sábado, 24 de maio de 2014

ENTREVISTA - JOSÉ LUIZ ALVES

O Jornalista que denunciou o Genocídio do Madeira

Durante a 3ª Rondônia Rural Show que aconteceu em Ji Paraná entre os dias 21 e 24. Viajamos juntos, cumprindo pauta do Decom, com o jornalista/radialista e escritor Zé Luiz, durante a viagem conhecemos a história vivida pelo colega durante o Regime Militar. “Fui preso, torturado e terminei sendo mandado para o Chile na mesma época que foram o Gabeira, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e outros exilados políticos”. Após retornar ao Brasil e já contratado pela revisa Veja cumpriu pauta em 1976 no Território de Rondônia no Distrito de Espigão D’Oeste sobre o abandono dos índios Suruís pela FUNAI, a matéria foi censurada porque a Veja colocou a foto dos índios em volta do fusquinha que me transportou até a aldeia, com a seguinte legenda: “Aonde a FUNAI não chega de helicóptero, o repórter de Veja chega de fusca”. Essa é apenas uma das muitas histórias desse jornalista, que durante a 3ª Rondônia Rural, deu um show de cobertura, entrevistando ao vivo, governador, senadores, ministros deputados, e produtores rurais, para a Rádio Globo Rondônia (1.310).
Quer saber mais, acompanha a entrevista do autor dos livros: “Memórias Torturadas”; “Brasiguaios Destino Incerto” e “Genocídio do Madeira”, nosso colega jornalista Zé Luiz

ENTREVISTA


Zk – Qual seu nome completo?
Zé Luiz – Sou José Luiz Alves estou com 65 anos de idade, nasci em Dilermando de Aguiar sul do Rio Grande do Sul quase na fronteira com a Argentina.
Zk – Na área da comunicação o senhor começou quando?
Zé Luiz – Comecei como entregador de jornal no Correio do Povo de Porto Alegre da Companhia Jornalística Caldas Júnior em 1962, fiz um curso à época no Colégio Rosário que hoje seria a faculdade de jornalismo. A partir daí comecei a trabalhar como fotógrafo, ganhei prêmios e passei a produzir textos também, fui me entrosando no meio jornalístico e hoje estou em Rondônia.
Zk – Como foi que o senhor foi parar na assessoria de comunicação do Senado Federal?
Zé Luiz – Com 20 anos de idade, fiz concurso para revisor do Senado Federal, isso em 1969 e assumi em 1970. Antes disso, tinha certa militância política, mantinha contato com o Senador Pedro Simon na época deputado estadual líder do MDB. Minha ficha de filiação no MDB era a nº 3 pela juventude do partido naquele tempo, liderada pelo então deputado Pedro Simon que trabalhava com o Arcebispo do Rio Grande do Sul Dom Ivo Lorcheiter em defesa dos direitos humanos. Quando assumi no Senado, naquele tempo não havia Internet não havia essa parafernália eletrônica que existe hoje, assumi com um bom salário, fazia free lance para o jornal Estado de São Paulo em Brasília, até que em determinado dia, quando saia do Senado por volta da meia noite, fui preso por um grupo de militares a paisana com metralhadoras, fuzis, me colocaram de bruços numa camioneta tipo Veraneio e me levaram para uma prisão onde estavam outros presos políticos.
Zk – O senhor foi torturado?
Zé Luiz – Fiquei preso durante 73 dias, fui torturado, levei choque elétrico, levei muito telefone (tapa simultâneo nos dois ouvidos), até hoje guardo algumas sequelas.  Eles queriam saber qual o meu relacionamento com o deputado Pedro Simon e com o MDB, mas, não tinha nenhuma acusação formal, até porque eu não tinha participação direta no processo político, tinha como jornalista.
Zk – Como o senhor conseguiu a liberdade?
Zé Luiz – Quando saí da prisão pedi asilo político na Embaixada do Chile e passei a viver sobre a proteção da bandeira chilena. Minha mulher Maria Helena Dorneles da Silva e nosso casal de filhos foi para o Sul. Dali a uns cinco dias, fui colocado num avião e fui levado para o Chile com um salvo conduto. Com esse documento eu podia transitar pelo país, só não podia exercer minha profissão de jornalista. Trabalhei como ajudante de cozinheiro, enfim, fiz vários outros trabalhos pra sobreviver.

Zk – É verdade que o senhor foi junto com o pessoal exilado para o Chile em troca da libertação daquele embaixador americano que havia sido sequestrado pelo movimento anti-revolução militar?
Zé Luiz - Na época aconteceu o sequestro do embaixador americano Hulbrych e foi preso o Fernando Gabeira e mais um bocado de gente, o pessoal da revolução achava que eu tinha ligação com aquele povo que havia sequestrado o embaixador e eu não tinha nada a ver com aquilo. Nessa leva foi também o Fernando Henrique Cardoso professor, sociólogo, Fernando Gabeira e o José Serra, é claro que em outro avião, no Chile a gente se cruzava. Com o salvo conduto podia inclusive me deslocar por outros países como a Bolívia, Argentina, Uruguai enfim, toda a América Latina que naquela época, vivia sob o regime ditatorial, com aquele salvo conduto eu podia transitar nesses países. Assim vivi do começo de 1971 até maio de 1974.

