Na
noite de São João, estava no arraial da dona Raimundinha no bairro
Caiari, onde o grupo de dança de Carimbó do Sesc se apresentou.
Logo após a dança, uma das dançarinas me procurou, dizendo que
gostaria que eu publicasse, a verdadeira história da quadrilha “Flor
do Maracujá”. “Todo ano vejo falarem de Flor do Maracujá, mas,
ninguém conta a verdadeira história”. Era dona Chiquita uma
senhora muito simpática e divertida, que foi logo dizendo, como
surgiu a quadrilha que dançava à beira dos trilhos da Estrada de
Ferro Madeira Mamoré no bairro do Triângulo. Trocamos telefones e
quinta feira passada, gravei a entrevista que além da história do
nascimento da quadrilha, conhecemos como nasceu os bairro Nova Porto
Velho e em especial o bairro Agenor de Carvalho.
É
uma entrevista muito bacana,
ENTREVISTA
Zk
– Como é o seu nome e de onde veio pra cá?
Chiquita
– Meu nome é Francisca Marques de Souza, porém, sou mais
conhecida por Chiquita. Cheguei aqui em Porto Velho no dia 16 de
outubro em 1948, vindo de Manicoré. Fomos morar no Alto do Bode.
Nasci no dia 25 de fevereiro de 1943.
Zk
– Alto do Bode?
Chiquita
– Era um morro que ficava pegado ali onde hoje é a Feira do
Agricultor. Naquela área tinha a Baixa da União que começava onde
hoje é o Posto São Paulo, o Morro do Querosene ficava pro lado da
rua José de Alencar. Justamente no espaço onde está instalada a
Feira do Agricultor era o Campo de Futebol e pro lado da Euclides da
Cunha começava o Alto do Bode. Na realidade, a Euclides da Cunha
entre o trecho da Sete de Setembro até a João Alfredo se chamava
rua do Coqueiro. Entre o Alto do Bode e o Cai N’água, tinha o
Ramal São Domingos que era um desvio da linha do trem que ia até a
fábrica de Borracha que ficava em frente ao Campo do Mario Monteiro
hoje 5º BEC.
Zk
– Quem era Mário Monteiro?
Chiquita
– Ele foi prefeito de Porto Velho e tinha uma fazenda de criação
de boi, justamente no local onde foi instalado o quartel do 5º BEC.
Zk
– Qual sua história com a quadrilha Flor do Maracujá?
Chiquita
– Foi o seguinte: Naquela época, tinha o boi bumbá “Fortaleza”
do seu Raimundo também conhecido como Cabo Fumaça lá no Triângulo.
Numa noite de luar, nossa turma de jovens, estava sentada na linha do
tem e de repente veio a ideia, vamos formar uma quadrilha pra gente
brincar! Todo mundo concordou, aí o Jorge Herculano se propôs a ser
o marcador. Faltava conseguir um terreiro para a gente ensaiar, foi
então que eu disse, vamos lá com seu Joventino Ferreira Filho ver
se ele sede o curral do boi.
Zk
– Boi bumbá?
Chiquita
– Não, curral de boi de quatro patas que ele criava. Conversamos
com ele e com a dona Dina sua esposa. Ele nos recebeu muito bem e
disse: Pode brincar aí no terreiro, pois, à noite os bois estão
todos presos e não vai ter perigo.
Zk
– E o nome da quadrilha surgiu como?
Chiquita
– No terreno tinha um pé de maracujá que estava florado, então
resolvemos colocar o nome da quadrilha de “Flor do Maracujá”.
Devo lembrar que as filhas do seu Joventino eram todas bonitas, mas,
elas nunca brincaram na quadrilha, só quem brincava era o Zildo o
Netinho era recém-nascido. Nossa quadrilha começou no dia 20 de
abril de 1958 e dançou até o ano de 1964, foi quando o BEC chegou e
acabou com o Alto do Bode, Baixa da União, Ramal São Domingos e
Morro do Querosene.
Zk
– Quem brincava na quadrilha Flor do Maracujá?
Chiquita
– Luiz Lopes, Bananinha, Borba, Alberto Periquito, Araújo, Ramos,
Jango, Vilarim, Raimundo Frango D’água que foi meu marido, Gastez
filho do seu Alumínio (Geraldo Siqueira), Chore, José Guedes,
Ariovaldo, Luiz Lopes e muitos outros.
Zk
– E as damas?
Chiquita
– Tinha a Joana, Aldenora, Marinalda. Nora, Isalda, Darci Moreira,
Gladis, Dolores, Rosinha, Deuzuita, Elisa, Maria Resk, Amélia Pires,
Rosilda, Neuzi e eu. O primeiro noivo da quadrilha foi o Gastez e a
noiva a Rosinha. Depois é que veio o Chore com a Elisa que
terminaram se casando de verdade e vivem até hoje.
Zk
– Vocês participaram de algum festival?
Chiquita
– Era assim: A primeira dança do ano fora do local dos ensaios,
era em frente a casa do governador, depois no arraial da Catedral e
depois em frente à casa do Diretor da Estrada de Ferro, depois
dançávamos no arraial da 3ª Cia de Fronteira. Também éramos
convidados para dançar nos clubes Guaporé, Imperial e em outros
locais.
