Nas andanças que estou
fazendo, pelos municípios do interior do estado de Rondônia, na busca de
conhecer a história dos seus verdadeiros pioneiros, fomos apresentados pela
dona Zenaide Távora a dona Marcionila Moura conhecida como dona Nina a primeira
parteira de Alvorada D’Oeste. À sombra de um pé de tangerina, ficamos
conhecendo nos mínimos detalhes a história dessa mulher rondoniense, nascida
nos seringais do Rio Candeias, que “comeu o pão que o diabo amassou”, para
chegar onde está hoje. “Fui obrigada pela minha madrasta, a tomar banho de
urina" Em Belém do Pará teve um de seus filhos “roubados” pelo próprio marido
que também a abandonou dizendo: “Daqui pra frente você não vai mais comigo,
porque você é negra de cabelo ruim e minha família é loira de olhos azuis”.
Depois de tanto sofrer, aportou em Alvorada D’Oeste justamente, no tempo que
João Távora e seus companheiros, estavam abrindo a clareira que um dia se
transformou na cidade de Alvorada.
Dona Nina foi a primeira
parteira a chegar a Alvorada e muito contribui com o progresso do município,
ela merece fazer parte da galeria: Pioneiros
– A história de todos nós!
ENTREVISTA
Zk - Como é o seu nome
completo e onde nasceu?
Nina – Marcionila Moura
nasci no dia 09 de fevereiro de 1937 no Rio Candeias.
Zk - Quando foi que a
senhora descobriu que tinha o dom de pegar menino como parteira
Nina – Escute aí pra ver
como é que foi. Depois do meu casamento embarquei num Batelão e numa canoa
amarrada ao Batelão ia uma senhora com a nora e aquela água ia caindo naquela
mulher que estava grávida de sete meses e o marido tinha batido nela. Durante
dois dias viajando, via aquela mulher fazer sinal pra mim e então fui até o
motorista do Batelão e pedi: Jaci (era o apelido dele), encosta esse barco na
beira do rio por favor. A mulher grávida foi a primeira que saiu, quando sai
encontrei ela num capão de mato já em processo de parto, com a perninha da
criança pra fora. Quando vi aquilo a levei até uma casa que tinha ali perto e
pedi da mulher do seringueiro que cedesse a cama e ela disse que a cama não
dava não, se quisesse tinha uns sacos de estopa para a grávida deitar. Desci
até o Batelão para saber se tinha alguém que soubesse pegar um neném e como
ninguém se manifestou resolvi fazer o parto, eu tinha apenas 13 anos de idade.
Zk – Deu tudo certo?
Nina – Quando retornei peguei
os dois pés dela, joguei pra cima e depois abaixei, fiquei massageando a
barriga dela, fui puxando a criança de vagarinho e a criança nasceu. Desse dia
em diante passei a pegar menino como parteira, Foram 55 anos.
Zk – A senhora estava
falando que tomava banho de penico. Que história é essa?
Nina – Meus pais morreram
quando eu ainda era muito criança e fui criada por uma boliviana que chamava de
madrasta. Eu apanhava que nem cachorro sem dono, quando eu urinava na rede,
pela manhã ela pegava o penico cheio da urina dela e jogava na minha cabeça e
me botava pra tomar banho no igarapé cuja água era muito fria. Certa vez fomos
a Jacy Paraná e ela alertou, “se tu urinar na rede, vou te colocar
pedindo esmola só de calcinha com a rede e a coberta mijada na cabeça de casa
em casa”. Nesse tempo estava com oito anos de idade. Antes de sair da
casa dela, com 13 anos, o marido dela me levava pro mato pra fazer “besteira” e
dizia que se eu contasse ele me mataria e colocava meu corpo dentro do buraco
do Tatu Canastra. Depois apareceu um rapaz pra trabalhar de seringueiro e nos
passamos a namorar e apesar dela fazer o maior inferno, contando pra ele que eu
não era mais moça, casamos, tivemos quatro filhos e nos separamos depois de
nove anos de convivência.
Zk – Como foi que a senhora
foi parar em Alvorada D’Oeste?
Nina – Meu marido ganhou Mil
Hectares de terra do Zé Milton na Linha 52 perto do rio Muqui e ali fizemos
nosso sítio. Acontece que meu marido me deixou pela comadre de batismo e vendeu
parte das terras e eu fiquei só com 20 Alqueires. Estou em Alvorada desde
aquele tempo, posso dizer que sou a pessoa que pegou mais menino como parteira,
por essas bandas. Parei quando surgiu o hospital de Alvorada. Quero dizer que
depois daquele 1º parto que fiz na beira do rio, andei pegando menino por tudo
quanto foi canto, Belém do Pará, Porto Velho, Seringal Guaporezinho do Baraúna
onde também fui seringueira,
Zk – Depois que inauguraram
o hospital, convidaram a senhora para atuar como parteira. Fale sobre os partos
perdidos?
