HISTÓRIA
Nazira Menezes a matriarca
da rua Bolívia
Apesar de não ser a mais antiga e nem a mais idosa moradora
da rua Bolívia (trecho da Vespaziano Ramos entre a Joaquim Nabuco e a Nações
Unidas), dona Nazira é considerada a matriarca da rua. Sábado passado dia 12,
durante a tradicional festa em homenagem às Mães que acontece ha mais de dez
anos, na casa da dona Raimundinha, mais uma vez dona Nazira foi convidada a
fazer o discurso de abertura, provando o respeito que todos têm pela sua
participação em tudo quanto é comemoração que acontece na rua Bolívia. Irmã do
compositor (já falecido) Francisco Dias de Menezes autor do samba “Exaltação ao
Rio” e mãe dos compositores Waldison Pinheiro, Zé Baixinho e das Pastoras
compositoras da escola de samba Asfaltão Wanilce e Wilma. “Tem gente que me pergunta se
eu sou a dona da escola de samba Asfaltão”. Na realidade, dona Nazira se dedica mais as atividades
religiosas na igreja de N.S. das Graças onde é Ministra da Eucaristia. Nascida
e criada em Fortaleza do Abunã dona Nazira hoje com 70 anos. “Casei quando
estava com 15 anos de idade porque minha mãe tinha um ditado que dizia: não vou
gastar querosene em lamparina com namoro de filha”, desde quando chegou a Porto
Velho com 20 anos de idade mora no bairro de Santa Bárbara. “Quando cheguei, a
rua Bolívia era só um caminho cheio de lama que dava passagem para a igrejinha
de Nossa Senhora das Graças”. No terreiro da Mãe Esperança ou Batuque de Santa
Bárbara, Nazira ajudava sua mãe na banca de venda de bolo, mingau e outras
guloseimas.
Essas e outras histórias vamos conhecer na entrevista que
segue.
ENTREVISTA
Zk - Como é o seu nome completo?
Nazira – Nazira Dias de Menezes. Nasci em Fortaleza do
Abunã, que na época era uma vila comandada pelos seringalistas, Geraldo Peres,
Otávio dos Reis e o seu Jaime. Eles dominavam o comercio entre Fortaleza e a
vila Plácido de Castro no Acre, pois eram proprietários das embarcações que
navegavam pelo rio Abunã naquele trecho.
Zk – Qual era o movimento comercial que mantinha a Vila?
Nazira – O movimento da vilazinha era o comércio de
borracha. O meu pai foi seringueiro, trabalhou com o seu Geraldo Peres e também
com seu Otávio dos Reis, aliás, ele morreu no seringal trabalhando na estrada
de seringa.
Zk – Quais os nomes dos seus pais?
Nazira – Meu pai Manoel Muniz de Menezes e minha mãe Olga
Dias da Silva. Na realidade não nasci propriamente em Fortaleza do Abunã, nasci
no seringal Santa Rosa, porém no meu registro de nascimento consta como natural
de Fortaleza do Abunã.
Zk – E com quantos anos a senhora veio para Porto Velho?
Nazira – Quando vim pra Porto Velho estava com 20 anos de
idade. Já cheguei aqui casada com o Waldir Pinheiro da Silva irmão do Bainha e
já tinha dois filhos, o hoje Dr. Pedro Wilson e o Waldemir mais conhecido como
Zé Baixinho.
Zk – Vamos falar sobre o seu casamento com o Waldir. Como
vocês se conheceram?
Nazira – O Waldir morava em Porto Velho e foi para
Fortaleza porque seu cunhado, esposo de sua irmã Natercia Pinheiro era
telegrafista em Fortaleza e ele foi passar uns dias com a irmã e lá a gente se
conheceu e casamos.
Zk – Quando a senhora veio para Porto Velho foi morar aonde?
Nazira - Fui morar na casa da minha sogra, dona Marieta
Pinheiro ali na Sete de Setembro perto do Colégio Murilo Braga. Depois alugamos
uma casa na Joaquim Nabuco perto da famosa Bica. Isso foi em dezembro do ano de
1960.
Zk – Quer dizer que a senhora viveu a época que ali existia
o Batuque de Santa Bárbara?
Nazira – Pois é, tinha o Batuque de Santa Bárbara, o Igarapé
onde a gente descia para lavar roupa, esse igarapé até hoje é conhecido pelo
nome de Bica ou Grutião.
Zk – Já tinha a rua Bolívia (hoje Vespaziano Ramos)?
