HISTÓRIA
Marileide Gonçalves é cultura em Costa Marques
Em Costa Marques é assim, brincadeira
de boi bumbá, dança dos pássaros, carnaval, enfim tudo que se relaciona com a
cultura popular tem um nome: Marileide Gonçalves. “Meu nome de registro é
Marineide Gonçalves Marques, mas de batismo, é Marileide, no cartório foi que
trocaram a letra ‘L’ pela ‘N’, porém gosto de ser chamada de Marileide”. Assim
foi o inicio da nossa conversa com a responsável por tudo que acontece na área
cultural em Costa
Marques. Na realidade conheci dona Marileide em 1996 quando
estivemos pela primeira vez na Princesinha do Vale do Guaporé, de lá pra cá,
sempre que vou à Costa Marques nos encontramos para colocar o papo em dia. Dessa vez o
negócio foi pra saber sobre as danças criadas por ela: Bailado das Garças, Balé
das Gaivotas e Revoada dos Biguás. Acontece que a Luzia Penha nos informou que
durante o 2º Festival de Inverno Amazônico que aconteceu ente os dias 4 e 6
deste mês, iria apresentar a dança “Bailado das Graças” com a coreografia da
Eva Gonçalves cantora da Banda Explosão do Vale, porém que essa dança foi
elaborada pela dona Marileide. Enfrentamos dez horas de viagem de carro de
Porto Velho a Costa Marques para assistir o Bailado das Garças e principalmente
para ouvir da dona Marileide como surgiu a ideia de criar a coreografia e qual
a música utilizada durante
a apresentação da dança. Para nosso deleite ela nos contou que além do Bailado
das Garças criou também o Balé das Gaivotas e a Revoada dos Biguás. Tudo depois
de já ter criado vários bois bumbas e a escola de samba Unidos do Guaporé. Por
tudo isto,, podemos afirmar que a cultura de Costa Marques é a dona Merileide
Gonçalves.
ENTREVISTA
Zk – A senhora é rondoniense de onde?
Marileide – Nasci no rio São Miguel, num
lugarzinho onde meu pai tinha a roça dele chamado São José. Minha infância
passei algum tempo em São
Miguel e depois vim pra Costa Marques, moramos muito na beira
do rio porque meu pai era seringueiro e todos os anos a gente ia para o Furado
do Couro, Buraco da Barbara onde eu ficava admirando os passarinhos, os
tracajás, gaivotas, em resumo, me criei nessa beira de rio. Quando fui pra
escola já tinha 10 anos de idade, mas, já sabia ler e escrever porque papai
ensinou a gente. Aos sete anos fugia pra ser índia do boi e ai começa tudo.
Zk – Brincar em qual boi bumbá?
Marileide – Era o boi bumbá Flor do Campo de
Costa Marques. Quem trouxe a brincadeira do boi bumbá foi o Chico Cabeleira do
Maranhão ou do Piauí, brinquei boi bumbá até quando já estava grávida do
Chiquinho meu filho mais velho.
Zk – Sendo assim temos que perguntar sobre sua
idade?
Marileide – Nasci no dia 15 de junho de 1955.
Zk – Qual sua formação?
Marileide – Aos 13 anos de idade fui pro
colégio interno lá na Ilha das Flores. Lá
a gente estudava e após quatro anos saia como professora. Tive a honra de ser
uma das alunas de Dom Xavier Rei; Na realidade, entrei na educação por acaso,
eu já ajudava uma amiga minha na pré escola e ela foi embora fazer um curso e
não voltou mais, nesse tempo eu morava na colônia, era agricultora e foram me
buscar lá e então passei a trabalhar com educação infantil. Meus pais não
queriam por causa do meu acidente.
Zk – Que acidente?
Marileide – Quando perdi meu cabelo. Foi
assim: A gente estava viajando de barco, quando fui lavar uma panela o sabão
caiu no porão, justamente onde fica o eixo do motor ródando. Eu tina um cabelo
abaixo da bunda e naquele momento estava solto, isto é, sem grampo sem nada.
Quando me baixei pra pegar o sabão ele enrolou no eixo e eu fui escalpelada.
Zk- É verdade que na época esse acidente
foi parar na grande imprensa nacional?
Marileide – Não sei! Mas, foi o segundo caso
de escalpelamento registrado em Porto Velho. Sou uma pessoa de sorte, pois quando
cheguei tava com cinco dias que um médico especialista tinha chegado o Dr.