Zk - Como foi o retorno para o Brasil?
Zé Luiz – O retorno foi via Santa Cruz de La Sierra – Bolívia, onde peguei um trem e desembarquei em Corumbá (MS), era o dia 15 de maio de 1974 só com a roupa do corpo e 25 pesos bolivianos no bolso.
Zk – Já podia retornar ao Brasil sem problemas?
Zé Luiz – Não teve problema porque o Brasil já estava vivendo o processo da abertura lenta e gradual, pregada pelo presidente Geisel. Cheguei e fiquei uns três dias me recompondo, estava com 25/26 anos de idade, depois peguei o trem e fui até Campo Grande de onde fiz uma ligação a cobrar para a redação da revista Veja. A telefonista atendeu e eu disse, quero falar como editor executivo Paulo Totti (que hoje está com noventa e tantos anos e está no jornal Valor Econômico). Liguei porque ele me conhecia lá do Rio Grande do Sul. Quando ele atendeu disse: Paulo é o Zé Luiz teu aluno e ele respondeu “O animal tu ainda está vivo?”. Contei minha história pra ele e disse que estava desempregado e precisava de dinheiro. Então ele perguntou se tinha banco Itaú e mandou que eu fosse para agencia, que iria mandar dinheiro e uma passagem de ida e volta a São Paulo e pedi, Totti gostaria, já que você está me ajudando, que essa passagem fosse também por Porto Alegre, pois preciso ver minha mulher e meus filhos que faz quatro anos que não os vejo. As cartas que trocava com minha mulher eram censuradas. Para encurtar a conversa, fui pro banco com uma roupa toda poída. A atendente me olhou de cima abaixo desconfiada, pegou minha identidade e foi verificar se tinha alguma ordem de pagamento pra mim, quando ela voltou com aquela tirinha de papel que era a ordem de pagamento no meu nome, já me chamou de senhor, porque o depósito era muito bom, 20 Mil (dinheiro daquela época) era muito dinheiro. Pra quem estava vivendo quase que a pão e água. Comprei roupa, terno fui prum hotel melhor pois estava numa pensão, fui à Vasp comprei passagem de ida e volta a Porto Alegre com passagem por São Paulo. Quero confessar aqui, foi uma das maiores emoções que tive na vida, não de ver minha mulher e meus filhos, foi quando desembarquei no aeroporto Salgado Filho, tive vontade de me ajoelhar e beijar o solo daquele Estado e gritar, seus desgraçados, estou de volta!
Zk – E o contrato com a revista Veja?
Zé Luiz – Fui contratado como corespondente em Mato Grosso cobrindo, Paraguai, Bolívia e com a missão de cobrir o processo de divisão do Estado que estava prestes a acontecer. A partir daí, fiquei sete anos na Veja, o Estado foi dividido e eu quis sair de Cuiabá. Deixei a Veja, fui pra Campo Grande ser correspondente do Jornal do Brasil do Rio de Janeiro. Em Mato Grosso do Sul encontrei o advogado Wilson Barbosa Martins que passou a me chamar de velho companheiro, porque ele também tinha sido vítima do golpe militar. Nesse meio tempo, ele saiu candidato a governador e eu fui assessor de imprensa na campanha dele e ele foi o 1º governador eleito de Mato Grosso do Sul.

