Dona
Maria festejou no último dia 4 de dezembro, dia de Santa Bárbara, Bodas de
Vinho – 70 anos de casada com o seu Euro Tourinho, acompanhamos via coluna do
jornalista Ciro Pinheiro toda comemoração e então resolvemos contar a história
da Dona Maria do Carmo Kang Tourinho, filha de pai chinês e mãe amazonense que casou
aos 15 anos de idade em Manaus e veio para Porto Velho com seu marido em 1944.
Guarda Livro formada (hoje a denominação é Contador), por indicação de um
vizinho, conseguiu emprego no governo do Território Federal do Guaporé, trabalhou
na Mesa de Renda (hoje Receita Federal) e finalmente como contadora da Ceron
onde após 46 anos, prestando serviço como funcionária do governo se aposentou.
“Ensinei os seringueiros do Seringal Minas Nova a fazer farinha”.
Participaram
da entrevista que foi gravada na manhã da última sexta feira dia 27, o
jornalista editor de cultura deste Diário Analton Alves e a fotografa Ana Célia
Santos. Foram minutos de aula de simplicidade, história e de como se deve
proceder para chegar às Bodas de Vinho muito bacana, como diz dona Maria. Conheçam
a história da matriarca do clã Kang Tourinho!
ENTREVISTA
Zk – De onde vem o nome
Kang?
Maria Tourinho – Meu pai que
era chinês, veio com os ingleses em busca de ouro numa localidade do estado do
amazonas que ficava onde hoje é Boa Vista – Roraima. Passado algum tempo casou
com uma brasileira que era de lá, dona Benedita Rodrigues. Depois de muito
tempo, ele deixou os ingleses e foi morar em Manaus cidade onde nasci no dia 22
de junho de 1927 no bairro da Cachoeirinha que ainda existe e está muito
bonito. Depois fui estudar no colégio Santa Dorotéia, me formei com 15 anos de
idade.
Zk – Se formou em qual especialidade?
Maria Tourinho – Naquele
tempo não se chamava contador era Guarda Livro. Do bairro Cachoeirinha, fomos
morar na cidade, perto do Porto de Manaus e aí conheci o Euro. Ele foi estudar
em Manaus e como não tinha mais internato no colégio Dom Bosco foi morar numa
casa com outros estudantes. Acontece que teve que servir o exército e os
colegas indicaram o restaurante do meu pai onde passou a fazer suas refeições
diárias. Fomos nos conhecendo, ele era um rapaz muito bacana. Quando me formei
ele achou que devíamos casar, meu pai concordou e estamos juntos até hoje.
Zk – Qual o motivo da
mudança para Porto Velho?
Maria Tourinho – O pai dele
faleceu e nós viemos pra cá, isso foi em dezembro de 1944. O pai dele era
seringalista dono do seringal Minas Nova.
Zk - Quer dizer que seu Euro
Tourinho foi seringalista?
Maria Tourinho –
Seringalista, seringalista não pode ser considerado, porque ele não entendia do
assunto, tanto que ficamos no seringal aproximadamente uns seis meses. No pouco
tempo que fiquei lá fiz muito coisa, por exemplo, ensinei os seringueiros a
fazer farinha de macaxeira, com isso eles não compravam mais a farinha que
vinha de Belém naqueles paneiros o que significava boa economia.
Zk – Fixaram residência em
Porto Velho?
Maria Tourinho – Sim! Quando
fiz 20 anos de idade já existia o governo do Território Federal do Guaporé e
tinha um vizinho muito bom o Glauco que era funcionário da Estrada de Ferro
Madeira Mamoré, certa vez ele questionou, por que eu não arranjava um emprego
no governo, respondi: porque não conheço ninguém pra chegar lá e pedir um
emprego. Então ele disse, vou arranjar emprego pra senhora e arranjou. O
governador era o Araújo Lima. Foi muito rápido, fui ao palácio e me disseram,
você vai traz seus documentos, no outro dia já estava trabalhando no governo do
território.
