ARTIGO
A quem
interessar possa
Paulinho Rodrigues analisa os problemas causados pelo
banzeiro do Rio Madeira
O artigo que publicamos abaixo, de autoria do advogado Paulinho Rodrigues
um estudioso dos fenômenos naturais e as conseqüências prejudiciais
provocadas pela ação do homem, contra a
natureza, como é o caso do que está acontecendo com as barrancas do Rio
Madeira, após a abertura de parte das comportas, de uma das usinas, que estão
sendo construídas em seu leito. Vale salientar que Paulinho Rodrigues quando
escreveu o artigo que segue, ainda não havia acontecido a paralisação das
operações de embarque, no Porto Caiari “Erroneamente chamado de Porto
Graneleiro”. Acompanhe as observações de Paulinho Rodrigues:
Ecos do
Madeira
Paulinho
Rodrigues (*)
Seguindo seus meandros e contornando obstáculos
naturais, o murmulhar quente das virações fluviais do originário Caiari, além
de sons, carrega em seu caminho as mais diversas vocações que produzem eco, quais
sejam; madeiras, silte argiloso orgânico, cristais aciculares em suspensão,
bacias de evolução, ouro de aluvião, mucururús, canaranas, esperanças, vidas, encantados,
mitos, lendas, e, severas conseqüências para quem lhe agride. De parca
literatura a seu respeito, sabemos que se trata de Rio de formação recente (tendo
se originado no período cenozóico inferior, que dista da era atual cerca de
sessenta milhões de anos), e, sendo jovem, por seus arroubos, se torna quase
indomável, principalmente quando pouco se conhece dele. Seus filhos talhados na
força das suas cachoeiras, desde a mais tenra idade, aprenderam com os
ancestrais a tirar do Rio o sustento para o cotidiano. Observando suas correntezas
com sons peculiares em cada ponto do seu curso, aprendemos a respeitá-lo,
afirmando cada vez mais a máxima de que “...água não tem cabelo...”. Sempre foi para nós, um misto de admiração e
medo, mas sobre tudo respeito.
Sons
horripilantes da “Boca da Onça”
O incomparável Oceanógrafo Jaques Custeaux,
quando estudou estas paragens comentou: “...eu mergulho por baixo da calota
polar em expansão, mas não mergulho nas águas do Madeira...”. Acreditamos, por ser um cientista renomado,
que o fato de não mergulhar nestas águas, se dava muito menos pela lenda, e
muito mais por respeito ao Rio ou talvez por desconhecer um de seus mais
temidos habitantes, oreal teleósteo siluriforme (Brachyplatistoma
Filamentosum), a Piraíba, que de longe, jamais pode ser comparada ao voraz,
porém saboroso Tucunaré (CichlaocellarisSchn.), do Rio Tapajós. Nossa memória
remota no faz lembrar, o esforço dos caboclos pescadores do Uruapiara (Baixo
Madeira), para retirar o “bicho” d’água, que fisgado em garatéia alinhada com
resistente groseira, produzia um som estertorado e sufocante, que desde criança
até hoje, está gravado em nossas células de memória. Já adolescente em
companhia do renomado Topógrafo Antonio Moreira da Silva, conhecemos os sons
horripilantes da “Boca da Onça”, na então Cachoeira do Jirau. O barulho produzido naquele grotão, era
ensurdecedor típico dos “gulosos”, que em seus finais redemoinhos com sonoro
“caracol”, engoliam para o fundo das águas (onde se localizam os “encantados” habitados
por feras reais ou por entidades que demologicamente povoam o nosso
imaginário), tudo que descia de “bubulha” (bubuia), ou que se encontrava
submerso próximo da superfície. Nos
banzeiros e pontas d’água, a correnteza também fazia o barranco chorar, ao
tempo em que nas áreas de várzea, era depositado o rico silte argiloso
orgânico, sendo húmus profícuo para a lavoura ribeirinha de subsistência. Nesses baixios e faixas marginais de leve
inclinação ao longo do Madeira, o legítimo amazônida plantava e colhia
(macaxeira, melancia, gerimum caboclo, maxixe, quiabo, repolho, couve, alface,
cuentro e cebolinha), ouvindo o pulsar vivo das virações do Caiari.