Chiquita
– A noiva fugia de casa e quando era encontrada vinha no “Trole”,
porém, antes de embarcar no Trole ela vinha numa carroça toda
enfeitada de palha, que a gente ia tirar no Campo do Mário Monteiro,
eram três carroças emprestadas do seu Antônio do Boi. As carroças
paravam na Serraria Tiradentes hoje Mercado do Cai N’água e de lá,
seguia de “Trole” até o local dos ensaios.
Zk
– A senhora dançava de que?
Chiquita
– Eu era a “Intrusa”. A mulher que chegava com o filho no
braço, para impedir o casamento. Acontece que o noivo era marido da
“Intrusa” e a deixou “buchuda” para casar com a outra. Aí na
hora do casamento, eu chegava com o menino no braço que era o
Netinho filho do seu Joventino aí começava a confusão e vinha o
guarda e me tirava da cerimônia. Era muito engraçado. O sanfoneiro
era o seu Antônio Bananeira.
Zk
– Fale mais um pouco sobre sua juventude?
Chiquita
– Posso dizer que vivi um tempo muito bom, pois, Porto Velho não
tinha violência, sempre fui festeira e minha mãe não gostava, as
vezes a tarde, eu deixava os sapatos e alguma peça de roupa
escondida no pé da cerca e a noite, quando mamãe dormia eu fugia
pra festa no clube Imperial. Brinquei carnaval no bloco da dona Jóia,
no Imperial no bloco do Danúbio Azul, do Guaporé, brinquei na
escola do Tário Café antes de ser Diplomatas, fui passista, rainha
de bateria e por ultimo brinquei de baiana. Cheguei a brincar na
Caiari também.
Zk
– Quantos filhos?
Chiquita
– São sete filhos, de dois casamentos são quatro mulheres e três
homens. Sou viúva. Meus filhos Iraildo, João (adotivo), Irailton,
Iranilson, Rose, Ariadne, Ariane e a Ray.
Zk
– A senhora também conhece a história dos bairros, Nova Porto
Velho e do Agenor de Carvalho?
Chiquita
– Antes, da Rio Madeira até a rua 16, era Nova Porto Velho. Depois
a prefeitura desmembrou e ficou, da Jorge Teixeira até a Rio Madeira
é Nova Porto Velho e da Rio Madeira pra frente é Agenor de
Carvalho. Isso aqui foi invasão, sou uma das fundadoras desse
bairro. Conheço a história do doutor Agenor de Carvalho.
Zk
– Foi por causa dessa invasão que mataram o Agenor?
Chiquita
– Ele ganhou nossa causa. Bem em frente a casa onde moro hoje,
tinha um monte de pedra e ele veio fazer uma reunião e de cima do
monte de pedra, anunciou que havia ganhado a causa em nosso favor e
que iriamos receber 21 Mil em material de construção e o resto iria
ser pago em dinheiro. Quando foi no dia 9 de novembro de 1983 o
assassinaram lá na ruía Júlio de Castilho com a Duque de Caxias as
quatro horas da manhã. Foi aí que o pessoal invadiu de vez. A
justiça vinha mandava derrubar as casas. Eu tinha um comércio na
esquina da rua Sete e perdemos tudo, meu marido ficou doido em
virtude do prejuízo.
Zk
– De quem era essa área?
Chiquita
– Era do Antônio Vaqueiro, mas, como ele estava devendo 98 Mil
Cruzeiros para o Banco do Brasil a dona Maria esposa dele, veio
desmembrar pra vender cada lote por Cinco Mil Cruzeiros. Ela começou
a marcar os terrenos da rua Um pra cá e quando deu seis horas da
tarde isso aqui estava um campo, o povo desmatou tudo em poucas
horas. Isso era mata bruta mesmo. Depois que mataram o Agenor de
Carvalho liberam os terrenos. Essa é a história.
Zk
– A senhora estava falando que trabalhou no hospital de Base. A
senhora é formada em que?
Chiquita
– Antes trabalhei na CERON até 1978, pedi as contas porque fui
fazer um curso de parteira em Manaus. Quando inaugurou o hospital de
Base já tinha também o curso de técnica em enfermagem e fui
contratada para trabalhar no Centro Cirúrgico do HB.
Zk
– E hoje?
Chiquita
– Estou com 76 anos de idade, a única coisa que me atrapalha um
pouco, é um problema que tenho no joelho direito, que não me impede
de dançar Carimbo, Quadrilha, faço hidroginástica, faço minhas
caminhadas, viajo com o grupo da terceira idade do Sesc.
Zk
– O que a senhora tem a dizer aos quadrilheiros de hoje?
Chiquita
– Que eles voltem a brincar a verdadeira quadrilha, hoje a
brincadeira não tem nada a ver com quadrilha. Voltem a marcar na
base do anarriê, caminho da roça, olha a chuva, essas coisa que até
eram engraçadas, que são a verdadeira dança da quadrilha. Hoje as
quadrilhas parecem escola de samba. Queria que você falasse com a
direção do Flor do Maracujá para convidarem a nossa quadrilha do
CCI para dançar na abertura do arraial este ano. Mandem o convite
para a diretora Luci e o marcador Valter. Obrigada!
Um comentário:
Li de cabo a rabo. Muito legal, uma verdadeira viagem no tempo. Um verdadeiro achado. Dá gosto a leitura de matérias como esta. Abração e Parabéns, grande Zekatraca e minha amiga, Francisca.
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