Zk – Em qual repartição?
Maria Tourinho – Primeiro
fui secretária do Secretário Geral (que era como se fosse o vice governador de
hoje), depois assumi como chefe da seção do pessoal, onde fiquei subordinada ao
Anísio Gorayeb na seção de material. Depois me mandaram pra Receita Federal que
naquele tempo era chamada de Mesa de Renda Alfandegária onde passei uns quatro
anos e me chamaram de volta pro governo
Zk – Como foi que a senhora
foi parar no Serviço de Água, Luz e Força do Território – SALFT?
Maria Tourinho – Foi caso de
política, meu marido era da UDN e então fizeram eu ficar a disposição do SALFT.
Foi passando o tempo até que criaram a Centrais Elétricas de Rondônia – CERON.
Separaram a energia da água criando também a CAERD. Foram 46 anos de serviços
prestados ao governo do Território Federal do Guaporé/Rondônia.
Zk – Como era a vida social
em Porto Velho naquele tempo?
Maria Tourinho – Tinha o
Internacional que era um Clube muito chique, o Ypiranga, depois veio o
Ferroviário, Bancrévea. Eu e o Euro frequentávamos todos. Tinha as avós Eulália
e Bené que assumiram as crianças pra mim, tive nove filhos, oito homens e uma
mulher e elas ficavam com as crianças enquanto a gente ia pras festas, era uma
vida muito boa.
Zk – Essa filharada toda
estudou aonde?
Maria Tourinho – Meus filhos
estudaram no Barão do Solimões, Duque de Caxias depois foram pro Dom Bosco.
Naquela época não tinha Faculdade aqui e quem quisesse continuar, tinha que ir
pra fora estudar e assim a maioria dos meus filhos foi estudar fora. Uns em
Manaus, outros em Belém, só dois não fizeram faculdade o Euromar (Mazinho) e o
Eros que preferiram trabalhar com tipografia. Na família existem cinco pessoas
formadas em medicina, dois filhos e três netas. Advogado são oito.
Zk – Como era conviver com o
melhor colunista social da cidade e seu caderninho azul?
Maria Tourinho – O interessante,
é que ao contrário do que muitos pensam, ele não levava o famoso caderninho
azul para os eventos, gravava tudo na cabeça e quando chegava em casa é que
passava pro caderninho pra não esquecer,
Zk – Vocês eram cutuba ou
pele curta?
Maria Tourinho – Eu não
seguia nenhuma facção política e o Euro era da UDN. A denominação Cutuba era
usada com os correligionários de Aluízio Ferreira e Pele Curta para os
seguidores de Renato Medeiros. O Euro viajava muito pelo baixo Madeira fazendo
política udenista.
Zk – Quando a senhora trabalhava
na Ceron era muito popular. Nunca passou pela sua cabeça se candidatar a
qualquer cargo político?
Maria Tourinho – Não! Eu não
suportava, ia votar porque era obrigada. Até hoje voto, mesmo já tendo passado
da época.
Zk – A senhora chegou a
exercer algum cargo no Grupo Tourinho?
Maria Tourinho – Não, só trabalhei no governo
e em casa que era para suprir os estudos dos meninos fora de Rondônia e você
sabe que não é mole não. Nunca passou pela minha cabeça essas coisas de ah eu
vou ser isso, vou ser aquilo. Deixa eu no meu lugar sossegada. Na família quem
foi candidato foi meu cunhado o Luiz Tourinho.
Zk – Como foi que aconteceu
o processo que culminou com a aquisição do jornal O Alto Madeira?
Maria Tourinho – A compra do Alto Madeira foi
decidida entre o Luiz e o Euro. Naquele tempo o jornal pertencia ao Assis
Chateaubriand que era o dono Dos Diários Associados. Quando ele morreu os
sócios resolveram vender o patrimônio montado por ele que era formado em sua
maioria por empresas de comunicação, rádio, jornal e televisão.
Zk – É verdade que o diretor
do jornal a época senhor Arnaldo conhecido também como “Pombo Branco”, não
queria que o seu Euro assumisse a direção?