Sergio Figueiredo.
Zk – Como foi que você passou a encarar o
problema?
Marileide – Eu queria morrer. A beleza da
mulher pra mim sempre foi o cabelo e no meu caso, o que eu mais amava no meu
corpo era o meu cabelo. Nossa, eu fazia cada penteado chique e quando perdi meu
cabelo eu queria morrer. Meu marido já tinha me abandonado e então achava que
ninguém ia me querer – Eu tina esse preconceito. Ninguém podia perguntar
Marileide como foi que isso aconteceu? Eu Já começa a chorar.
Zk – E quando foi que esse preconceito começou
a ser desfeito?
Marileide – Quando comei a trabalhar no Jardim
de Infância. As crianças me abraçavam com aquele carinho verdadeiro, puro, sem
pergunta nenhuma, então comecei a querer viver de novo.
Zk – De que maneira você disfarçava o
problema?
Marileide – Usei peruca muito tempo, depois
comecei a usar lenço. Acontece que é muito difícil encontrar uma peruca boa
para comprar além de tudo é caro, e outra, quando uso peruca as pessoas não
gostam, preferem o lenço.
Zk – Agora vamos falar da paixão pela arte e
pela cultura?
Marileide – Bom como disse, aos sete anos
comecei a brincar boi bumbá, depois quando comecei trabalhar no jardim, comecei
a mexer com as coisas. A primeira dança que fiz com meus alunos, foi à dança
portuguesa, depois fui criando, brincando de desafio, No colégio Gomes Carneiro
a gente tinha essa parte cultural, Sete de Setembro, a gente ia cantando todos
os hinos patriotas até a beira do rio voltava e tinha também a semana cultural.
Ainda no jardim criei um boizinho o “Malhadinho”, o certo é que não sei
explicar realmente sobre essa minha paixão pela cultura regional. Sou de
família pobre, passei fome, não tinha roupa boa, mas, sempre estava
participando. Meu pai tocava vilão muito bem.
Zk – Quantos filhos?
Marileide – Tenho sete filhos. Chiquinho,
Maguinha, Magnoeli, Magueana, Frabcisca dos Anjos, Magnilton e o Sebastião.
Zk – Hoje a senhora tem o boi bumbá e ainda
coloca uma escola de samba na avenida é isso?
Marileide – O boi bumbá eu já brincava, minha
avó Protásia que esta com 99 anos e está viva, também brincava o bumbá. Dia 19
de junho ela completa 100 anos de idade e está lúcida; Outra brincadeira que
sinto muita falta entre as crianças de hoje, é a brincadeira de roda. A gente
virava a noite brincando roda, minha casa era bem pobrezinha feita com acha e
açaí, mas era onde se reunia todos os jovens da redondeza pra brincar de roda.
Quanto a boi bumbá, nós já tivemos o Malhadinho, Corre Campo, Flor do Campo e atualmente
temos o boi bumbá Guaporé. Acontece que nosso boi dança e depois a gente faz a
matança dele
e no outro ano, nasce com outro nome. Aqui em Costa Marques a
gente preserva a tradição da brincadeira de boi bumbá. Em agosto durante a
semana do folclore você está sendo convidado a vir apreciar a brincadeira do
nosso boi.
Zk – Lembra uma toada tradicional?
Marileide –
Lá vai meu boi/Convidando moça para entrar na festa/A melhor garota que estiver
na porta/É uma estrela que ela tem na testa... Tem muitas toadas.
Zk – Durante o Festival de Inverno que
aconteceu até domingo da 6, a
Eva apresentou a dança Bailado das Garças e disse que foi a senhora quem criou.
Como aconteceu a pesquisa?
Marileide – Costumava ficar apreciando as
garças nesse rio Guaporé e percebi que tem um determinado tempo que elas
escolhem uma praia e ali ficam dois três dias de asa aberta, parece que estão
dançando uma valsa e o barulho delas é assim: ou, ou, ou... E com aquilo eu me
encantava. Quando comecei mexer com a cultura, fui acampar na praia
encontrei cinco gaivotas mortas, parece que tinham feito tiro ao alvo e aquilo
me deu uma dor no coração. Então falei, vou criar uma dança “Guaporé pede
socorro” então fiz o “Bailado das Garças”, depois o “Balé das Gaivotas” e a “Revoada
dos Biguá”. A melodia que utilizei foi de um CD que uma amiga minha trouxe da
frança chama-se “Natura” é uma música, com tom de água, grito dos passarinhos,
cachoeira bem de levezinha, tem o grito da gaivota e as meninas se apresentaram
muito bem de bailarina mesmo. Já o Bailado das Garças elas saíram do camarim já
vestidas de branco.
Zk – A coreografia que a Eva apresentou sábado
em Costa Marques
é dela ou é a mesma que você criou?
Marileide – A Eva foi bailarina também, ela
dançou nas Garças, no Balé das Gaivotas e na Revoada dos Pássaros que
são todas danças juntas e então ela sabe como é, não fui assistir a
apresentação, mas, acho que ela criou uma coreografia se mudou foi pouca coisa.
Fico feliz em saber que alguém está se preocupando em preservar nossas danças
Zk – Fala mais sobre a Revoada dos Pássaros?
Marileide – A APAE de Costa Marques foi
convidada a participar do Festival de Artes das APAE que aconteceu em Ariquemes
e então montei a Revoada dos Pássaros com as
danças de todos os pássaros que são: Garças, Gaivotas, Colhereiro, Araras e
Biguá. Nós apresentamos em forma de teatro. Essa dança ganhou o premio Nacional
de Cultura representando a APAE. Foi uma dança da APAE e não da Merileide que
ganhou o prêmio.
K – Tá faltando contar a história da Escola de
Samba Unidos do Guaporé. Como é?
Marileide – A Unidos
do Guaporé
surgiu por uma necessidade. Eu sempre trabalhei com jovens no Centro Cultural e
vi que esses jovens não tinham mais espaço para brincar carnaval, já que os clubes
sociais haviam parado de realizar os bailes carnavalescos então criei primeiro
o carnaval de rua em
Costa Marque que depois passou para a coordenação da
prefeitura. Foi então que conversado com meu sobrinho Cliuson falei, vamos
criar uma escola de samba e ele aceitou o desafio acontece que eu estava muito
apegada a Renovação Carismática, por isso disse que não queria aparecer à
frente da escola e samba, vou costurar as fantasias, coversa com a professora
Geni pra ela te ajudar, mas, não teve jeito, o Juiz mandou me chamar e disse;
“Como à senhora já tem o Centro de Cultural, a
senhora é que tem que tomar conta dessa escola de samba”. Então criamos a
diretoria eu como presidente e o Cliuson como vice.
Zk – E o primeiro desfile?
Marileide - Não foi fácil. Nossas fantasias
foram confeccionadas em
tecido Morim você nos ajudou com algumas peças das escolas de
Porto Velho o interessante foi o que fiz com minhas árvores de natal.
Zk – O que foi feito dessas árvores de natal?
Marileide – Peguei todas bati no
liquidificador e elas viraram purpurina que foi aplicada na fantasia da
Bateria. No meio da escola de samba coloquei os pássaros, a ala dos Biguás,
Garças, Gaivota e assim foi. Isso aconteceu no ano de 1999. O Dinho não era nem
prefeito, mas nos ajudou muito assim como outros empresários. Só sei que no dia
do desfile a avenida ficou superlotada de gente querendo ver as mulatas da
escola de samba Unidos do Guaporé. Para quem começou com uma ajuda de R$ 500 e
este ano recebeu R$ 5 Mil ainda não está bom, mas melhorou.
Zk – Que história essa de receita milagrosa
para homem que se acha impotente sexual?
Marileide – Pega sete ovos com casca e tudo de
galinha caipira, coloca num recipiente e, espreme limão até cobrir, deixa na
geladeira e depois bate no liquidificador com uma lata de leite condensado, um
copo de vinho e se quiser,
uma pitada de canela e é só tomar. A mulherada que se cuide depois disso!
Zk – Para encerrar. O investimento do poder
público na cultura melhorou;
Marileide – Continua na mesma. Esse menino
Chicão secretário da Secel parece que está com vontade de fazer alguma coisa,
basta lembrar o apoio que ele deu pra nossa escola de samba esse ano, e a
preocupação em resgatar as nossas danças como foi o caso do Bailado das Garças
que aconteceu no Festival da Luzia,
espero que ele continue assim, com essa
vontade de investir realmente na cultura do nosso estado de Rondônia. No mais,
espero vocês da Secel na Semana do Folclore, quem sabe eu coloque a Revoada dos
Pássaros!
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