O
chefe de cozinha cinco estrelas
Perto
da minha nova morada na zona sul de Porto Velho, existe uma loja de
artesanato que me chamou atenção, certo dia fui lá e conversei com
o senhor que toma conta e fiquei sabendo que as peças eram
confeccionadas pela esposa dona Pastora. Então falei pro João
Zoghbi que todo domingo publica em sua página “Agenda” sobre o
trabalho de algum artesão, e falei sobre as peças da loja de
artesanato que existe perto da minha casa. Zoghbi foi lá conversou
com a artesã e ao chegar à redação, me recomendou: “Zé o
esposa da dona Pastora o Paulo, foi o primeiro cozinheiro do Hotel
Vila Rica, é uma história e tanto”. Como sou vizinho, ao chegar
em casa peguei o gravador e fui entrevistar o Paulo cujo nome de
batismo é Lucival da Silva. “Paulo foi o nome que me deram dentro
da cozinha”. Não só do Vila Rica, Paulo tem história na
construção da Usina de Samuel, no Aquárius Selva Hotel e
ultimamente na churrascaria Boi na Brasa. “O Uirandê era carne de
pescoço. Estava sempre trazendo de suas viagens, novidades para o
restaurante do hotel. Nenhuma feijoada servida nos hotéis de Porto
Velho chegava perto da do Aquárius”.
E
tem muito mais. Acompanhe a entrevista.
ENTREVISTA
Zk
– Você veio pra Rondônia quando e por que?
Paulo
– Primeiro vamos explicar, meu nome é Lucival da Silva, porém sou
conhecido mesmo é como Paulo. Sou gaúcho de Porto Alegre. Estava em
Foz do Iguaçu solteiro e queria andar, então vim pra Rondônia, era
o ano de 1975. Foram 15 dias de ônibus de Cuiabá a Porto Velho.
Zk
– E quais eram suas pretensões?
Paulo
– Meu negócio era conhecer o Brasil e naquele tempo, se falava
muito em Porto Velho-Rodônia por causa do garimpo e então vim pra
cá, porém, meu negócio era trabalhar como cozinheiro.
Zk
– E nesse ramo conseguiu emprego em qual empresa?
Paulo
– Dei sorte porque estavam construindo a usina hidrelétrica de
Samuel então, consegui ser contratado na minha profissão de
cozinheiro. Depois não sei se você lembra, tinha um restaurante que
ficava por trás da Três Cinco que era do Mário que atendia a Coca
Cola, White Martins, Mercedes e outras empresas. A gente servia por
dia, uma faixa de oito mil marmitex. Nesse ínterim chegou o Vila
Rica e...
Zk
– Como foi que você foi trabalhar no Vila Rica?
Paulo
– O Vila Rica ia inaugurar e não tinha equipamento completo na
cozinha para a inauguração. A cozinha estava toda aparelhada mais
não tinha as panelas, então o Mário emprestou as panelas de ferro
comigo junto.
Zk
– O ofício de cozinheiro você aprendeu aonde?
Paulo
– Aprendi em Foz do Iguaçu na obra de Itaipu. Primeiro fiz o curso
de cozinheiro aplicado pela Itaipu, passei por todas as etapas dentro
de uma cozinha e quando sai, era cozinheiro chefe. Voltando ao Vila
Rica, na realidade quando foram abrir o restaurante do hotel tiveram
dificuldade para contratar um chefe de cozinha, pois aqui em Porto
Velho só existia nesse ofício eu mais uns dois.
Zk
– É verdade que você quase foi policial?
Paulo
– Por algum tempo, trabalhei no garimpo na mineradora Oriente Novo
lá na região de Ariquemes e fomos chamados (éramos seis), para ser
policial aqui em Porto Velho, chegando aqui um delegado que não
lembro o nome, veio bater em nossas mãos de palmatória, olhei na
cara dele e disse, vai bater na mão da pqp e fui embora de novo pro
garimpo.
Zk
– Você sempre trabalhou como cozinheiro, ou teve outros empregos?
Paulo
– Meu negócio sempre foi cozinha, trabalhei inclusive nos barcos
de turismo da Baré Tur durante oito anos,
Zk
– E a história com o hotel Aquarius?
Paulo
– O Aquarius era uma empresa muito boa em se falando de cardápio.
O Uirandê era carne de pescoço, no bom sentido, ele viajava muito e
sempre estava trocando o cardápio do restaurante, era só coisa boa
que ele trazia, não tinha economia não. A economia era só no nosso
pagamento que era pouco. Dentro de Porto Velho ele foi o cara que
mais vendeu em se falando de restaurante na minha época. Não tinha
pra ninguém, o restaurante do Rondon Palace Hotel andou dando uma
encostadinha mas, não conseguiu superar o Aquarius não,
principalmente nas feijoadas.
Zk
– Você sempre foi o chefe de cozinha nos restaurantes que
trabalhou. Qual a diferença do chefe para o cozinheiro?
Paulo
– A diferença é que o chefe esquenta mais a cabeça. Qualquer
erro na preparação ou na montagem do prato, ele é o responsável e
se faltar um cozinheiro ele tem que meter a mão na massa. O tempero
de todos os pratos é de responsabilidade do chefe.