Maria Tourinho – É a pura
verdade! Ele queria passar a direção pro outro lado político, foi preciso o
Euro ir ao Rio de Janeiro falar com o Chateaubriand. Devo dizer que o Euro era
muito querido pelo Assis e assim quando o Arnaldo deixou o jornal para retornar
a sua cidade natal que era o Rio de Janeiro, por ordem de Assis Chateaubriand o
Euro assumiu a direção do Jornal O Alto Madeira de Porto Velho.
Zk – Vamos voltar no tempo.
Como foi a sua infância em Manaus a senhora lembra?
Maria Tourinho – Lembro sim,
minha mãe era muito bacana apesar de não ser formada, meu pai que era
cozinheiro muito afamado em Manaus. Meu pai era tão famoso como cozinheiro, que
quando o presidente Getúlio Vargas esteve lá o governador foi à procura dele para
ir fazer o almoço e o jantar para o Getúlio.
Zk – E ele foi?
Maria Tourinho – Ele
respondeu ao governador que não ia lá, que poderia fazer no seu restaurante. Resultado,
quando Getúlio chegou em Manaus à equipe de segurança destacou aquele guarda
costa famoso Gregório para acompanhar os preparativos do cardápio na cozinha do
restaurante do meu pai, depois levaram as panelas com tudo pronto para o local
onde foi servido o almoço e o jantar.
Zk – A senhora ajudava no
restaurante, chegou a aprender a culinária chinesa?
Maria Tourinho – Meu pai me
ensinava, acontece que passava a maior parte do tempo estudando e quando ia pro
restaurante era na hora do almoço e ficava no Caixa tinha muito freguês. Quanto
à culinária chinesa não aprendi não, até porque meu pai trabalhava mais a
culinária brasileira. Quando era mais jovem gostava de cozinhar e fazia de
tudo, hoje com a idade que estou não faço mais nada, sou uma cidadã que trata
de cortar os temperos pra minha nora, minha filha e para meus filhos que gostam
de cozinhar todos eles.
Zk – E o carnaval no tempo
dos clubes sociais, Ypiranga, Internacional e outros?
Maria Tourinho – O carnaval
de clube era bom demais, apesar de nunca ter brincado em nenhum bloco, gostava
de frequentar os bailes carnavalescos, inclusive fantasiada. Gostava também de
assistir os desfiles na avenida Presidente Dutra e depois na Sete de Setembro.
Só não gostava quando jogavam lança perfume nos meus olhos, tinha essa
brincadeira que era muito chata.
Zk – A senhora falou que
ensinou os seringueiros do Seringal Minas Nova a fazer farinha. E quem lhe
ensinou?
Maria Tourinho – Acontece
que aprendi com uma senhora daqui, ela reunia o pessoal em sua casa ralando macaxeira,
tirando tucupi no tipiti, torrando, sempre eu ia pra lá e fui aprendendo.
Quando fui morar no seringal com o Euro notei que os seringueiros tinham que
comprar a farinha que vinha de Belém, Manaus a bordo dos navios que naquele
tempo eram bonitos, tinha o Lobo D’Almada, Leopoldo Peres, Augusto Monte Negro,
Chata Cuiabá e outros, ao chegar aqui desembarcavam a farinha no Plano
Inclinado e embarcavam no trem da Madeira Mamoré no nosso caso, os paneiros
eram desembarcados na estação de Jacy Paraná e de lá embarcados no motor do
seringal juntamente com charque, pirarucu, feijão e outras mercadorias que eram
levadas até o seringal. Ao ver aquele sacrifício, além de descobrir, que os
seringueiros plantavam muita macaxeira, resolvi ensina-los a fazer farinha o
que foi fácil daí então, eles passaram a economizar, porque não precisavam
comprar farinha no barracão do seringal.
Zk – Qual a receita para se
chegar aos 70 anos de casada, comemorar Bodas de Vinho?
