Autor de versos memoráveis da música brasileira, cronista das tristezas e alegrias do país, Aldir Blanc morreu nesta segunda-feira 4 de maio, aos 73 anos. Com infecção generalizada em decorrência do novo coronavírus, Aldir estava internado no CTI do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, desde o dia 20 de abril.
Aldir Blanc Mendes nasceu no Estácio, bairro da
Zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 2 de setembro de 1946. Curioso e
observador, logo se embrenhou pelos encantamentos das ruas, dos tipos humanos e
das manifestações culturais de sua cidade, cultivando suas principais paixões
desde cedo: o futebol do Club de Regatas Vasco da Gama, o samba da Acadêmicos
do Salgueiro, a vida boêmia, as pequenas e deliciosas histórias do cotidiano, a
visão crítica e ácida sobre política e desigualdades sociais, e a poesia, que começou
a escrever aos 16 anos.
Em 1966, Aldir ingressou na faculdade de Medicina,
especializando-se na área de psiquiatria. Mas abandonaria a carreira de vez em
1973, um ano depois do lançamento de “Agnus sei”, parceria abre-alas de sua
obra com João Bosco
O encontro com Bosco representou um casamento
perfeito: de um lado, o rico lirismo do letrista; do outro, a sofisticação
rítmica e harmônica do violão e das melodias do então desconhecido músico
mineiro. Ao lado dele, Aldir construiria uma das mais prolíficas e contundentes
parcerias da história da música popular em todo o mundo.
Juntos, escreveram clássicos como “Bala com bala”,
“Caça à raposa”, “Linha de passe”, “Cabaré”, “Kid Cavaquinho”, “O mestre-sala
dos mares”, “De frente pro crime” e “O bêbado e a equilibrista”, que, na voz de
Elis Regina — uma das principais intérpretes do duo —, se tornou o hino pela
campanha pela anistia.
Em mais de 50 anos de carreira, todos dedicados às
letras — seja como compositor, escritor ou cronista —, Aldir escreveu cerca de
500 canções, sem contar outras centenas nunca gravadas ou perdidas. Moacyr Luz,
parceiro a partir dos anos 1980, complementou sua poesia como apenas Bosco
havia sido capaz. Juntos, eles escreveram dezenas de canções, entre elas,
crônicas apaixonadas e agridoces sobre a cidade. Da obra de Aldir, aliás, o Rio
emerge em canções como “Centro do coração”, “Só dói quando Rio”, “Do um ao
seis” e “Saudades da Guanabara” (com Paulo César Pinheiro), lançada por Beth
Carvalho em seu disco homônimo de 1989, que viria a se tornar um standard em
rodas de samba cariocas.
Com um apetite voraz pela palavra, tanto a cantada
quanto a escrita, Aldir ainda lançou discos como “Rios, ruas e paraísos” (1984,
com Maurício Tapajós), “Aldir Blanc — 50 anos” (1996) e “Vida noturna” (2005),
publicou livros — “Rua dos Artistas e arredores” (1978), “Porta de tinturaria”
(1981) e “Vila Isabel, inventário da infância” (1996), entre outros
Em 2001, Aldir e Bosco retomaram o contato, a amizade
e a parceria, que havia sido rompida em 1983.
Nos últimos anos, Aldir, que sofria de diabetes,
vivia recluso em seu apartamento, na Tijuca. Distante da bebida que fez
companhia em tantos momentos, ele se dedicava as filhas e netos com vigor. O
envelhecer gerava reflexões divertidas e bonitas, como era bem de seu feitio. Em 2016, quando fez 70 anos, disse que
chegar a essa idade era “como ser atropelado por um caminhão-cegonha que, em
vez de transportar carros, transporta guindastes e tratores. Difícil levantar
no dia seguinte”.
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