ZK – E a campanha do Fernando Henrique?
Zé Luiz – Aí já chegamos à eleição de 1990.  Antes tinha feito uns free lance pro Mário Covas. Aí o Collor foi eleito e eu ganhei uma bolsa de estudo para fazer um curso como aluno visitante na UCDB em Brasília e veio o processo de impeachment do Collor e então fui trabalhar como correspondente em Brasília da Rádio  Guaíba que é do Grupo Caldas Júnior, cobrindo o impeachment do Collor. Foi uma experiência fantástica, o que era noticia agora, daqui a alguns segundos não era mais importante. Aquele mundo político de Brasília foi a maior experiência jornalística. Aí assumiu o Itamar Franco e fui trabalhar como assessor de imprensa do ministro Sinval Guazelli da Agricultura, o governo do Itamar Franco era mandato tampão, foi quando foi criado Plano Real e veio a eleição de Fernando Henrique Cardoso e eu fui convidado pelo então deputado Saulo Queiroz do PSDB juntamente com mais 126 jornalistas de todo o país. Com o Saulo Queiroz, Ana Tavares e com o Sergio Mota fui escalado para trabalhar na campanha do Fernando Henrique nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Norte do Paraná. Fernando Henrique foi eleito e todos os jornalistas aproveitados de uma maneira ou de outra. Fui indicado para ser Coordenador de Comunicação Social do INCRA, mas, foi uma experiência muito rápida. Foi então que encontrei o ex-preso político Nurembergue Borges de Brito que era engenheiro e presidente das Centrais Elétricas de Mato Grosso em Cuiabá.
Zk – Qual o resultado desse encontro?
Zé Luiz – Que bom te encontrar, disse ele, compramos a Centrais Elétricas e precisamos de uma pessoa com o teu perfio, porque estamos levando muita pancada, o povo não aceita a privatização e o governador Dante de Oliveira é uma pessoa muito boa, essas coisas. Aceitei o convite, trabalhei durante toda a gestão do Fernando Henrique.  Na época foi implantado o programa luz no campo, foi um trabalho muito interessante. Fiquei nas Centrais Elétricas de Mato Grosso - Cemat, por sete anos.    
Zk – E Rondônia?
Zé Luiz – Em janeiro 1976 vim a Rondônia realizar uma reportagem pra revista Veja, no Distrito de Espigão D’Oeste, com os índios Suruís. Desembarquei no aeroporto Caiari em Porto Velho fui pro hotel e depois fretei um táxi (fusquinha), saí três horas da manhã embaixo de um temporal, no rumo de Espigão. O fusquinha não andava, deslizava em cima do barro da BR 364, cheguei à aldeia aproximadamente a meia noite e não tinha energia elétrica. Na realidade Espigão se resumia numa praça cercada de galpões, muitos bares, prostitutas, muito índio e garimpeiros. Fiquei três dias, produzi a matéria que deu uma página da revista Veja e a matéria foi censurada pelos censores da ditadura militar. Guardo até hoje o texto e a foto censurada. A FUNAI dizia que não podia prestar assistência aos índios, mesmo tendo aeronaves e helicópteros e não tinha como descer nas aldeias e eu de fusca cheguei. A Veja colocou a foto com um monte de índio cercando o fusca, a legenda dizia, “Aonde a FUNAI não chega de helicóptero, o repórter de Veja chega de fusca”. Não teve jeito, a censura cortou toda a matéria. A partir daí passei a ler tudo sobre Rondônia fui pro campo da pesquisa para saber, mas e mais sobre Rondônia.
Zk – E surge o livro Genocídio

Zé Luiz – Juntando toda essa papelada, há sete anos vim para Rondônia, fui contratado como assessor de imprensa da Faculdade São Lucas pelo seu Jaime Gazola e dona Maria Elisa gente muito boa, faço questão de destacar isso. Nesse meio tempo, começou o movimento das obras das usinas do Madeira, muitas contradições, muitas denunciais de crimes ambientais de desvio de dinheiro, por aí afora. Isso foi despertando minha atenção, diante daquilo que já tinha sobre a história de Rondônia, que veio de Rondon, Roquete Pinto, Getúlio Vargas, Juscelino quer dizer, esse desenvolvimento com a abertura da BR 29 mais tarde 364 e pesquisando, pesquisando, resolvi fazer uma pesquisa no Baixo Madeira. A ideia era escrever o livro: “Rondônia de Getúlio a Lula”. Por quê? Porque Getúlio criou o Território e Lula estava complementando com as usinas do Madeira.
Zk – Por que trocou o nome par “Genocídio do Madeira”?
Zé Luiz – Quando já tinha escrito umas cem páginas (terminou saindo com 266 páginas), vi que estava faltando alguma coisa, to contando a história recente disso aqui a história dos últimos cem anos, mas, há 400 anos essa região já existia, então desci o Madeira, foram 45 dias pesquisando no Rio Madeira, fui até o entroncamento com o rio Amazonas e de lá pra cá retornei andando de barco, rabeta, canoa até mesmo andando a pé e dormindo em barracos de pecadores, pra conhecer a realidade e descobri na cidade de Borba (AM), muitos documentos que mostram o que os europeus que chegaram aqui a partir de 1492 e tentaram domesticar os índios e o que eles praticaram foi um verdadeiro Genocídio com os índios que viviam ao longo do rio Madeira nos mil quilômetros entre a fós até onde hoje é a cidade de Porto Velho. Aí o que era pra ser de Getúlio a Lula passou a ser “Genocídio no Madeira”. Os europeus não só acabaram com os índios, exterminaram com as tartarugas, os jacarés e tantas outras espécies. Se você viajar pelo Madeira, vai ver que é um rio sem vida, com exceção dos Botos o Madeira é praticamente um rio morto.
Zk – Qual a editora e quanto custa o livro?
Zé Luiz – É a Editora Protexto de Curitiba, o exemplar custa penas R$ 49,50.
Zk – Hoje está fazendo o que?
Zé Luiz – Com o apoio, quero resaltar isso, do Dr. Osmar Silva estou no Departamento de Comunicação do Governo de Rondônia – Decom produzindo matérias sobre o setor produtivo, assim como, me foi cedido um espaço e tenho um programa na Rádio Globo Rondônia, também voltado para o setor produtivo, que vai ao ar das 6 as 7 horas da manhã, de segunda a sábado.
Zk – Contato?
Zé Luiz – 9945-3620.

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