Nina – Não! Quem me ajudava
muito fornecendo remédios para as parturientes, era o Dr. Montanha que ainda
hoje mora em Alvorada. Em 55 anos como parteira, apenas quatro crianças foram
perdidas. Uma foi aquela primeira na beira do rio que quando vi esta com as
perninhas de fora em vez da cabeça, era uma menina e também nasceu com o bracinho
e a perna quebrada e com a cabeça
partida. Outro nasceu fora de tempo, um foi porque a mulher não procriava, me
disseram que fizeram “ruindade” pra ela.
Sempre agi com muito cuidado, o material que eu utilizava era todo
esterilizado, usava luva, tesoura para cortar e cordão para amarrar o umbigo, o
Dr. Montanha me fornecia inclusive injeção, para injetar quando a criança já
estava coroando e a mulher não tinha força, no mais, é muita fé em Deus e
coragem. Nunca uma mulher morreu em minhas mãos, graças a Deus.
Zk – Em Alvorada D’Oeste
qual foi o parto que mais lhe comoveu?
Nina – Foi o de uma comadre
minha, mulher de um homem chamado Expedito. Ela estava sofrendo muito, reparti
a barriga, pois senti que eram duas criança. Acontece que uma nasceu e só
depois de algumas horas foi que o outro nasceu. Infelizmente nenhuma viveu,
isso me comoveu muito.
Zk – Segundo dona Zenaide
Távora a senhora também é pioneira de Alvorada. A senhora carregou cacaio nas
costas, o que é cacaio?
Nina – Carreguei muito
cacaio nas costas. Quando a gente morava na Linha 52 não tínhamos nem farinha,
nem arroz, por isso tinha que caminhar duas horas dentro da mata, para buscar
mandioca ou abobora pra misturar com peixe ou carne, isso era feito no cacaio
uma estopa que a gente carregava na cabeça ou nas costas, no cacaio também se
levava as ferramentas para trabalhar na roça,
Zk – O que a senhora tem a
dizer aos moradores, já que no último dia 20 de maio Alvorada comemorou 28 anos
de emancipação?
Nina – Quero dizer a eles
que sou uma guerreira que veio muito arrasada para Alvorada, mas, hoje estou
muito bem, sou aposentada. Peço que toda juventude tenha força e coragem pra
trabalhar, que não se iluda com a droga, com o vício da maldade. Que sigam o
caminho direito, para alcança o amor de Deus.
Zk – A senhora quer fazer
algum pedido especial?
Nina – Gostaria que vocês
ajudassem a encontrar dois filhos meus. Um o pai Manoel Rodrigues de Souza
roubou em 1964, dizendo que ia pra Icó no Ceará mas, não tenho certeza. O outro
saiu com 16 anos de idade da fazenda do Zé Milton perto de Presidente Médici. O
nome deles é FRANCISCO OTACILIO DOS SANTOS o outro FRANCISCO RODRIGUES DE SOUZA
(que foi pro Ceará).
Zk – Quem souber do
paradeiro deles deve ligar pra qual número?
Nina – (69) 9236-5742. Moro
na avenida Castelo Branco nº 5487 em Alvorada D’Oeste-Rondônia,se forem vivos
devem estar com 58 e 54 anos de idade hoje.
Zk – Como foi que o seu
marido conseguiu levar seus filhos?
Nina – Foi muito triste o
que ele fez comigo. A gente tinha tirado um bom dinheiro no seringal e ele
disse que ia me levar pra conhecer o Ceará, quando chegou em Belém, virou pra
mim falou: “Daqui pra frente você não vai mais, porque você é preta e tem o cabelo
ruim e minha família é loira dos olhos azuis”. Pegou o menino e
desapareceu. Depois disso, pra sobreviver e conseguir comprar passagem de
volta, fui cortar colorau de tesourão, fui parteira, inclusive um médico queria
me levar pra trabalhar no hospital dizendo que eu sabia trabalhar muito bem
como parteira. Fiz 40 quilos de colorau pruma mulher e ela não me pagou e nem
comprou a passagem minha e dos meus filhos, tinha mais três filhos do primeiro casamento,
mesmo assim, consegui embarcar no navio Lobo D’Almada viajando de terceira
classe.
Zk – E os filhos?
Nina – Quando vi, chegaram
perto de mim, três mulheres, todas de sapato Luiz XV e ofereceram um pacote de
dinheiro pelo meus filhos e então disse pra elas, que só dava meus filhos pra
Deus ou se eles cassarem e assim eu fiz,
Zk – Dona Nina estamos muito
feliz por conhecer a sua história. Muito obrigado!