Nazira – Não, o que existia era só um caminho, já morava nas
proximidades a dona Edna prima da
Raimundinha cuja família já era dona do terreno onde mora até hoje e fica o
famoso Bar do Antônio Chulé. A rua mesmo que hoje é a Bolívia era só o caminho
com muita lama, por aonde a gente ia pra igrejinha de Nossa Senhora das Graças.
Zk – A senhora é considerada matriarca da rua Bolívia. É
realmente a moradora mais antiga da rua?
Nazira – Acredito que tem gente que mora na rua há mais
tempo que eu, por exemplo, quando cheguei nessa área da cidade já morava na
hoje rua Bolívia a dona Chiquinha mãe da Ubaldina que é mãe da Nazaré que é mãe
da tua mulher Ana Célia. Podemos dizer, que naquele tempo o Santa Bárbara era
considerado como sítio, basta lembrar que na rua Amazonas com a Joaquim tinha
um terreno que era chamado de Seringal. O que tinha muito naquela área era pé de
Cajá, até hoje tem.
Zk – Voltando a Fortaleza do Abunã. O que era consumido como
alimento pelos moradores da Vila?
Nazira – Era muito peixe, tinha também o pessoal que caçava
e trazia paca, veado, porco do mato, anta e outros animais silvestres. Tinha também
charque e uma vez na semana, o açougue do Otávio dos Reis vendia carne de boi.
Zk – Como era que se chegava a Fortaleza do Abunã naquele
tempo?
Nazira – Era de motor. A gente vinha até Abunã de motor e
então pegava o trem da Madeira Mamoré para Porto Velho ou Guajará Mirim. Na
volta desembarcava em Abunã pegava o motor e subia pelo rio Abunã até Fortaleza.
Zk – Como foi que seus pais foram morar em Fortaleza do
Abunã?
Nazira – Minha mãe contava que minha avó, veio contratada
para morar com determinada pessoa. Acontece que tinha uma senhora que trazia
mulheres do Ceará para morar com os homens. As mulheres eram dadas como prêmio
ao seringueiro que se destacasse, ou seja, fizesse maior número de pelas de
borracha. Minha mãe contava essa história, eu mesmo não conheci minha avó.
Minha mãe nasceu num seringal de Fortaleza do Abunã.
Zk – E seu pai?
Nazira – Meu pai veio de Sergipe como soldado da borracha.
Primeiro ele trabalhou como cassaco na construção da Estrada de Ferro e depois
foi para o seringal e lá conheceu minha mãe e se casou.
Zk – Quantos irmãos?
Nazira – Somos quatro, Eu, a Nilza, Chiquinho e o Sebastião.
O Chiquinho para vocês, é o compositor Francisco Dias de Menezes mais conhecido
como Neguinho Menezes autor entre outras, da música “Exaltação ao Rio”.
Zk- De onde vem essa veia musical da sua família que além do
Menezes tem o Waldison Pinheiro, Zé Baixinho, Oscar e algumas da pastoras do
Asfaltão?
Nazira – Por parte da minha mãe ninguém tinha esse dom e por
parte do meu pai não conheci ninguém pessoalmente, pois a família sempre morou em
Sergipe e não tivemos contato. Já por parte dos meus filhos o meu marido Waldir
cantava e tocava muito bem vários instrumentos entre eles, violão, cavaquinho e
clarinete além de cantar e eu gosto de cantar.
Nas festas lá em Fortaleza do Abunã meu marido gostava que eu cantasse
com ele. Depois que casamos acabou.
Zk – Por falar nisso, quantos anos a senhora tinha quando
casou?
Nazira – Casei com 15 anos, por isso fui avó cedo e agora já
sou bisavó. Hoje fico pensando como foi que eu aos 15 anos, assumi a
responsabilidade de esposa e de mãe, graças a Deus, criei meus filhos que são
reconhecidos por todos como boas pessoas e até se destacam na política e na
sociedade. Hoje fico imaginando essas meninas de 15 anos que já são mães e que
não tem compromisso nenhum com a formação de seus filhos.
Zk – A que a senhora atribui ter se casado tão nova?
Nazira – Naquele tempo no interior, a criação era muito
rígida, assim sendo, quando comecei a namorar com o Waldir que foi o meu
primeiro namorado, estava com 14 anos e minha mãe tinha um ditado que era usado
por todas as mães do interior: “Não vou ficar gastando querosene em lamparina
com minha filha namorando” e emendava, namoro é pra casar, diante dessa
“pressão” casei quando tinha 15 anos. Quem ministrou nosso casamento foi o
padre Teodoro.
Zk – Vamos falar do seu lado religioso de Ministra da
Eucaristia?