Ecos
ilustrativos
Não podemos esquecer de que ali pelo Alto do Bode,
Morro do Querosene e adjacências, retumbavam os sons da Nação Corre Campo,
oriundos da Baixa da União, que juntamente com as Toadas de Galêgo, Cabo
Fumaça, Ventania e Mariano, entoavam rumo às barrancas do Rio, indo além da
imaginação... “... Oi quando estou
cantando boi / e a morena vem olhar... (bis)... Oi urra meu boi na campina / oi
canta a sereia no mar... (bis). Ao longo do trecho encachoeirado, a montante da
nossa Capital, a partir do Tratado de Petrópolis, foi construída a lendária
“Ferrovia do Diabo”, a Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Com efeito, durante
quase um século, os sons e ruídos da “Maria Fumaça”, ecoaram de Porto Velho a
Guajará Mirim e vice-versa. Não é demasiado lembrar, que até hoje (quando
ouvimos a sirene que marcava o tempo, aposta no galpão central da Praça EFMM),
o ar se enche de histórias e este som nos remota há tempos áureos de saudosas
recordações. Não podemos esquecer dos sons dos navios Augusto Montenegro, Lauro
Sodré, Lôbo D’almada e Leopoldo Peres. Samburucú e Santa Bárbara, em suas
efemérides, também ecoavam por estas paragens, fundindo seus batuques, com os
primitivos rituais silvícolas... “Periqito” e seu “Triângulo não Morreu”, Pobres
do Caiari, Bola Sete, Diplomatas, Bloco da Cobra, Waldemar Cachorro e o “Rei
das Selvas”, com seus ritimados sons, deram origem ao que vemos e ouvimos hoje
durante a quadra momesca. Sons com outro ritmo importado do nordeste, eram
produzidos por Panela sem Tampa, Macaxeiral Roxo, Arrasta pé da Juventude e
Arrasta pé no Cariri, em autênticas quadrilhas juninas. Na semana da
independência, as bandas marciais e fanfarras davam garboso tom, quando os
Colégios Dom Bosco (liderado pelo Pe. Filinto Santiago), Castelo Branco e Maria
Auxiliadora, faziam o cascalho tremer na Avenida Pinheiro Machado.
O banzeiro e
o Porto Caiari
O remanso na ponta d’água, logo após o pátio da EFMM,
em frente ao Mirante III (Arigolândia), desapareceu recentemente, dando lugar a
um banzeiro constante. Como nunca antes
registrado, imita o fenômeno de “terras caídas”, engolindo canaranas, pés de
embaúbas e taperebás. Com efeito, as operações no Porto Caiari (erroneamente
chamado de Porto Graneleiro), serão prejudicadas, indo desde o comprometimento
do arrimo e talude que sustenta a rampa fixada à bóia do “Dolphin”, que dá
acesso aos módulos do cais flutuante, passando pelo assoreamento dos berços de
atracação até o sistema roll-onroll-off, onde nem mesmo os mais experientes
amazônidas usando o “morto” (sistema vertical de fixação de cabos em terra e
paralelo ao rio), serão capazes de estabilizar e realizar atracações como
dantes eram; os banzeiros a jusante da Cachoeira de Sto. Antonio, outrora
inexistentes, hoje, em tese, se constituem em produtores de prejuízo
cumuladamente manifesto. No “Aquatrans
IV” de 2002, ocorrido em Belém (PA), retificamos a velocidade das águas do
Madeira imediatamente após Sto. Antonio até a Ilha dos Mutuns, que variava
entre 5 a
3 nós no período sazonal mais alto (março/abril). Tal correnteza se manifestava
“lisa” e sem banzeiros, a não ser durante os ventorais. Agora, sem tempo (tá fazendo um tempo!!! –
lembram?), e sem ventorais, as águas tem movimentos e banzeiros com forte
erosão e consequências imprevisíveis.
Em tese, o Madeira não foi observado; os caboclos não
foram ouvidos e a cultura local muito menos; a observação empírica que pode dar
base ao artigo científico, nos parece,
não foi catalogada; b a n z e i r o s e
fenômeno de terras caídas, possivelmente, não integravam a filologia dos
arquitetos e gestores do projeto barrageiro.