Maria Tourinho – Olha
menino, tinha meus filhos e uma mãe e uma sogra que até hoje rezo por elas.
Nunca brigaram, nunca tiveram uma discussão, era aquela amizade. Quando havia
qualquer desavença entre eu e o Euro que elas desconfiavam, a gente tomava o
maior cuidado para elas não notarem que a gente estava de banda, então elas
entravam em ação. Minha sogra falava com o ele e minha mãe falava comigo. Minha
mãe era sempre a favor dele e mãe dele a meu favor. É difícil até hoje, a gente
ver tanta amizade entre as sogras, os genros e as noras. Outra, nós nunca
tivemos briga de escandalizar de dizer um pro outro, você vai embora daqui.
Zk – Quem é mais ciumento?
Maria Tourinho – Sou eu né!
Não é ciúme, é falta de responsabilidade e educação. Agora não tem mais nada
disso não. De uns dez anos pra cá não existe mais ciúme. Acontece que as
meninas gostavam dele naquele tempo que tinha muito dinheiro, mas de uns tempos
pra cá o assédio parou. Mas, nunca aconteceu da gente chegar ao ponto de falar
em separação, acho que foi por isso que chegamos aos 70 anos de casados e se
Deus quiser vamos chegar mais longe. Ele vai fazer 92 anos agora em janeiro. O
Euro é muito bacana!
Zk – Nesses setenta anos de
casados você viajaram muito?
Maria Tourinho – Quando
fizemos 50 anos de casados, ganhamos uma viagem pra Europa. Certa vez fizemos
um tour de carro por praticamente todo o Brasil. Éramos eu e o Euro e a Ligia
com o Luiz. Saímos daqui para Campo Grande e fomos até o Rio de Janeiro, na
volta a Campo Grande resolvemos continuar e então fomos no rumo do Rio Grande
do Sul passando por uma bocado de cidades e estados, Santa Catarina, Paraná,
Rio de Janeiro de novo, São Paulo, Goiás, foi uma verdadeira aventura. Quando
chegava a noite que deitava na cama do hotel e olhava: Oh meu Deus do céu
tomara que eu chegue em casa. A Lígia também dizia pra mim: Olha Maria tá muito
bom, muito bacana, mas, não aguento.
Analton Alves – O que lhe da
saudade da Porto Velho de antigamente?
Maria Tourinho –
(emocionada). Da nossa amizade com os nosso vizinhos, com a mãe José Adelino, a
outra vizinha que era judia e foi minha parteira dona Piedade ô mulher bacana,
seu Chico que tinha armazém que vendia as coisas pra gente, era muito bom aqui.
Tinha o Café Santos. Sempre o Euro ligava dizendo: Filha (ele sempre me chamou
de filha) vem pra cá, eu ia pro jornal e depois a gente ia pro Café Santos,
eles bebiam enquanto eu só comia uns pasteizinhos com guaraná Andrade.
Analton Alves – O que a
senhora não gosta hoje de Porto Velho?
Maria Tourinho – Dessa
política safada, que não paga os funcionários com um vencimento digno. Só
roubam, fazem tudo que não presta. Fico com uma raiva danada quando voto num
candidato e ele passa a fazer safadeza. Peço sempre a Deus que meus filhos não
se metam em política. Até agora Deus tem me ouvido.
Zk – Para encerrar essa
conversa. Gostaria que a senhora deixasse sua mensagem de Ano Novo pode ser?
Maria Tourinho – Que todos
sejam amigos dos amigos. Se o seu marido é um homem de caráter, homem bom
siga-o que é muito legal. Eu pelo menos sou católica, apostólica romana, não
sou de lá sou do Brasil. Minha mãe era muito católica e me instruiu muito
juntamente com minha sogra. Se o seu marido for bom pra você não seja apenas
esposa, mas, também amiga.
Zk – São quantos filhos, quantos
netos e quantos bisnetos?
Maria Tourinho – Filhos são
nove, oito homem e uma mulher dos quais apenas seis estão vivos. Netos 34.
Bisnetos 26.