Dona
Raimundinha do Cabo Omar
Dificilmente
alguém vai dizer que viu dona Raimundinha com raiva, olha que a
conheço desde os meus tempos de criança, pois, parte da minha
infância, foi brincando no terreiro da sua casa que ficava na
Farquar em frente à Feira Modelo (hoje Mercado central). Na
realidade, tanto ela como seu esposo, o famoso Cabo Omar da marchinha
do Galo da Meia Noite (alô seu Cabo Omar), sempre procuraram fazer
alguma coisa para divertir os amigos. A animação parece, nasceu e
vive na casa deles. Dona Raimundinha costureira, dona Raimundinha
dançarina de Carimbó, Quadrilha Junina do Grupo da Terceira Idade
do Sesc, dona Raimundinha viajante, dona Raimundinha do sorriso
aberto. Dona Raimundinha amiga. Dona Raimundinha mãe de família.
Vamos conhecê-la melhor!
ENTREVISTA
Zk
– A senhora veio de onde para Porto Velho?
Raimundinha
– Nasci em Manaus (AM), no dia 30 de abril de 1928 e vim pra cá em
1949, já casada com o Omar. Toda vida gostei de forró e ele também
era festeiro e numa dessas festas nos conhecemos.
Zk
– Quando vocês vieram para cá ele já veio contratado para
trabalhar na Madeira Mamoré?
Raimundinha
– Eu tinha um primo por nome Raimundo que trabalhava aqui na
Estrada de Ferro e foi passar férias lá em Manaus e conversa vai,
conversa vem, ele convidou o Omar pra vir pra cá. Particularmente
não gostei da ideia, porque corria o boato que aqui as mulheres não
podiam andar na rua que eram atacadas. Minha mãe dona Ocirema foi
que incentivou a vinda dele. O Raimundo o apresentou ao seu Frederico
– Fidoca e de imediato ele contratou o Omar.
Zk
– Ao chegar aqui vocês foram morar aonde?
Raimundinha
– Fomos morar no KM-1 numa casinha alugada. Em 1949 Porto Velho
praticamente não tinha nada, as casas eram quase todas de taipa
(barro), cobertas de palha e o assoalho de paxiuba. De lá moramos em
outros lugares e fomos parar no Mocambo, até que chegou a época que
o seu Vivaldo Mendes conseguiu uma casa pra gente, na Farquar atrás
da agencia do Banco do Brasil.
Zk
– O Cabo Omar foi contratado pra trabalhar em qual setor da EFMM?
Raimundinha
– Ele foi contratado como conferente de cargas no Plano Inclinado.
O Plano Inclinado funcionava naquela casinha que hoje existe ali na
beira do rio em frente ao galpão nº 1. Existia um maquinário que
fazia funcionar os “Troles” que desciam e subiam com as cargas
dos navios que chegavam e saiam pra Belém, Manaus etc. E tinha os
estivadores que carregavam as cargas dos vagões do trem para os
“Troles” e vice-versa. Era um movimento danado!
Zk
– Naquele tempo as mulheres eram apenas donas de casa, do lar como
se dizia. A senhora além de dona de casa fazia o que?
Raimundinha
– Toda vida exerci minha profissão de costureira. Eu costurava
praticamente pro povo inteiro aqui de Porto Velho. Naquele tempo aos
domingos, praticamente toda população da cidade descia pra ficar
passeando na praça Marechal Rondon, ouvindo a Banda de Música da
Guarda Territorial conhecida como “Furiosa” que fazia a chamada
Retreta. Pois muitas daquelas pessoas estavam vestidas numa roupa
confeccionada por mim.
Zk
– Fale sobre a vivência naquela casa da Farquar onde eu ia brincar
com seus filhos e outros colegas?
Raimundinha
– Era muito boa, tinha aquelas mangueiras que vocês ficavam
atirando pedras nas frutas, lembro que vocês, tu e o Edmilson meu
irmão, pegavam saco de cimento nas construções para fazer sacola e
vender na feira. Uma vez o galho da azeitoneira que tinha no quintal
de casa quebrou e o Edmilson veio junto e fraturou o braço. O
quintal era grande e meus filhos e seus colegas faziam aquela
algazarra. A cidade era atrasada mais a gente vivia. Hoje ninguém
vive mais não, é todo mundo trancado com medo da violência.
Zk
– Em frente a sua casa existia um prédio de madeira de dois
pavimentos. O que funcionava ali?
Raimundinha
– Era o Bando do Brasil. A sede do Banco saiu dali e foi para a
Presidente Dutra justamente onde hoje funciona o restaurante do Sesc.
Pra você vê, a nossa casa era no quintal do Banco do Brasil.
Zk
– Como era viver a beira dos trilhos da Madeira Mamoré?
Raimundinha
– A vida da gente era muito animada ali, na época das festas
juninas, geralmente o Omar contratava um grupo de Boi Bumbá pra
dançar no terreiro de casa e preparávamos mugunzá, aluá, canjica,
bolo de macaxeira e tudo quanto era comida típica da época. A casa
do governador era ali pertinho e todos os bois iam dançar lá em
frente. Uma vez ri tanto...
Zk
– Com o que?
Raimundinha
– Os meninos subiram para ir assistir o boi na casa do governador e
lá na hora do “Tira a Língua”, o Pai Francisco agarrou o Ocimar
pra amolar a faca na bunda dele (rindo muito). Quando soltaram, o
Ocimar saiu nas carreiras chorando no rumo de casa e vocês correndo
atrás, com medo de servir de amolador da faca do Nego Chico.
Raimundinha
– Sempre gostamos de festa e brincávamos no carnaval do clube
Ipiranga que depois passou a ser organizado pela dona Marise Castiel
e o Omar foi convidado e aceitou ser diretor do Clube Guaporé e era
um dos organizadores do bloco. A gente brincava demais. Aliás, o
Omar sempre gostou de se envolver na organização de blocos de
carnaval. O Galo da Meia Noite tem uma parcela muito significante em
sua fundação, do Omar.
Zk
– Como foi que nasceu o Galo da Meia Noite?
Raimundinha
– Eu e o Omar fomos a Recife onde tem o “Galo da Madrugada”,
assistimos tudo direitinho e quando chegamos aqui o Omar chamou o
Caula (Beribéri) e sugeriu: “que tal se a gente fizesse um bloco”,
o Caula respondeu, Isso não vai dar certo não Cabo, o Omar insistiu
e sugeriu: a gente faz este ano, se não der certo, paramos e o
negócio deu certo e hoje o Galo é um dos melhores e maiores blocos
de Porto Velho. Ele era muito carnavalesco, inclusive por muitos anos
foi o 1º secretário da escola Pobres do Caiari.
Zk
– E o Cabo Omar do futebol?
Raimundinha
– Era outra paixão dele. Atuou por muito tempo no Conselho de
Desporto e na Federação, ele foi goleiro. Foi o responsável pela
criação do jogo “Solteiros x Casados” aqui no bairro Caiari que
existe até hoje, só que no tempo que ele organizava era uma festa
muito bonita. Primeiro jogavam as crianças, depois as mulheres e só
então entravam os Solteiros x Casados.
Zk
– Como foi que vocês da Feira se mudaram para o Caiari?
Raimundinha
– Foi mais uma vez o seu Vivaldo Mendes. Primeiro ele conseguiu uma
casa que fui olhar e não cabia nem a metade das nossas coisas. Então
a família que morou nessa casa onde moramos até hoje, foi embora e
deixaram a casa em petição de miséria. Arrumamos e estamos aqui
até hoje.
Zk
– Você eram cutuba ou pele-curta?
Raimundinha
– A gente era correligionária do Renato Medeiros, portanto
“Pele-Curta”. Não éramos muito envolvidos não, nunca fui a um
comício. Teve uma eleição que votamos no seu Collares que era o
chefe do Omar no Plano Inclinado e se candidatou a deputado federal.
Zk
– Vamos falar sobre seu casamento?
Raimundinha
– Me casei com 19 anos de idade com o Omar, passamos casados 58
anos, ou seja, até ele morrer. Tivemos cinco filhos tudo homem;
Zemar, Eumar, Ocimar, Valmar e Ilmar.
Raimundinha
– Era a Florípedes, a Hilda Maia e eu, Principalmente elas que
faziam as fantasias da escola de samba Pobres do Caiari. Esse pedaço
aqui era e é puro carnaval. Tinha o bloco do Alho que nasceu de uma
dissidência da Mocidade do Caiari e eu perguntei: Por que Alho e os
meninos me responderam, “porque fede muito”.
Zk
– Vamos encerrar com a dona Raimundinha do Grupo da Terceira idade
do Sesc?
Raimundinha
– No Sesc eu participava de tudo. Agora com essa minha doença
(osteoporose) não to mais participando. Era dança de carimbó,
quadrilha junina, figurante de filme. Participava da hidroginástica,
caminhada. Era muito bom!
Zk
– E as viagens?
Raimundinha
– Viajei pra Salvador, Recife, Argentina, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina. Agora recente fui a Festa do Divino no
distrito de Surpresa é uma festa muito bonita.
Zk
– E a saúde?
Raimundinha
– Agora mesmo fiz tudo quanto foi exame e a doutora se admirou,
pois estou com 89 anos de idade e nos exames não deu nada, foram 53
exames. Minha doença é a coluna e a osteoporose. Sabe Silvio,
tenho muita saudade daquele tempo!
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