Sem
xenofobia ou ufanismo exagerado
Conclusão: “Alea jacta esta”. Com a ocupação de
largas faixas marginais e aumento acentuado dos igapós, resultando gigantescos
espelhos d’água, chuvas torrenciais e ventorais (a exemplo dos temporais
setembrinos), em tese, poderão ocorrer nos mais improváveis períodos,
justificando, inclusive, a perceptível e desordenada floração “fora de tempo”,
de mangueiras, assa-peixe, caju etc.
Não poderíamos esquecer de citar as monções andinas
com seus fundamentais Madre de Dios e Beni, Guaporé e Mamoré de cujas
tributações fluviais, dependem as variações sazonais ao longo do Madeira. A barragem do curso natural desequilibra
muitos sistemas provocando desastres de toda ordem e magnitude, a exemplo do
ocorrido recentemente (março/abril) na BR 364, próximo do acesso ao Bairro
Ulisses Guimarães, em
Porto Velho, quando um bueiro não suportou a força das águas das
chuvas, que represadas na caixa de empréstimo, romperam a BR naquele trecho.
Assistimos uma pequena “amostra grátis” do caos originário dos sons de um quase
insignificante igarapé. Imaginemos então, a fúria do Madeira...
Sem
xenofobia ou ufanismo exagerado, precisamos manter viva a nossa memória, caso
contrário, estaremos fadados ao achatamento pela ausência de políticas públicas
continuadas que venham norteara
manutenção da nossa história, nos livrando das ações implacáveis que
distorcem princípios, sem falar na responsabilidade e desenvolvimento social,
dos valores morais e espirituais, dos fatos, lugares, coisas e pessoas, que
formam o complexo dos padrões comportamentais desta terra, ainda vivos em
nossos quintais.
Sei que deixamos de registrar muitos outros sons, e,
certamente Sílvio (Zé), Monteiro, Basinho, Zoghbi, Geraldo (o Cruz), e Tatá
poderão dizer;... Este texto é uma real poética do romântico imaginário
popular de Rondônia... Para nós, também é sinédoque entre o
passado recente e os ruidosos sons de hoje.
Não haverá decibelímetro capaz de mensurar as vibrações sonométricas pós
barragem, mesmo porque os banzeiros não produzem, em tese, fenômenos acústicos,
pois não possuem material elástico; mas os banzeiros, são quase elásticos, em
movimentos oscilatórios de vai e vem...
Os banzeiros são quase silenciosos, murmulhadores... Registramos estes
ecos (parafraseando Geraldo - o Vandré),
para não dizer que “... não falei
de flores...”, ou melhor, para não dizer que não falamos das respostas do Rio
Madeira, e aquelas que ainda poderão vir...há variantes...
Conclusão
Náufragos de outras viagens, não podem simplesmente
lançar suas âncoras neste velho porto de esperanças, teorizando na tentativa de
nos enfiar de goela abaixo, tudo que é “bom” para outros lugares do planeta. Seguem
movimentos sazonais, em tese, insustentáveis, e que muitas vezes nada tem a ver
com o lugar, erigindo obstáculos sob o extravagante argumento de promover o
progresso. É preciso cantar nossa
aldeia, crer na semente, sem importar modelos ou movimentos sem critérios, seja
lá de onde for o interesse, o gestor ou a tecnologia. É preciso produzir com solidez pautada em
perspectivas de desenvolvimento com sustentabilidade. “...Sto. Antonio do
Madeira / a primeira Capital / Ilumina meus Caminhos / Livra-nos de todo
mal...”, diz a canção. Os nativos produtores de símbolos codificados não são
espectadores, são atores. Aqui, não queremos ser uma espécie de “apóstolo do
apocalipse”; tampouco emitir juízo de valor, mormente à geologia ou hidrologia;
não há tal pretensão... No entanto,
todavia, porém, é preciso trazer à lume, que a voz dos brasileiros destas
“...fronteiras de nossa pátria..”,não pode minguar. A nossa demológica etnologia,
não pode ser subtraída ou sufocada, precisa ser ouvida, propalada... E a exemplo
do Rio Madeira, dar suas respostas, ecoar...
*Paulinho Rodrigues é
Rondoniense de Porto Velho
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