sábado, 31 de maio de 2014

Dona Nina a 1ª parteira de Alvorada D'Oeste



Nas andanças que estou fazendo, pelos municípios do interior do estado de Rondônia, na busca de conhecer a história dos seus verdadeiros pioneiros, fomos apresentados pela dona Zenaide Távora a dona Marcionila Moura conhecida como dona Nina a primeira parteira de Alvorada D’Oeste. À sombra de um pé de tangerina, ficamos conhecendo nos mínimos detalhes a história dessa mulher rondoniense, nascida nos seringais do Rio Candeias, que “comeu o pão que o diabo amassou”, para chegar onde está hoje. “Fui obrigada pela minha madrasta, a tomar banho de urina" Em Belém do Pará teve um de seus filhos “roubados” pelo próprio marido que também a abandonou dizendo: “Daqui pra frente você não vai mais comigo, porque você é negra de cabelo ruim e minha família é loira de olhos azuis”. Depois de tanto sofrer, aportou em Alvorada D’Oeste justamente, no tempo que João Távora e seus companheiros, estavam abrindo a clareira que um dia se transformou na cidade de Alvorada.
Dona Nina foi a primeira parteira a chegar a Alvorada e muito contribui com o progresso do município, ela merece fazer parte da galeria: Pioneiros – A história de todos nós!

ENTREVISTA



Zk - Como é o seu nome completo e onde nasceu?
Nina – Marcionila Moura nasci no dia 09 de fevereiro de 1937 no Rio Candeias.
Zk - Quando foi que a senhora descobriu que tinha o dom de pegar menino como parteira
Nina – Escute aí pra ver como é que foi. Depois do meu casamento embarquei num Batelão e numa canoa amarrada ao Batelão ia uma senhora com a nora e aquela água ia caindo naquela mulher que estava grávida de sete meses e o marido tinha batido nela. Durante dois dias viajando, via aquela mulher fazer sinal pra mim e então fui até o motorista do Batelão e pedi: Jaci (era o apelido dele), encosta esse barco na beira do rio por favor. A mulher grávida foi a primeira que saiu, quando sai encontrei ela num capão de mato já em processo de parto, com a perninha da criança pra fora. Quando vi aquilo a levei até uma casa que tinha ali perto e pedi da mulher do seringueiro que cedesse a cama e ela disse que a cama não dava não, se quisesse tinha uns sacos de estopa para a grávida deitar. Desci até o Batelão para saber se tinha alguém que soubesse pegar um neném e como ninguém se manifestou resolvi fazer o parto, eu tinha apenas 13 anos de idade.
Zk – Deu tudo certo?
Nina – Quando retornei peguei os dois pés dela, joguei pra cima e depois abaixei, fiquei massageando a barriga dela, fui puxando a criança de vagarinho e a criança nasceu. Desse dia em diante passei a pegar menino como parteira, Foram 55 anos.
Zk – A senhora estava falando que tomava banho de penico. Que história é essa?
Nina – Meus pais morreram quando eu ainda era muito criança e fui criada por uma boliviana que chamava de madrasta. Eu apanhava que nem cachorro sem dono, quando eu urinava na rede, pela manhã ela pegava o penico cheio da urina dela e jogava na minha cabeça e me botava pra tomar banho no igarapé cuja água era muito fria. Certa vez fomos a Jacy Paraná e ela alertou, “se tu urinar na rede, vou te colocar pedindo esmola só de calcinha com a rede e a coberta mijada na cabeça de casa em casa”. Nesse tempo estava com oito anos de idade. Antes de sair da casa dela, com 13 anos, o marido dela me levava pro mato pra fazer “besteira” e dizia que se eu contasse ele me mataria e colocava meu corpo dentro do buraco do Tatu Canastra. Depois apareceu um rapaz pra trabalhar de seringueiro e nos passamos a namorar e apesar dela fazer o maior inferno, contando pra ele que eu não era mais moça, casamos, tivemos quatro filhos e nos separamos depois de nove anos de convivência.
Zk – Como foi que a senhora foi parar em Alvorada D’Oeste?
Nina – Meu marido ganhou Mil Hectares de terra do Zé Milton na Linha 52 perto do rio Muqui e ali fizemos nosso sítio. Acontece que meu marido me deixou pela comadre de batismo e vendeu parte das terras e eu fiquei só com 20 Alqueires. Estou em Alvorada desde aquele tempo, posso dizer que sou a pessoa que pegou mais menino como parteira, por essas bandas. Parei quando surgiu o hospital de Alvorada. Quero dizer que depois daquele 1º parto que fiz na beira do rio, andei pegando menino por tudo quanto foi canto, Belém do Pará, Porto Velho, Seringal Guaporezinho do Baraúna onde também fui seringueira,