Zk
– O chefe de cozinha tem a obrigação de ter no seu currículo um
prato de sua criação?
Paulo
– Não existe nada disso, Nossa função é atender o que o cliente
pede. O Uirandê era o cara mais carrasco em matéria de cardápio,
ele só trazia cardápio pesado, era bom pra casa. Tinha um prato
chamado “Arroz a Candomble” que só comia quem conhecia, era um
prato pesado (no bolso). É um filé alto, só grelhado por fora e
molho madeira com Champignon por cima e o Arroz.
Zk
– Você chegou a trabalhar com nutricionista?
Paulo
- Trabalhei! Pra falar a verdade, dentro de Porto Velho não
encontrei uma nutricionista padrão, só cansada. No Boi na Brasa
teve uma, que pegou uma carne que chegou que era para os marmitex. Às
nove e meia à gente começava a servir os marmitex e a carne chegou
era 8h40, ela queria que eu fizesse e eu respondi que não faria e
ela ameaçou me demitir e eu respondi: você não manda nem em você!
É mais fácil eu te tirar daqui. Ela foi demitida mesmo.
Zk
– Fala sobre o Boi na Brasa?
Paulo
– Trabalhei lá durante 14 anos. Quando comecei era apenas uma
coberturazinha e hoje é aquela estrutura maravilhosa e tem mais,
apesar de ter ficado famosa como churrascaria, eles trabalham muito
com pratos a lá carte. Hoje é a casa que mais vende dentro de Porto
Velho. Comigo os proprietários sempre foram muito bons.
Zk
– Vamos falar mais um pouco sobre o Vila Rica?
Paulo
– O Vila Rica nunca teve um movimento vamos dizer, grande, era uma
casa muito calma. Quando foi inaugurado deu aquele movimentão,
depois caiu e muito. Não segurou porque o preço deles era muito
alto e o cardápio deles não tinha nada de novidade.
Zk
– Vamos falar da sua vida sem a cozinha. Quando você chegou aqui
foi morar aonde?
Paulo
– Morei atrás do Gonçalves da Jorge Teixeira onde existia uma
estância com uns quartinhos, porém, logo fui trabalhar na cozinha
da usina de Samuel que era comandada pelo Coronel.
Zk
– Coronel?
Paulo
– O Coronel era tão bom que era carne de pescoço de verdade, ele
não brincava não e eu já entrei como encarregado da cozinha no meu
turno; Eram três turnos. Os colegas todo dia levavam pratada na cara
dos peões insatisfeitos. Era só uma janelinha para atender os
trabalhadores e quando cheguei falei: Essa janela aqui vocês vão
ter que quebrar. O Coronel disse: “Os caras vão te matar” e eu:
Deixa fazer, se não der certo o senhor me manda embora. O peão
chegava pegava sua bandeja se quisesse mais um pouquinho eu
autorizava e nunca mais aconteceu confusão na hora da refeição.
Quando sai fui pra mineração. Quando a gente recebia na mineração
ia tudo pra “Boca” (puteiro) ou então, ia pra Ariquemes onde as
casas e as mulheres eram melhores.
Zk
– Você casou em que ano e com quem?
Paulo
– Casei em 1989 com a dona Pastora. Temos três filhos. Quem me
apresentou a Pastora foi um amigo da mineração, namoramos, casamos
e estamos juntos até hoje. O interessante, é que depois que vim da
mineração, sempre morei no Caladinho, primeiro comprei terreno na
rua Curitiba e depois na Miguel Calmon onde moro até hoje.
Zk
– Você já foi dono de restaurante?
Paulo
– Na verdade eu tinha uma churrascaria aqui na Calmon onde moro, Eu
vendia entre sexta, sábado e domingo uma média de 200 quilos de
carne, 90/100 caixas de cerveja e ai fui assaltado três vezes. Até
o segundo assalto eu aguentei, no terceiro assalto resolvi fechar o
negócio. Hoje estou aposentado, estou com 72 anos de idade.
Zk
– Pra encerrar essa nossa conversa. Qual o segredo pra se fazer um
bom churrasco?
Paulo
– Pra falar a verdade, nunca gostei de trabalhar com churrasco. Não
sou cara de estar metendo a mão em carvão e ficar com a cara na
frente do fogo. Quando estava no Boi na Brasa às pessoas chamavam, ô
churrasqueiro! Não me chame de churrasqueiro. Aquilo não é serviço
pro cidadão não. O segredo é você selar a carne. Selar é o
seguinte, depois da carne temperada, coloca ela no fogo alto e vai
virando até selar toda que é pro sangue não sair, depois pode
assar que ela fica suculenta, esse é o segredo. O corte sempre tem
que ser a favor da fenda da carne. Filé não se corta bife, corta-se
em tora, depois dar um soco e tá feito. Se cortar tipo bife fica
igual uma borracha, sola de sapato.
Zk
– Em sua opinião o Vila Rica fechou por que?
Paulo
– Fechou por falta de movimento mesmo. A administração dele
sempre foi ruim. Era uma casa muito potente que só tinha preço, não
tinha qualidade.