quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Entre a luz de Natal e a treva cultural

Por: Altair Santos (Tatá)


Não incorreríamos na insanidade de desdizer ou tecer críticas desmedidas ao embelezamento natalino do realce luminoso instalado na fachada do Mercado Cultural de Porto Velho. Por lá passávamos bem na hora dos testes e vimos tratar-se de um aparato bonito que realçou o local. Aplaudimos e elogiamos afinal a cidade precisa (e muito) deve e merece ser cuidada e sempre mui bem cuidada, para os seus e para os que a visitam. Nisso reside, inclusive, os valores do bom e do belo fator estético.
Porém pra doer ainda mais o coração dos fazedores de cultura da cidade, principalmente “os degredados filhos de Eva” que ali atuavam semanalmente e que agora, nômades, vivem a gemer e chorar em esquisitos vales de lágrimas, eis que acharam de enfeitar e “alumiar” o Mercado Cultural de Porto Velho, criando com isso uma tríade dicotômica do que seja o cênico urbano, o espaço e sua serventia e a (des) contextualização do próprio lugar que já fora um mui freqüentado e requisitado point da cultura onde eram acolhidos roqueiros, chorões, sambistas, pagodeiros e forrozeiros, grupos juninos (bumbás e quadrilhas) seresteiros e dançarinos, poetas, escritores, artistas plásticos dentre outros muitos do diverso e ativo aglomerado cultural nosso.
O cênico urbano com a maquiagem natalina ganha um vistoso front que, por detrás das luzes, esconde a decadente realidade daquele espaço praticamente sem gestão, com sua estrutura interna quase em colapso dada a sua precariedade e desinteresse a que chegou, motivado aniquilamento da própria vida cultural (eventos e projetos) que ali deixou de existir, culminando na abertura de uma enorme lacuna de orfandade cultural na cidade. Hoje, o Mercado Cultural, ao correr do dia inteiro, é um quase totalmente vazio, triste, silencioso e funesto espaço que, embora jovem (5 anos de existência), necessita ser re-significado para a cidade, seu povo e sua cultura.
Aquele espaço, por sua importância e valia urge ser repensado e justificado para os seus meios e fins, como forma de contraponto ao jargão de “quem vê cara não vê coração”, ou seja: lá instalaram uma atraente iluminação natalina que agrada aos olhos, mas que ofusca e não traduz ou reflete com intensidade mesma, a rotina ali ora vivida. Assim, o Mercado Cultural definha nas intempéries da falta de cuidado, agravado pelo banimento dos artistas do lugar e pelo conseqüente e óbvio distanciamento das pessoas.
Logo, aquele bem público virou um espaço praticamente sem vida útil onde alguns transeuntes do centro da cidade, esporádicos feito o vento, entram, circulam e se vão perdidos, mudos e intrigados, assim como fora com os artistas e seus projetos. Ainda que uma agenda de cantata e shows de natal ali aportem, nesse período, não se fará a reparação da desertificação a que fora relegada aquela unidade concebida e criada para em fomento, registro e salvaguarda, sediar os projetos e eventos da cultura local, possíveis viáveis à sua estrutura.
O que na verdade ali se queria eram outros lumes em ação rotineira, a saber: os reluzes da arte musical, poética e teatral de Porto Velho, os versos e rimas a dizer dos movimentos de corpos a dançar, de vidas a bailar e que, sem esforços maiores, bem podiam compor harmoniosos atos de cultura ao foco e realce dos néons natalinos... Porém, sem vida, o Mercado Cultural é uma fachada iluminada a clarear becos de uma treva cultural que se arrasta e parece há de perdurar, tão logo Papai Noel acelere seu trenó e se mande daqui por um ano!

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