Zk – Depois que inauguraram o hospital, convidaram a senhora para atuar como parteira. Fale sobre os partos perdidos?
Nina – Não! Quem me ajudava muito fornecendo remédios para as parturientes, era o Dr. Montanha que ainda hoje mora em Alvorada. Em 55 anos como parteira, apenas quatro crianças foram perdidas. Uma foi aquela primeira na beira do rio que quando vi esta com as perninhas de fora em vez da cabeça, era uma menina e também nasceu com o bracinho e a perna quebrada e com  a cabeça partida. Outro nasceu fora de tempo, um foi porque a mulher não procriava, me disseram que fizeram “ruindade” pra ela.  Sempre agi com muito cuidado, o material que eu utilizava era todo esterilizado, usava luva, tesoura para cortar e cordão para amarrar o umbigo, o Dr. Montanha me fornecia inclusive injeção, para injetar quando a criança já estava coroando e a mulher não tinha força, no mais, é muita fé em Deus e coragem. Nunca uma mulher morreu em minhas mãos, graças a Deus.

Zk – Em Alvorada D’Oeste qual foi o parto que mais lhe comoveu?
Nina – Foi o de uma comadre minha, mulher de um homem chamado Expedito. Ela estava sofrendo muito, reparti a barriga, pois senti que eram duas criança. Acontece que uma nasceu e só depois de algumas horas foi que o outro nasceu. Infelizmente nenhuma viveu, isso me comoveu muito.

Zk – Segundo dona Zenaide Távora a senhora também é pioneira de Alvorada. A senhora carregou cacaio nas costas, o que é cacaio?
Nina – Carreguei muito cacaio nas costas. Quando a gente morava na Linha 52 não tínhamos nem farinha, nem arroz, por isso tinha que caminhar duas horas dentro da mata, para buscar mandioca ou abobora pra misturar com peixe ou carne, isso era feito no cacaio uma estopa que a gente carregava na cabeça ou nas costas, no cacaio também se levava as ferramentas para trabalhar na roça,
Zk – O que a senhora tem a dizer aos moradores, já que no último dia 20 de maio Alvorada comemorou 28 anos de emancipação?
Nina – Quero dizer a eles que sou uma guerreira que veio muito arrasada para Alvorada, mas, hoje estou muito bem, sou aposentada. Peço que toda juventude tenha força e coragem pra trabalhar, que não se iluda com a droga, com o vício da maldade. Que sigam o caminho direito, para alcança o amor de Deus.
Zk – A senhora quer fazer algum pedido especial?

Nina – Gostaria que vocês ajudassem a encontrar dois filhos meus. Um o pai Manoel Rodrigues de Souza roubou em 1964, dizendo que ia pra Icó no Ceará mas, não tenho certeza. O outro saiu com 16 anos de idade da fazenda do Zé Milton perto de Presidente Médici. O nome deles é FRANCISCO OTACILIO DOS SANTOS o outro FRANCISCO RODRIGUES DE SOUZA (que foi pro Ceará).

Zk – Quem souber do paradeiro deles deve ligar pra qual número?
Nina – (69) 9236-5742. Moro na avenida Castelo Branco nº 5487 em Alvorada D’Oeste-Rondônia,se forem vivos devem estar com 58 e 54 anos de idade hoje.

Zk – Como foi que o seu marido conseguiu levar seus filhos?
Nina – Foi muito triste o que ele fez comigo. A gente tinha tirado um bom dinheiro no seringal e ele disse que ia me levar pra conhecer o Ceará, quando chegou em Belém, virou pra mim falou: “Daqui pra frente você não vai mais, porque você é preta e tem o cabelo ruim e minha família é loira dos olhos azuis”. Pegou o menino e desapareceu. Depois disso, pra sobreviver e conseguir comprar passagem de volta, fui cortar colorau de tesourão, fui parteira, inclusive um médico queria me levar pra trabalhar no hospital dizendo que eu sabia trabalhar muito bem como parteira. Fiz 40 quilos de colorau pruma mulher e ela não me pagou e nem comprou a passagem minha e dos meus filhos, tinha mais três filhos do primeiro casamento, mesmo assim, consegui embarcar no navio Lobo D’Almada viajando de terceira classe.
Zk – E os filhos?
Nina – Quando vi, chegaram perto de mim, três mulheres, todas de sapato Luiz XV e ofereceram um pacote de dinheiro pelo meus filhos e então disse pra elas, que só dava meus filhos pra Deus ou se eles cassarem e assim eu fiz,

Zk – Dona Nina estamos muito feliz por conhecer a sua história. Muito obrigado!

Nenhum comentário: