazia sambas lindos. Quando Brasília foi
criada ele fez: “Eu vou me embora pra Brasília, comigo irá minha família, o samba na
nova capital, vai ser legal, vai ser legal...” Quando ela ia a Belém
ele trazia aquelas coisas de escola de samba e mamãe ficava louca, ele falava
nas fantasias, nos ensaios, nos temas. Quando retornamos para Porto Velho ela
se uniu ao pessoal do Ypiranga que funcionava num velho casarão de madeira. Seu
Albertino Lopes que era o presidente do clube gostava muito dela então, pediu
pra ela organizar o bloco do Ypiranga.
Zk – Era o Ypiranga X
Bancrévea?
Sandra Castiel – Ali começou
a rivalidade com a Neire Azevedo que organizava o bloco do Bancrévea. O
Ypiranga era azul e branco e o Bancrévea vermelho e branco. O bloco do Ypiranga
já era sofisticado, pois desfilava com tema, caro alegórico e fantasias
luxuosas. Quando surgiu o convite da Caiari ela se realizou.
Zk – Você lembra o primeiro
carnaval dela a frente da Pobres do Caiari?
Sandra Castiel – Ela gostava
muito de literatura, lia muito, principalmente sobre o Brasil escravocrata,
Brasil colônia em consequência disso, o primeiro enredo da escola de samba
Pobres do Caiari foi “Sinhá Moça e a Abolição” que você fez o samba. Lembra que
ela colocou o Pepê como escravo e o Zé Carneiro como Feitor bateu de verdade no
Pepe que estava acorrentado! Eu fui a Sinhá Moça e o Dilson meu par.
Zk – No livro vamos
encontrar alguma história vivida pela dona Marise que podemos considerar como
pitoresca?
Sandra Castiel – Como
vereadora ela já estava muito comportada, costumo dizer que a personalidade
dela como política vereador era conciliadora, mas, nem sempre foi assim. Ela
mais jovem era ousada, era contestadora, não admitia injustiça. Pitoresco eu
diria não como vereadora, mas, como cidadã na revolução de 1964.
Zk – Vamos aos fatos?
Sandra Castiel – Quando aqui
chegou o interventor Anacreonte, todas as pessoas que exerciam cargos públicos
foram presas e meu pai era prefeito. Ele estava viajando e quem estava assumindo
era o Carmênio Barroso que também foi preso. Meu pai quando desceu do avião foi
preso também e o povo estava no aeroporto tentando evitar que ele fosse preso. Nesse
episódio ela ficou desesperada, porque se viu com sete filhas das quais apenas
uma era casada. Nesse momento eu vi que ela era muito valente. Ela arregaçou as
mangas, escreveu uma carta pro comandante do Grupamento de Fronteira denunciando
os desmandos do interventor Anacreonte que arbitrariamente chegou e foi
prendendo os peles curtas. Só foi preso pele curta. Os considerados corruptos
na Guarda Territorial e uns quatro cinco como subversivos na 3ª Cia de
Fronteira. Ao tomar conhecimento da carta o interventor a suspendeu do serviço
público por 15 dias. Digo no livro que nessa época veio à tona o que é de pior
no ser humano, que é aquela coisa do “dedo duro” de entregar o outro. As
pessoas com medo, passavam ao largo da nossa família. Eu vi a mamãe enfrentar
um homem com o revolver em punho.
Zk – Como foi que aconteceu
isso?
Sandra Castiel – Meu pai
preso, chegou o chefe de polícia com mais outro pra vasculhar a casa e ela não
os deixou entrar, “Fazer o que na minha casa”. Isso foi no começo da noite.
Dentro de casa estavam o seu João Bento da Costa, seu Genésio Pontes Pinto e
mais uns dois ou três e o homem disse: Vou entrar, quando ele viu o João Bento
puxou o revolver e deu voz de prisão e ela disse, o senhor não vai me prender,
empurrou o João Bento ficou na frente do policial e disse: “Atire, seja homem
atire”. O outro policial cochichou no ouvido do que estava com revolver e os
dois foram embora. Ela era muito valente!
Zk – Qual o motivo dela ter
abandonado a política?
Sandra Castiel – 1982 foi um
ano horrível! Ela idealizou um carnaval todo branco e prata, não tinha azul e
os jurados não entenderam ou não quiseram entender, naquela época ela perdeu a
eleição, perdeu o carnaval e meu pai morreu. O enredo da Caiari era “Adeus
Meu Território Adeus”, pra você ver como ela gosta do Território.
Naquele momento ela começou a morrer. Como todo rondoniense, ela ficou fascinada
pela figura do governador Jorge Teixeira. A mamãe tinha uma aliança com o
Odacir Soares, era como se fosse mãe e filho. Na época o Teixeirão queria
eleger três senadores e o mais votado, ficaria 8 anos no senado e o Odacir
queria ser o mais votado, mas, o governador sugeriu que ela dividisse a votação
entre os três candidatos por igual, ela atendeu ao pedido do governador e o
Odacir quando soube, a gente presume que tenha sido isso, canalizou tudo para
outro candidato que se elegeu e ela ficou de fora, a partir daí ela começou a
adoecer.
Zk – O livro vai estar a
partir de quando a disposição dos leitores?
Sandra Castiel – Dia 1º se
Deus quiser, estarei autografando essa primeira edição na Casa da Cultura Ivan
Marrocos a partir das 20h00. Foi impresso pela Gráfica Imediata. Não sei se vou
divulgar um telefone para as pessoas ligarem para comprar o livro, porque foi
muito caro pra mim. Se colocar em livraria vai ser na Exclusiva e o valor do
exemplar vai custar apenas R$-50,00, preço de custo. Não é um livro para sala
de aula, mas, é um livro que deve estar nas bibliotecas. É uma homenagem que
estou fazendo pra minha mãe!