Nazira – Desde Fortaleza já participava na igreja de São
Sebastião onde desde pequena freqüentava as novenas. Missa era uma vez por mês,
quando o padre ia. Tinha uma senhora que rezava o terço e cantava, era a dona
Maria Ferreira aliás, aprendi praticamente todos os cantos com ela.
Zk – E a religiosa em Porto Velho?
Nazira – Quando cheguei aqui, primeiro freqüentei a Catedral
depois descobri que no Santa Bárbara tinha uma igrejinha que era a de Nossa
Senhora das Graças então passei a freqüentar, era no tempo que o vigário era o
padre Bernard. O padre Bernard me descobriu pelo canto.
Zk – Como assim?
Nazira – Na época, a missa era ministrada em latim e o padre
celebrava de costas para o povo. Naquele tempo o padre fazia tudo inclusive
cantava e eu acompanhava, quando ele tinha que parar na hora da consagração eu
continuava cantando e foi assim que ele descobriu que eu cantava e me chamou
para participar da liturgia. Eu não sabia nem o que era liturgia e então passei
a ser a cantora oficial durante a missa.
Zk – Fale mais um pouco da sua participação na igreja de
Nossa Senhora das Graças?
Nazira – Quando o padre Humberto assumiu como vigário ele me
convidou para ser catequista, depois entrei para o Apostolado da Oração e fui
galgando os espaços até chegar a Ministra.
Zk – Mesmo sendo essa religiosa militante, a senhora abre
sua casa para abrigar uma escola de samba a Asfaltão e se envolve realmente com
o carnaval. Como é administrar a religiosa e a carnavalesca?
Nazira – Minha ligação com a escola de samba Asfaltão é por
conta dos meus filhos. Antes sempre gostei de carnaval, só que aqui em Porto Velho nunca
brinquei, brincava em Fortaleza do Abunã, aqui o Waldir era muito ciumento e
nunca me levava. Meus filhos é que participavam e participam, o Pedro Wilson
começou a brincar na Diplomatas do Samba aos 4 anos de idade. Depois de muitas
“brigas” na Diplomatas eles saíram e entraram no Asfaltão e eu passei a
acompanhar inclusive, ajudando a confeccionar as fantasias.Tem gente que me
pergunta: A senhora é a dona da escola de samba? Meu genro é que é o Presidente
o Reginaldo Macumba. Eu sempre gostei de carnaval.
Zk – A senhora é professora?
Nazira – Hoje sou professora aposentada. Lá em Fortaleza fiz
até a quarta série, quando cheguei aqui, passei alguns anos trabalhando na
igreja com os padres Combonianos mas, não tinha formação e eles me aconselharam
a fazer o curso de magistério e eu fiz o Logus 2. Em 1984 fui contratada como
professora pelo estado de Rondônia.
Zk – A senhora conheceu a Mãe Esperança do Batuque de Santa
Bárbara?
Nazira – Conheci, dona Esperança e o Albertino. Acontece que
minha mãe foi convencida pela dona Marieta a colocar banca de vender iguarias: “Comadre
Olga, pôe banca no terreiro que da um bom dinheiro...” na nossa banca a
gente vendia mingau de banana, mungunzá, além de bolo, croquete e outras
guloseimas. Muita gente freqüentava o batuque.
Zk – O Batuque funcionava de quando a quando.
Nazira – A festa começava no dia 4 de dezembro dia de Santa
Bárbara com o levantamento do mastro e terminava no dia 20 de janeiro dia de
São Sebastião quando era arriado o mastro. Eu e muitas das minhas colegas tínhamos
medo de entrar no barracão onde realmente funcionava o Batuque, ou seja, onde
os Santos e Orixás Baixavam. O medo era porque diziam que se a gente não se
comportasse lá dentro “Caia”, quer dizer, era possuída pelos Orixás e eu tinha
muito medo de entrar para ver o “Baiado” das mães e filhas de santo.
Zk – Estamos festejando o dia das Mães e a senhora foi
escolhida pela nossa coluna como a Mãe do ano da rua Bolívia. Deixe uma
mensagem especial para as jovens mães?
Nazira – Acima de tudo que firmem compromisso com a educação
de seus filhos. Para as que não tem filho ainda, que procurem estudar, se
formar e só então pensem em assumir um filho. Não se precipitem. Ser Mãe é
muito bonito, mas, carece de muita responsabilidade. Quero externar meus
agradecimentos a Deus e desejar a todas as Mães, muita saúde, tranqüilidade e
paciência e acima de tudo responsabilidade na educação de seus filhos. Feliz
dia das Mães!
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